O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que os ex-governadores do Rio de Janeiro Anthony Garotinho e Rosinha Garotinho voltem à prisão. No fim de outubro, o próprio Gilmar deu uma liminar mandando soltá-los e determinando a aplicação de medidas cautelares, mas ainda não houve uma decisão definitiva. O ministro ainda pode reconsiderá-la, rejeitar o pedido de Aras, ou levar o caso para julgamento da Segunda Turma do STF, composta por cinco ministros.
Por decisão de Gilmar, o casal está proibido de manter contato com outros investigados ou testemunhas. Eles também tiveram de entregar os passaportes e não podem sair do país sem autorização judicial. Além disso, têm de comparecer mensalmente à Justiça até o quinto útil de cada mês, onde deverão comprovar o local de residência.
Aras observou que uma das cautelares — a proibição de manter contato com outros investigados — não é possível de ser cumprida. Isso porque um dos seus advogados, autor do habeas corpus que levou à libertação do casal de ex-governadores, é Thiago Soares de Godoy, ele próprio um investigado.
Garotinho e Rosinha são acusados de superfaturamento em contratos celebrados entre a Prefeitura de Campos, no Norte fluminense, e a construtora Odebrecht, para a construção de casas populares dos programas Morar Feliz I e Morar Feliz II durante os dois mandatos de Rosinha como prefeita (2009/2016). Em abril de 2017, O GLOBO mostrou que as casas construídas pela Odebrecht não tinham porta, telhado e janela.
A praxe no STF é analisar um pedido apenas quando ele terminou de tramitar nas instâncias inferiores, como o STJ. No caso de Garotinho, isso ainda não tinha ocorrido. Mas Gilmar afirmou que essa regra poderia ser flexibilizada quando há “patente constrangimento ilegal ou abuso de poder”.
Segundo Gilmar, não há qualquer fato concreto para corroborar a suposta ameaça a testemunha que teria sido feita pelo casal. De acordo com ele, “não há sequer indicação de pessoas específicas que estariam causando tais intimidações. Ou seja, não se pode fundamentar a prisão cautelar de uma pessoa a partir de juízos hipotéticos carentes de qualquer embasamento fático em concreto”.
Em seu parecer, Aras retoma o argumento de que o processo não terminou de tramitar no STJ para defender a volta do casal à prisão. Também afirmou que as decisões das instâncias inferiores mostraram “a necessidade da prisão preventiva de Anthony Garotinho e Rosinha Garotinho dos demais envolvidos que foram alvo da medida reside na conveniência da instrução criminal, ante os relatos de uma das testemunhas de que estaria sendo ameaçada por pessoas ligadas aos pacientes”. E lembrou que este caso não o único em que Garotinho “buscou criar empecilhos ao escorreito andamento da ação penal”. Assim, não adianta aplicar apenas medidas cautelares.
Os dois foram presos preventivamente no começo de setembro em operação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e da Coordenadoria de Segurança e Inteligência, órgãos vinculados ao Ministério Público do estado. A medida foi autorizada pela Segunda Vara Criminal de Campos dos Goytacazes. Menos de 24 horas depois, o desembargador Siro Darlan , plantonista do TJRJ, mandou soltar o casal. Segundo ele, a decisão determinando a prisão não tinha “alicerces sólidos”.
Em outubro, a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) derrubou a liminar que concedia habeas corpus aos ex-governadores, determinando a volta do casal à prisão. Depois, o ministro Leopoldo de Arruda Raposo, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), também negou um habeas corpus da defesa do casal. Somente com a decisão de Gilmar é que puderam deixar a prisão.
No pedido ao STF, a defesa de Garotinho e Rosinha alegou que o decreto de prisão foi de “manifesta ilegalidade”. Entre outros argumentos, desqualificou a testemunha que relata ter sofrido ameaças, dizendo que ela é inidônea. Os advogados também alegaram que os supostos crimes dos quais são acusados não são de agora, já tendo cessado. Assim, não haveria razão para decretar uma prisão preventiva. Gilmar concordou, dizendo que “fatos antigos não autorizam a prisão preventiva, sob pena de esvaziamento da presunção de inocência”.
Aras argumentou que os delitos em questão tiveram longa durança, de 2009 a 2016. Também destacou que há mais processos contra os dois tratando de outros esquemas criminosos. Além disso, mesmo que os crimes já não estejam mais sendo cometidos, Aras citou precedentes do próprio STF que apontam para outro fator: o risco de voltar a delinquir.
“Tais circunstâncias, quando associadas aos demais elementos da conduta dos agentes já explorados — a gravidade em concreto dos crimes e a habitualidade delitiva dos envolvidos, compreendida inclusive em outras ações penais em que são réus –, evidenciam a legalidade da prisão preventiva decretada pelo Juízo de 1º grau. Somente essa medida tem o condão de evitar a continuidade delitiva”, anotou Aras.
Os advogados citaram ainda o estado de saúde do ex-governador — o que também foi destacado por Gilmar na decisão — e o risco à integridade física do casal na prisão. Aras, por sua vez, ressaltou que não houve perícia oficial para constatar o estado de saúde.