Uma vara judicial para tratar apenas de casos ligados à saúde em que o Estado está no polo passivo da ação começou a atender no Fórum de Várzea Grande. A Vara Especializada da Saúde vai receber processos novos e que eles com prescrição de atendimento continuado. O juiz titular José Luiz Lindote diz ao Circuito Mato Grosso que o desafio será dar mais agilidade ao cumprimento das ações, mesmo o Estado tendo hoje uma fila de espera de 60 dias para executar decisões tomadas e para qual ele não estima prazo para extinção. Ao mesmo tempo, terá que analisar “um a um” os casos na demanda para proferir decisões com mais propriedade tanto para atender os pacientes quanto para “padronizar” o funcionamento da vara.
Circuito Mato Grosso: Juiz, chama a atenção de designação de uma vara judicial para resolver casos de saúde.
José Luiz Lindote: A criação de uma vara se justifica pelo volume de processos que têm hoje, é um volume grande, e a necessidade de especialização dessa matéria para que se possa ter procedimentos padrões, um juiz decidindo haverá um procedimento padrão, e isso ajuda bastante.
CMT: Qual é o volume de processos?
JLL: Hoje, nós temos um volume, no PJe (Processo Judicial Eletrônico), em torno de 4,5 mil processos. Mas, esse volume pode não ser real porque o nosso sistema é alimentado pelas partes e as partes nem sempre fazem o cadastramento correto das ações. Mas com relação à Vara da Saúde, não haverá este problema, porque vamos receber apenas processos novos e aqueles processos que estão em andamento e têm prestação continuada, aqueles que não são resolutivos, uma ação cumpriu e ele termina.
CMT: Acaba o remédio, é preciso analisar de novo…
JLL: Isso. Remédios que têm utilização contínua, homecare são os exemplos mais típicos. Então, esses processos que já estão tramitando vão vir pra cá. Os antigos que já determinou para, por exemplo, realizar uma cirurgia, esses vão continuar tramitando com o juiz de origem.
CMT: Quais são casos mais frequentes que viram processo judicial?
JLL: A maior demanda é a solicitação de UTI (Unidade de Tratamento Intensivo), remédios, principalmente remédios oncológicos, de alto custo e cirurgias de alta complexidade.
CMT: Qual vai ser especificidade da Varada Saúde?
JLL: Ela é competente para analisar ações contra o Estado e no que o Estado for litisconsórcio com o município. Se pessoa for entrar [com processo] para medicamento de baixo custo, uma consulta, ela vai ajuizar a ação na comarca de origem dela, vão ser resolvidos lá na comarca.
CMT: Os casos de judicialização ocorrem por que o Estado demora a atender ou por que não tem estrutura para prestar o serviço?
JLL: Acho que são as duas situações: demora devido ao grande volume de pessoas para serem atendidas. A saúde é um problema, tanto a saúde pública quanto a privada. E, às vezes, o Estado, além da demora, não consegue cumprir seja por qualquer situação, aí é onde a Justiça intervém e, às vezes, determina o bloqueio [financeiro no orçamento] e a realização do serviço em uma unidade privada.
CMT: Quais são os desafios da Vara da Saúde?
JLL: É um grande desafio. Nós pretendemos dar mais celeridade nas ações. Por mais que as pessoas pensam que seja uma vara onde vai centralizar todas as ações vai travar por causa do volume, nós não vamos ter processo físico, vai ser tudo digital. O que trava uma vara judicial hoje é cumprimento da ação. Se entra com um pedido de liminar, em um minuto se dá a decisão. O problema é cumprimento: o juiz dá uma decisão liminar, vai para o cartório, que emite um mandado de intimação, vai para a central da regulação [da Saúde], intima o funcionário, o funcionário manda para PGE (Procuradoria Geral do Estado), a PGE prepara a defesa, que vem para a vara. Então, toda essa burocracia demora. Hoje, no processo eletrônico, entrou com ação, saiu a decisão o sistema já dispara para o Estado fazer a defesa. E ao mesmo tempo, nós temos acesso ao sistema de cumprimento do Estado. Se não cumpriu, em questão de hora vai ter intimado para dar esclarecimento.
CMT: Qual é a estimativa de redução do tempo?
JLL: Com a criação da Vara, nós vamos saber em tempo real o andamento do processo. Nossa expectativa é reduzi o tempo, mas isso depende muito da questão do Estado, a gente sabe que já há uma fila judicial de mais de 60 dias [de decisões] para ser cumpridas. A criação da vara não vai acabar com a fila, mas a gente pretende, juntos, tomando medidas judiciais e até gestão diminuir esse tempo.
CMT: Pode citar um exemplo?
JLL: Há situação que já verificamos em que se demora 60, 70, 120 dias para a pessoa fazer um exame cardíaco, se ela estiver internada; senão, leva até dois anos. E ela fica internada todo esse tempo porque, se sair, perde a vaga. Com a centralização da vara, poderemos tomar medidas para mudar isso. Como estavam pulverizadas as ações não tinha como se fazer um controle, são mais de 100 juízes despachando saúde pública.
CMT: O senhor disse no início da conversa que centralização da vara dar uma padronização das decisões. A falta dela é um problema nos casos da saúde?
JLL: No SUS (Sistema Único de Saúde) não é possível atender a todos em hospitais de alta complexidade. Algumas pessoas conseguem algumas medidas, uns juízes mandam internar no hospital privado, outros mandam internar no hospital público. Às vezes, se concede medidas de concessão de remédios que não têm resultado comprovado cientificamente. A vara vai se conceder a medida ou não? As pessoas que entrarem com ação terão um atendimento padronizado. Nós temos decisões de tribunais superiores que já dão um norte, vamos buscar o padrão dos tribunais superiores. No caso do medicamento, há decisões que afirmam que tal remédio é reconhecido pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e outros, não e têm outro tipo de tratamento.
CMT: A vara vai poder dar uma decisão com mais propriedade?
JLL: Nós vamos montar uma equipe multidisciplinar para quando chegar o processo para ver a necessidade em cada caso, um por um, deverá ter justificativa para o que se está pedindo. Há várias situações que precisam ser corrigidas. Um exemplo: um processo que tramita há quase 11 anos e a pessoa [atendida], nesse período, teve medida liminar para receber 180 pacotes de fralda geriátrica por mês, 15 litros de um alimento suplementar. E durante esses dez anos não se verificou se há necessidade ou não de mudar a demanda. Vamos verificar todos esses processos, homecare, remédios de alto custo. É preciso entender que, se não há necessidade, é um dinheiro que fará falta para outra pessoa. Isso vai gerar muita resistência, mas não vamos restringir direitos de ninguém. Nós vamos ter controle quantitativo e qualitativo das decisões. Vamos ver a demanda, o gargalo, isso vai facilitar, e muito, a de visão tanto nossa quanto das prefeituras, do Estado.
CMT: A SES (Secretaria de Estado de Saúde) já se posicionou em outros tempos que o orçamento anual dela é curto e ele ficar menor ainda quando a Justiça manda bloquear dinheiro. Como o senhor vai lidar com essa situação?
JLL: A decisão vai ter que ser cumprida. Nós estamos tratando com o Estado para a Justiça dar a decisão ele cumprir de forma adequada. Evidentemente que se for necessária a medida de bloqueio para ele dar cumprimento, dentro da razoabilidade, ela vai ser definida. O Estado sempre tem espaço para recurso, mas no caso da saúde, quando a defesa é apresentada o bloqueio já se consolidou. Uma situação que a gente questiona bastante com relação ao bloqueio é que as partes entram com solicitação de uma demanda, o Estado não cumpre e as partes vêm com três orçamentos. A gente sabe que os estabelecimentos privados fazem procedimentos pelos planos de saúde com um custo bem inferior [ao cobrado do Estado]. Esse ajuste vai ser feito.