O desfile com crianças aptas para a adoção, realizado na noite desta terça-feira (21), em um shopping center em Cuiabá, gerou mal-estar entre internautas, com abertura de uma petição pública online com pedido de que as entidades envolvidas no evento se justifiquem.
A petição aberta hoje (22) por um usuário do Facebook já tinha quase 200 assinaturas de pessoas seis cidades – além de Cuiabá, Rio de Janeiro, São Paulo, Maringá, Ponta Grossa e Porto Alegre. E os comentários são sempre no tom de desrespeito a crianças e adolescentes órgãos que desfilaram.
“Expor essas crianças não é a solução ideal para aumentar o número de adoções, é só mais uma ação distorcida para que os organizadores tenham seus nomes vinculados numa ação (sic) esdrúxula para satisfazerem seus egos sem pensar em nenhum momento no psicológico dessas crianças”, comenta uma internauta.
Natália Menezes, uma signatária da petição que diz ser adotada, afirma que a ideia do desfile é de “mau gosto” e “irresponsável”, pois, ao invés de criar vínculo com potenciais pais adotivos, gera sofrimento pela frustração de não se encontrar.
“Sou adotada, e a forma com que fui adotada foi humana, respeitosa e nunca fui exposta da forma que essas crianças estão sendo. É de um mau gosto e de uma irresponsabilidade gigantesca esse tipo de ‘evento’, porque não passa disso, um evento para trazer ainda mais sofrimento para os não adotados. Não existe colocar corpos infantis ou de qualquer um que esteja em vulnerabilidade em passarelas e vitrines para, supostamente, mudar sua vida drasticamente”.
A repercussão levou a Defensoria Pública a divulgar uma nota de repúdio pelo evento, dizendo que as crianças foram expostas a “sérios prejuízos” emocionais e de “objetificação”.
“Corre-se o risco de que a maioria dessas crianças e adolescentes não seja adotada, o que pode gerar sérios sentimentos de frustração, prejuízos à autoestima e indeléveis impactos psicológicos. A grande exposição da imagem desses menores pode levar à objetificação e passar uma ideia de mercantilização, o que não se coaduna com os princípios norteadores da Constituição da República Federativa do Brasil (CF/88) e do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA)”.
O evento nomeado de “Adoção na Passarela” foi organizado pela Ampara (Associação Mato-Grossense de Pesquisa e Apoio à Adoção) e pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso). Esta foi a segunda edição do desfile, que além da parceria com a Ampara, tem acordo com empresas de roupas e calçados e do shopping center onde foi realizada.
No texto de divulgação, a presidente da CIJ (Comissão de Infância e Juventude) diz que na edição do ano passado, dois adolescentes, de 14 e 15 anos, foram adotados. Do desfile participaram crianças de 4 a 17 anos.
Em nota como representante das entidades que organizaram o evento a OAB-MT afirma que não houve intenção de expor as crianças a riscos e que nenhuma foi obrigada a participar do evento. As que decidiram pelo desfeito teriam sido acompanhadas pelos padrinhos de ação. "A OAB-MT e a Ampara repudiam qualquer tipo de distorção do evento associando-o a períodos sombrios de nossa história e reitera que em nenhum momento houve a exposição de crianças e adolescentes". Leia abaixo o texto na íntegra.
NOTA DE ESCLARECIMENTO
Diante da repercussão do evento “Adoção na Passarela”, realizado pela Associação Mato-grossense de Pesquisa e Apoio à Adoção (AMPARA) e pela Comissão de Infância e Juventude (CIJ) da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso (OAB-MT), as instituições vêm a público esclarecer que:
– Nunca foi o objetivo do evento – parte integrante de uma série de outros que compõem a “Semana da Adoção” – apresentar as crianças e adolescentes a famílias para a concretização da adoção. A ideia da ação visa promover a convivência social e mostrar a diversidade da construção familiar por meio da adoção com a participação das famílias adotivas;
– Nenhuma criança ou adolescente foi obrigado a participar do evento e todos eles expressaram aos organizadores alegria com a possibilidade de participarem de um momento como esse. A ação deu a eles a oportunidade de, em um mundo que os trata como se invisíveis fossem, poderem integrar uma convivência social, diretriz do Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária. Esse evento, inclusive, ocorre pela segunda vez;
– Crianças e adolescentes que desfilaram o fizeram na companhia de seus “padrinhos” ou com seus pais adotivos. A realização do evento ocorreu sob absoluta autorização judicial conferida pelas varas da Infância e Juventude de Cuiabá e Várzea Grande, bem como o apoio do Poder Judiciário.
– A OAB-MT e a Ampara repudiam qualquer tipo de distorção do evento associando-o a períodos sombrios de nossa história e reitera que em nenhum momento houve a exposição de crianças e adolescentes;
– Vale destacar que o desfile foi apenas uma das ações da “Semana da Adoção”. Ao longo dos dias do evento foram realizados também palestras, seminários e recreação para as crianças;
– A falta de interessados na chamada “adoção tardia” faz com que seja urgente a adoção de medidas como a Semana da Adoção, que tornam público esse problema social. Conforme o Relatório de Dados Estatísticos do Cadastro Nacional de Adoção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 8,7 mil crianças e adolescentes aguardam por uma família.
– Na edição anterior do evento, realizado em 2016, dois adolescentes, cujo perfil está fora dos parâmetros de preferência da fila de interessados, foram adotados graças ao trabalho realizado, que deu visibilidade à questão. A iniciativa tem sido tão exitosa na forma como aborda o problema que outros Estados realizaram eventos semelhantes, como “Esperando por você” (ES), “Adote um Pequeno Torcedor” (PE) e “Adote um Pequeno Campeão” (MG);
– Por fim, a Ampara e a OAB-MT, realizadoras do evento, agradecem a disposição de todos os demais órgãos e entidades apoiadores, dentre eles o Tribunal de Justiça de Mato Grosso e o Pantanal Shopping, por entenderem a grandeza de sua finalidade e abraçarem, de forma voluntária, a causa da adoção no Estado. Também conclamam a sociedade em geral para uma discussão séria e efetiva sobre o tema para que mais estratégias possam ser adotadas em prol do direito de possibilitar o acolhimento familiar a essas crianças e esses adolescentes.