Opinião

Trabalho precoce – A cruel supressão da infância

Por Carolina Fernandes Moreira da Costa Silva

Especialista em Direito Administrativo

Estagiária no Ministério Público de Minas Gerais

 

Inicialmente, para uma melhor compreensão do assunto, é importante esclarecer a definição de trabalho infantil, que se caracteriza por toda forma de trabalho desempenhado por crianças e adolescentes com idade inferior à mínima permitida legalmente.

No ordenamento jurídico vigente em nosso país, via de regra, o trabalho é permitido a partir dos 16 anos de idade, com exceções previstas pela Constituição Federal de 1988, para os desenvolvidos em horário noturno, de forma perigosa ou insalubre, os quais serão permitidos a partir dos 18 anos de idade, bem como para os adolescentes maiores de 14 anos que trabalhem na condição de aprendiz.

Ainda que possua ampla cobertura de proteção, considerando as normas previstas especialmente para tutelar o assunto, presentes na Consolidação das Leis Trabalhistas, na própria Constituição Federal, bem como no Estatuto da Criança e do Adolescente e, ainda, na Organização Internacional do Trabalho é flagrante o grande desrespeito que todas essas normas sofrem diariamente.

O trabalho infantil faz parte de uma cruel realidade, presente em grande parte do território nacional, conforme podemos observar em estudos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio da Pesquisa Nacional por Amostras de domicílios (PNAD), na qual os dados são preocupantes. De acordo com o estudo realizado no ano de 2016, 1,8 milhões de crianças e adolescentes, de um total de 40,1 milhões, trabalhavam naquele ano. Dentro dessa estatística, estavam, aproximadamente, 30 mil crianças de 5 a 9 anos de idade, além de 160 mil crianças entre 10 a 13 anos de idade.

Os números são alarmantes e chamam à atenção principalmente para a região Norte, seguida da região Nordeste, onde há a maior proporção de trabalho infantil entre crianças de 5 a 13 anos de idade que precisa ser combatido.

Quanto às características das crianças e adolescentes que estavam inseridas no mercado de trabalho, 34,7% eram do sexo feminino, enquanto 65,3% do sexo masculino. Ainda, destaca-se que havia um predomínio de crianças pretas e pardas em relação às brancas.

Muitas podem ser as causas desse triste quadro. Notadamente, a pobreza pode estar mais seriamente vinculada ao trabalho nessas condições, já que esse ingresso precoce, muito possivelmente, seja em decorrência da ajuda que essa categoria dá à família, na função de trabalhadores familiares auxiliares, pois, ainda que o trabalho infantil, nesse caso, não gere ganhos individuais e imediatos para as crianças, acaba por gerar ganhos que são auferidos pela família como um todo. Os dados fornecidos pelo IBGE são de que, entre crianças com idades entre 5 a 13 anos, aproximadamente ¾ delas não recebiam renda monetária em razão do trabalho desempenhado, o que pode confirmar a ideia anterior.

Destaca-se, também, que das pessoas com idade entre 5 a 17 anos que trabalhavam em 2016 e que frequentavam a escola, 94,8% estudavam na rede pública de ensino.

Além da pobreza, as causas também podem estar relacionadas ao sistema educacional deficiente, assim como à péssima estrutura das escolas da rede pública que, muitas vezes, não oferecem o básico para que crianças e adolescentes possam conviver e aprender de forma digna, tornando a escola desinteressante aos alunos e promovendo elevadas taxas de repetência e evasão. Ainda, a estrutura familiar, a escolaridade dos pais ou mesmo o conjunto de valores e costumes da sociedade, também podem estar relacionados com a execução do trabalho de forma precoce.

Os efeitos desse cenário podem ser devastadores ao completo desenvolvimento de crianças e adolescentes, considerando que até os seis anos de idade do indivíduo, os alicerces das competências e habilidades emocionais e cognitivas futuras do adulto são estabelecidas, isto é, justamente a idade abordada na citada pesquisa, que observou indivíduos com idade acima de 5 anos. E mais, estudos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontam que a entrada precoce de indivíduos que se encontram ainda na infância, no mercado de trabalho, aliada aos poucos anos de escolarização, está diretamente relacionada com salários inferiores aos das demais pessoas na idade adulta.

Os riscos vão além do pleno desenvolvimento cognitivo e da perda da infância, já que podemos facilmente pensar, ainda, nos perigos de crianças manuseando aparelhagens muitas vezes incompatíveis com a sua própria estrutura física, bem como superiores a suas forças, gerando riscos iminentes a sua integridade física.

O trabalho infantil, além de muitas vezes repetir o ciclo da pobreza, prejudica a aprendizagem da criança, quando não a afasta totalmente da escola. Pode, ainda, expô-la a situações de vulnerabilidade, como violência, assédio sexual, esforços físicos intensos, acidentes com máquinas e animais no meio rural, além de várias outras que são inerentes às diversas formas de trabalho. Por isso a importância de se investir em educação de boa qualidade, na melhoria das estruturas das escolas, na tentativa de um dia contornar essa cruel realidade.

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