Uma pesquisa do Datafolha, na semana passada, mostrou que a popularidade do presidente Jair Bolsonaro ganhou novo impulso. Captou-se, inclusive, um crescimento da aprovação presidencial na camada mais pobre da população: entre aqueles que ganham até dois salários mínimos, 35 % avaliam o governo como ótimo e bom, contra um índice de 29 % cravado na enquete anterior. Analistas políticos explicam a melhora através de dois fatores. O primeiro é a fase atual do mandatário, que deixou o estilo agressivo de lado. A outra razão seria o programa de assistência social para combater a penúria econômica provocada pelo coronavírus na população mais carente, acompanhado do upgrade do Bolsa Família. O plano do governo seria o de perenizar o auxílio vigente durante a pandemia, fundi-lo com o Bolsa Família e criar o projeto Renda Brasil.
Com isso, o alerta vermelho acabou soando no Partido dos Trabalhadores. Uma de suas principais bandeiras, o assistencialismo, não só tinha sido usurpada por um governo que se dizia liberal como essa mesma administração se propunha a iniciar uma fase 2.0 no programa original, trocando-o de nome e tirando de cena a marca que ficou ligada ao PT – Bolsa Família.
Como se sabe, o Bolsa Família tem grande penetração nos estados nordestinos, onde reina a miséria nos rincões, e foi um importante propulsor de votos petistas. Nas últimas eleições, por exemplo, Fernando Haddad obteve 70 % dos votos válidos da região. A consequência natural seria uma grande rejeição por parte do eleitorado do Nordeste a Bolsonaro. Isso ocorreu do início do mandato até junho, quando o índice de rejeição ao presidente na região chegou a 52 %. Na última pesquisa, no entanto, constatou-se que apenas 35 % dos eleitores nordestinos rejeitavam Bolsonaro.
Para reagir ao avanço bolsonarista em cima de seu eleitorado, o PT elabora o “Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil”. Como ainda faltam mais de dois anos para a eleição presidencial, o documento deve trazer o blábláblá de sempre, exaltando o que os governos petistas fizeram no passado.
Lula é um político carismático – ninguém discute isso. Mas, ao se analisar os avanços de Bolsonaro nos currais eleitorais do PT, percebe-se que boa parte da força eleitoral ex-presidente, no fundo, estava baseada pura e simplesmente em suas iniciativas assistencialistas. Se outro governo abraça essa causa e até a melhora, como o décimo-terceiro salário no Bolsa Família, a fidelidade eleitoral se esvai rapidamente.
Essa reviravolta na cena política nos leva a uma reflexão. Qual é o verdadeiro tamanho da esquerda brasileira? Até recentemente, utilizávamos o resultado do pleito de 2018 (55% para Bolsonaro e 45% para Haddad) para mostrar que havia uma polarização política no país. Hoje, porém, quando nos debruçamos sobre os números do Datafolha, vem a pergunta: desses 45 % que votaram em Haddad, quantos o fizeram para preservar o Bolsa Família?
Talvez o Datafolha tivesse de fazer uma pesquisa exclusiva para descobrir isso, mas o fato é que as eleições no Brasil são decididas por aqueles que mudam de posição a cada pleito. Entre os eleitores de Bolsonaro em 2018, há muita gente que sufragou Dilma e Lula.
Em relação ao ex-presidente, é importante ressaltar que suas duas vitórias foram em cima de candidatos muito ruins. Tanto José Serra como Geraldo Alckmin não conseguiram sensibilizar o eleitorado e passar uma mensagem que fosse menos paulista e mais nacional. Alckmin, inclusive, obteve a proeza de ter menos votos no segundo turno do que no primeiro – o único caso registrado na recente história política.
A reviravolta de Bolsonaro chama – e muito – a atenção. Se estivesse nos Estados Unidos, seria como se Donald Trump tivesse parado de falar em reduzir impostos despois de 18 meses e adotado um programa de governo tipicamente democrata. Ou seja, mantidos os conceitos pró-capitalismo, mas deixando de lado e liberalismo e atacando na seara social. Se o governo, extraoficialmente, questiona por que deve obedecer ao teto de gastos públicos e está destinando cada vez mais recursos para o assistencialismo, é uma demonstração clara de que passa a ser uma administração de direita com pouco interesse em refrear o déficit público.
Diante de disso, uma dúvida vem à mente:
Paulo Guedes, aparentemente um liberal convertido em keynesiano, seria o melhor ministro da Economia para Bolsonaro? Talvez não. Sua saída seria sentida pelo empresariado e pelo mercado financeiro, mas não significaria mais o fim do mundo. Especialmente se o substituto fosse um nome com trânsito político e bom senso. O problema de Bolsonaro é encontrar um nome de peso que aceite o convite. A interinidade estendida do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, mostra o quanto vem sendo difícil encontrar um medalhão que aceite fazer parte da equipe. Com a extensão da fase “paz e amor” de Bolsonaro, essas resistências podem ser quebradas. Mas, por enquanto, ainda há ceticismo no ar – que se dissipa lentamente, é verdade.
Mas cuja persistência ainda é um fator de preocupação.