O Brasil começa a copiar os Estados Unidos na onda de derrubar estátuas que retratam heróis do passado. Parece que ainda não quebraram nenhuma por aqui, mas cogita-se através de abaixo assinado, destruir a homenagem ao bandeirante Borba Gato erguida na capital paulista.
Tendo a ser contra a derrubada desses monumentos na mesma proporção que condeno sua construção. Sempre acho descabidos esses cultos à personalidade, mesmo porque se examinarmos a vida de muitos que estão eternizados nas praças públicas encontraremos sérios desvios de caráter que ficam ocultados por algum feito meritório.
Não há necessidade de mudar a história nem é justo julgar os homens do passado baseados nos valores sociais e éticos do presente, pois o mesmo homem tido por valoroso pelos seus contemporâneos de 100 anos atrás, se submetido aos filtros da sociedade atual pode ser visto como canalha. Mas como já estão materialmente eternizados que lá fiquem até como reflexão.
O Borba Gato citado acima, homenageado por descobrir minas de metais preciosos e contribuir para a colonização e expansão do território brasileiro no século XVIII pode ser considerado, com os conceitos e juízos modernos, um cruel escravizador de negros e índios. Mas escravizar indivíduos era o padrão normal da época e ninguém era eticamente condenado por isso.
Valores mudam no tempo e no espaço: uma tribo indígena que ainda não teve contato com a civilização branca não pode ser criminalizada por abandonar os recém-nascidos fisicamente deficientes, fenômeno que acontece em algumas delas, porque não têm condições de carregar um inválido no seu estilo de vida nômade.
Se eu contar em uma roda de jovens urbanos que fui caçador de perdizes e codornas há 50 anos muitos me terão por bárbaro e insensível. Entretanto é bom não esquecer que estes mesmos jovens que hoje condenam esses comportamentos poderão ser considerados igualmente incivis quando relatarem aos seus netos que sua geração matava animais domésticos para comer. Provavelmente daqui a algumas décadas, a seguir a tendência atual, teremos a carne de laboratório que fornecerá proteína em abundância sem precisar matar nenhum boi, porco ou frango.
Mas voltando ao assunto inicial, não é necessário derrubar a estátua de um general que foi escravagista há 300 anos, afinal todos, menos os escravos claro, eram defensores dessa barbaridade naquela época.
E mesmo os escravos também se tornavam escravizadores quando estavam em condições de fazê-lo. Era uma coisa tão natural que até Zumbi dos Palmares tinha seus escravos. Portanto se as estátuas de Zumbi merecem ficar onde estão a de Borba Gato também. Afinal um (o Zumbi) comprava escravos para o próprio uso, outro, o Borba Gato, os vendia a quem pagasse melhor.
Pelo lado da virtude, o segundo criou riquezas e expandiu fronteiras, o outro deu um grande exemplo de resistência à escravização de seres humanos e os dois fazem parte da história brasileira.
Também é verdade que ambos buscavam basicamente interesses pessoais em suas ações – o bandeirante descobrindo ouro e o ex-escravo fundando um quilombo. O resultado socialmente benéfico dessas duas empreitadas não guardava relação com seus objetivos, foi um efeito colateral bem-vindo, ainda que inesperado.
Renato de Paiva Pereira – empresário e escritor