O atual governo – e pelo que tudo indica, o próximo governo que já desponta – faz o que os seus antecessores já faziam: não demarca, não reconhece e não protege terras indígenas.
Em tempo de “confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada” faz bem alimentar a mente com saberes milenares e que se perpetuam, ainda que ressignificados aos dias de hoje. A narrativa mítica do povo indígena Nambiquara, localizado a Oeste de Mato Grosso, explica que o surgimento da agricultura ocorreu após a morte de um menino. Depois, partes de seu corpo transmutaram-se em plantas úteis e comestíveis e sua alma, na melodia da flauta entoada até hoje por homens durante os trabalhos agrícolas. A cabaça, que corresponde à cabeça do menino, é a “casa da memória”. Cuias e recipientes de cabaça guardam experiências vividas, aprendidas, apreendidas e reelaboradas a cada instante.
A cabaça também se faz presente na mitologia africana. Para o povo Yoruba, Nigéria, o universo é representado por uma grande cabaça formada pelo casal Obatala, a parte de cima da cabaça, e Odudua, a parte de baixo. Os dois são responsáveis pela criação de todas as coisas existentes no universo. O nome Odudua significa “a cabaça que jorrou a vida”.
A “cabaça-cabeça” e a “cabaça-universo”, reservatórios de memórias, permitem uma bricolagem de fatos capazes de formar um tecido histórico como se tivessem bebido da água fresca do lago de Mnemosyne, deusa da memória, e da seiva da eternidade fornecida por Clio, a História, como um antídoto ao esquecimento, ao legar o alfabeto aos homens. Brasil, África, Grécia: pessoas, espaços, tempos tão distintos. Tudo tão longe e tão próximo, em um “mundo misturado”.
Que o Ministério Público Federal tenha fôlego e traga resoluções satisfatórias aos processos pendentes de demarcação de terras indígenas, defendidos na Carta Magna.