O Ministério Público Federal (MPF), por meio do procurador da República Everton Pereira Aguiar Araújo, que atua na unidade em Barra do Garças (MT) ingressou com representação dirigida ao procurador-geral da República, e com ações civis públicas contra a União, Funai, Energisa e vários cidadãos não índios ocupantes de áreas no interior da Terra Indígena (TI) Urubu Branco, pertencentes aos indígenas da Etnia Tapirapé.
Conforme os autos, a regularização fundiária das terras tradicionalmente ocupadas pelos Tapirapé já tramita há mais de 36 anos. Além disso, todo o processo fundiário na região é marcado por extrema violência, passando por situações que vão desde hostilidades, ameaças e até morte, o que resultou no registro de diversas ocorrências e instaurações de várias investigações criminais.
O MPF já havia ajuizado ação com pedido de liminar para a retirada de não índios da TI Urubu Branco, em 2003, a qual foi sentenciada em 21 de agosto de 2017 (autos 0013043-98.2003.4.01.3600) pela 3ª Vara Federal de Cuiabá (MT) para reconhecer a área demarcada da Terra Indígena Urubu Branco como sendo de ocupação tradicional dos índios Tapirapé e, consequentemente, reconhecer a nulidade dos títulos de propriedade em nome dos particulares (réus), incidentes sobre as terras objeto da ação, além de determinar a todos que se retirem da TI.
Contudo, por meio de decisão proferida no agravo de instrumento 1017568-80.2019.4.01.0000 pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), de 2 de julho deste ano, foi atribuído, parcialmente, efeito suspensivo ao recurso de apelação nos seguintes termos: “Suspendendo o cumprimento de sentença ali proferida, no que toca à determinação de desocupação da área e à condenação ao pagamento de indenização pelos danos ambientais, mantidos os comandos judiciais para que os réus se abstenham de promover ocupações, reocupações, invasões, permanência, circulação, edificações de qualquer espécie, assentamentos, alienações, permutas e transferência de posse envolvendo particulares”.
Para o MPF, a permanência dos particulares em Terra Indígena já reconhecida como de usufruto exclusivo da comunidade dos Tapirapé, inclusive com decisão de mérito em ação civil pública ajuizada na origem, contribui decisivamente para o aumento da tensão e dos conflitos fundiários em Urubu Branco, comprometendo seriamente a segurança pública.
A conclusão do órgão ministerial foi obtida a partir da extensa lista de ocorrências policiais, inquéritos policiais e procedimentos de investigação que tramitaram ou tramitam no próprio MPF, no MP/MT e nas polícias Federal e Civil do Estado do Mato Grosso sobre ilícitos ocorridos no interior da Terra Indígena Urubu Branco, contendo inúmeros delitos ambientais, homicídio, tentativa de homicídio, incêndio de veículo de propriedade da Funai, atentados, emboscadas, entre outras ocorrências.
Por tal razão, o procurador da República Everton Aguiar representou ao procurador-geral da República pelo manejo de Pedido de Suspensão Liminar perante o Supremo Tribunal Federal (STF). A intenção é suspender os efeitos da decisão liminar proferida pelo TRF1, a fim de autorizar a execução provisória da sentença, e consequentemente, promover a retirada de todos os ocupantes não indígenas.
Quanto às ações civis públicas, o MPF ajuizou a primeira, em conjunto com a Procuradoria Federal Especializada junto a Funai de Palmas (TO), como resultado do Inquérito Civil 1.20.004.000207/2019-14, com o intuito de garantir a defesa dos direitos coletivos, de titularidade da comunidade indígena Tapirapé, em relação ao seu território de ocupação tradicional, por conta da indevida ocupação de não indígenas e da construção de benfeitorias nas áreas invadidas.
Com esta ação, o MPF requer que seja concedida a tutela de urgência determinando a imediata retirada dos não indígenas, ressalvados os tutelados pela decisão judicial proferida no agravo de instrumento 1017568-80.2019.4.01.0000, que forem encontrados no interior da TI Urubu Branco. Requer também a expedição de ofício ao ministro da Justiça, bem como ao superintendente da Polícia Federal em Mato Grosso, requisitando o imediato reforço da Força Nacional e da Polícia Federal no policiamento da região, com o objetivo de auxiliar na desintrusão, e evitar confrontos e hostilidades em decorrência da expedição do mandado de desintrusão.
Numa segunda ação civil pública movida contra a União e a Funai, o MPF requer indenização à comunidade indígena Tapirapé de Urubu Branco por danos morais coletivos, sofridos em decorrência do desarrazoado prazo para completa extrusão dos não indígenas do interior da TI, homologada em 1998.
Estudo da Funai definiu a área indígena em 1983, porém, apenas na década de 90 os indígenas Tapirapé conseguiram reconhecimento oficial do seu território, tendo a sua demarcação administrativa homologada por meio de decreto, em 1998. Diante da homologação da área, todos os títulos de registro de imóveis das propriedades particulares localizadas no interior da TI Urubu Branco foram declarados nulos e extintos de pleno direito, ressalvado o direito de indenização das benfeitorias de boa-fé realizadas pelos particulares.
Contudo, como resquício da demora no reconhecimento da posse tradicional, a presença de não índios, além dos já identificados, alastrou-se de tal forma no território, a ponto de ser ajuizada em 2003 a ação civil pública 2003.36.00.013012-1, com a pretensão de desintrusão dos posseiros que insistiam em permanecer dentro da Terra Indígena Urubu Branco. Desde então, inúmeros recursos têm sido interpostos pelos posseiros. Assim, na ação, o MPF requereu a condenação da União e da Funai a indenizar a comunidade indígena Tapirapé de Urubu Branco no valor de R$ 6,3 milhões, a título de danos morais coletivos.
"Registre-se que a omissão do Estado brasileiro na proteção da Terra Indígena Urubu Branco viola o direito constitucional à terra do povo indígena Tapirapé, contraria a Convenção Americana de Direitos Humanos (artigo 21) e a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, sujeitando o Estado brasileiro à responsabilização internacional, tal como no caso do povo indígena Xucuru e seus membros vs. Brasil, além de contribuir para o agravamento e tensionamento dos conflitos na região".
A terceira ação civil pública tem por objetivo a condenação da empresa de energia elétrica a pagar quantia a título de danos morais coletivos e sociais ao povo Tapirapé da Terra Indígena Urubu Branco, por sua contribuição decisiva no processo de grilagem e desmatamento da TI ao promover a eletrificação para posseiros ilegais que estão na área indígena.
O MPF acionou a Energisa por esta ter fornecido a eletrificação rural no interior da área indígena demarcada, sem autorização das autoridades competentes, e sem a comprovação da posse pacífica ou a apresentação de certidão de trânsito em julgado de ação judicial, conforme exigência apresentada pela própria concessionária, quando para atender demanda de comunidade indígena.
Para o MPF, é notório que a eletrificação é fator determinante para a ocupação humana de uma determinada área. Com a eletricidade podem ser utilizados maquinários, automatizar atividades econômicas, aumentar a produtividade, além de gerar percepção de regularidade para os ocupantes desta área, o que contribui para a valorização das posses, ainda que ilícitas, e sua negociação por parte dos grileiros. Na ação o MPF requereu a condenação da empresa em danos morais coletivos fixados minimamente no valor de R$ 1 milhão, e a condenação a título de danos sociais no valor de R$ 1 milhão em favor da comunidade Indígena Tapirapé da TI Urubu Branco.
Abaixo as ações e representação do MPF, bem como o vídeo com imagens que comprovam as invasões: