Circuito Entrevista

‘É insano concluir a obra do VLT’

O candidato ao governo pelo Rede Sustentabilidade, Arthur Nogueira, tem histórico como membro da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e tira da experiência na corporação as diretrizes para sua proposta de gestão, com foco no servidor público e no enxugamento da máquina público a partir do Executivo como caminho para mitigar a crise financeira do Estado. Cobra acompanhamento de ações da prefeitura, para viabilizar a aplicação de multidisciplinariedade como estratégia de alinhamento da gestão pública; não tem receio de medidas impopulares e é incisivo ao comentar a situação das obras da Copa do Mundo de 2014. Ligado a partido político com viés verde, “mas não é nenhum PV”, tem a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva como candidata a presidente, entretanto defende o incentivo à exploração de terra de maneira sustentável, principalmente ao pequeno produtor.

Qual é a principal linha de sua proposta de gestão?

Primeiramente, uma reorganização administrativa voltada para o servidor público, que ele possa entender seu papel e participar do processo de servidor ao cidadão. Como o gestor vai falar em austeridade dos gastos? Austeridade começa dentro de casa e depois começar a trabalhar isso externamente, porque quem movimenta a máquina publica não é só o governador, mas também cada servidor que está na linha de frente no atendimento ao cidadão.

Quais são as áreas essenciais para começar a implantar a austeridade?

Temos três áreas essenciais que preocupam muito o cidadão: segurança pública, saúde e educação. Temos que conhecer a realidade. Está tudo bem na educação, as escolas estão com infraestrutura boa, os professores estão em condições, e aí não estou falando só de salário. Os professores estão se capacitando, com mestrado, especialização? A motivação do professor é capacitar para levar esse conhecimento para a sala de aula e ser um do topo. Quais as dificuldades na segurança pública? Temos que saber como trabalhar o policial militar, o civil, os bombeiros, o Detran, a Politec. É preciso verificar cada dificuldade, vivenciar. Quando não se vivencia, é muito fácil tomar decisão só do gabinete. Temos que trazer a equipe multidisciplinar para a resolução dos problemas.

E na saúde?

Quem sofre com a saúde é geralmente a pessoa que depende do SUS. É necessária uma integração da União, do Estado e do município. Temos sete hospitais regionais concentrados na BR-163, e regiões do Araguaia e de Juara, Juína que também não são assistidas por hospital regional. Também temos a questão da prefeitura, de aplicação de 25% do orçamento. A área de prevenção deve ser trabalhada para mitigar os trabalhos de baixa, média e alta complexidade, e se estão em atendimento precisam de centro de referência. Precisamos da regulação que ficou a cargo do Estado, mas ele passou para alguns municípios a exemplo de Cuiabá. A regulação começa no Samu e vai até para hospitais fora do Estado; se isso não funciona, se cria o processo de judicialização.

Qual é sua proposta iniciar a resolução dos problemas na saúde?

Justamente os centros de referência. Dá-se o pontapé para a média e a alta complexidade nos centros de regulação. Para ilustrar isso, segundo o Inca (Instituto Nacional de Combate ao Câncer), nos próximos anos 10.500 pessoas em Mato Grosso vão desenvolver algum tipo de câncer. Será o que Hospital do Câncer tem condições de atender essas pessoas? O Estado não contribui com o hospital, ele sobrevive de doações. Se se judicializa, o Estado é obrigado a pagar todo o tratamento de pacientes enviados para Barretos (SP). Cada prefeito precisa fazer a parte dele com os 25% para dar início ao processo básico.

Como resolver o problema do déficit do caixa do Estado?

O orçamento público precisa ser trabalhado com muita transparência. Temos os custos obrigatórios (folhas de pagamento, repasses para educação, saúde e outros poderes, por exemplo) e os de custeio (energia, combustível etc.). O que se tem que saber é quanto está sobrando para se aplicar em investimento; se não estiver sobrando, algo tem que ser feito em toda essa estrutura. Há que se fazer o corte.  Quando se traz o sistema o processo eletrônico para o Executivo, se diminuem os gastos com papel, contrato com os Correios e se dá celeridade ao cidadão porque as coisas andam na tecnologia. A começar pela governadoria, as despesas precisam ser muito bem pensadas.

Esse enxugamento começa a resolver o problema das dívidas públicas?

Quanto o Estado está devendo hoje não se sabe. Não números no Portal da Transparência. Só a AMM identificou que o governo deve, de repasse para a saúde, R$ 134 milhões – só dos 25% [do orçamento] que o governo tem que passar para a saúde. E qual é o montante para os fornecedores que passarão pelo decreto de parcelamento da dívida em 11 parcelas? E os duodécimos, as obras da Copa do Mundo de 2014? Dinheiro não brota, toda vez que se precisa arrecadar mais se aumenta a carga tributária. Vai tirar isso da indústria, do comércio? Esse é o grande problema do próximo gestor.

O senhor classificaria o governador Pedro Taques como mau gestor visto que ele reformulou o Fethab, estabeleceu o teto de gastos e recentemente criou o Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), e mesmo assim tem problema com caixa?

Atacar um gestor é a coisa mais fácil, mas há erros e há acertos. O fato é que há dívidas, atrasos de pagamento, mudança na data de pagamento dos servidores sem aviso prévio. Alterou-se o orçamento de 140 mil famílias. Eu gosto de ponderar e chamar o cidadão para a reflexão. Temos que acompanhar a aplicação de recursos pelas prefeituras, se estiver fazendo o correto, aí elas terão apoio do governo, que inclusive precisa passar em dia os repasses. É preciso enfrentar o problema. O grande desafio do próximo gestor será de ter pulso forte para lidar com a situação e não liberar recursos para novos investimentos até que o orçamento esteja equilibrado.

Isso não é impopular?

Impopular não quer dizer que seja desnecessário ou ilegal. Impopular é você dizer que vai resolver o problema da saúde, da segurança e educação, ficar empurrando com a barriga e a população continuar sofrendo. Isso precisa ser parado.

Passando para a economia, o governo se utiliza do argumento que acelerou a liberação de licença ambiental e vê nisso o desenvolvimento econômico. A exploração da terra é o caminho para Mato Grosso?

Principalmente para o pequeno produtor. Mato Grosso tem muita coisa que pode ser explorada aqui por pequenas famílias que sabem e gostam de cultivar. É preciso identificar as terras devolutas, fazer o Cadastro Único. Hoje, as pessoas fazendo o caminho inverso de 20 anos atrás, as pessoas vieram para a cidade e agora estão voltando para o campo. Então, é preciso dar capacitação para essas famílias para que elas possam produzir desde hortifrutigranjeiros, frutas e legumes, possibilitando, além da produção, o escoamento. A grande dificuldade do pequeno produtor é diferente do grande produtor. O grande produtor contrata aluguel de mil carretas e vai escoar. O pequeno produtor precisa todos os dias de seu carrinho para levar sua produção para a feira, para o mercadinho. Nós somos um Estado produtor que precisa olhar para todos.

O incentivo ao pequeno produtor inclui o incentivo fiscal?

A lei precisa ser cumprida. Existe uma lei regulamentada por um decreto que coloca as condições e os requisitos para que os empresários possam receber incentivo fiscal, e não é ad aeternum.  Dentre os requisitos está a ajuda ao desenvolvimento do Estado, geração de emprego e renda, tem até distribuição de lucros aos empregados. Atendem os requisitos, por quanto tempo? Hoje, existe quem tem incentivo fiscal com lucros há anos e continua tendo incentivo. Os fatores prioritários para o incentivo são aqueles de manufaturas de produtos primários. Os produtos primários saem do estudo a um preço baixo e quando voltam industrializados, os consumidores pagam preço alto. As indústrias precisam ser atraídas para cá. O investidor precisar visualizar que Mato Grosso é um Estado sério.

Como o senhor avalia a Lei Kandir?

Ela precisa ser revista, sim. Hoje nós a tratamos como pacto federativo. São 22 anos desde a criação pelo FHC (Fernando Henrique Cardoso). Naquela época era uma realizada, e ela precisa ser revista quase anualmente, hoje a realidade é outra. Mato Grosso representa uma parte muito grande da balança comercial. Há que se travar uma batalha no Congresso Nacional. Isso é muito difícil porque a bancada de Mato Grosso de Mato Grosso é bem inferior em número de deputados em relação ao Paraná, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, São Paulo. O interesse deles certamente não é diminuir o repasse para seus estados e aumentar para Mato Grosso, mas é um assunto que precisa ser debatido. É muito fácil para eles hoje, pois mandamos a riqueza para lá e quando volta ao invés de 30% (média da participação de Mato Grosso na balança nacional) é de 2%. Isso é um negócio da China.

Quais são suas propostas para a polêmica das obras da Copa?

Uma decisão é não se gastar mais nada com o VLT, devido à urgência que estamos vivendo. O Estado devendo para os hospitais, devendo para os poderes e com dificuldades para pagar a folha dos servidores. Nessa situação, se vai gastar mais 1 bilhão de reais? Vai se tirar dinheiro de onde não há e deixar a dívida para o próximo governante? Quatro anos se enrolou e não se falou nisso.

Sua proposta é abandonar o VLT?

Minha proposta é não gastar mais nenhum centavo. Mas há um processo. Qualquer um que entrar [para o governo] e dizer que vai ou não continuar a obra, primeiro terá que ter acesso a esse processo para saber o que se permite ao gestor do Executivo fazer. Mediante a análise de tudo que está nos autos, se pode dizer que fazer.

Com isso, não se incorre no risco de se passar mais um mandato, mais quatro anos, sem concluir as obras do VLT?

 Se depender da minha análise administrativa, como gestor, é insano concluir as obras do VLT, não tem que se falar em conclusão das obras do VLT. Primeiro, o Estado não tem dinheiro para terminar as obras, teria que buscar recurso para pagamento posterior, e não tem orçamento para pagar essa parcela. Segundo, não há condições do Estado subsidiar a passagem do VLT. Já existe relatório do TCU (Tribunal de Contas do Estado) que aponta que ela será mais de 6 reais, mais cara que a passagem do ônibus. Quem serão os beneficiados de um projeto que tirou tanto dinheiro de outras áreas? Agora, os COTs podem ser muito bem aproveitados. A universidade (UFMT) sempre foi uma boa formadora de atletas. Aquele centro da UFMT vai fomentar o atletismo.

Como o senhor vê a relação do Executivo com os outros poderes (Judiciário e Legislativo)?

A operação do Ministério Público (MPE) e do Gaeco (Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado) comprovou que havia sim a política do toma lá, dá cá, quando as imagens foram mostradas de vários deputados. Isso ficou claro, não é ninguém que está nos contando aquela situação, nós vimos, existiu. A outra situação é a população, principalmente os servidores públicos, que os detentores dos mandatos detêm esta ou aquela secretaria, esse ou aquele cargo é indicado por ele [gestor em mandato] e aquela pessoa vai lá para atender os interesses desse ou daquele deputado que o indicou. Se eu for o governador do Estado, essa relação será escancarada, não admitirei que o deputado pressione para aprovar projeto, exigindo que se nomeie esse ou aquele apadrinhado para que ele possa votar favorável aos projetos encaminhados pelo Executivo.

Qual é o modelo saudável?

Constitucionalmente, o papel do deputado é fiscalizar e legislar. Foi aprovada a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), ele precisa fiscalizar o Executivo e isso inclui todas as secretarias, se está sendo feito aquilo que realmente ele aprovou no plenário. Para isso, o deputado precisa ter conhecimento, e não votar somente porque o partido quer ou porque foi nomeado um apadrinhado.

Como a Rede Sustentabilidade pode administrar o Estado, considerando que ela precisa principalmente do Legislativo e está num arco de alianças com poucos partidos?

Independentemente de qual partido foi eleito para o Legislativo, ele foi eleito para fiscalizar o Estado. Eu vou cobrar isso, que ele faça seu papel, porque eu farei o meu enquanto executivo e não admitirei esse balcão de negócios. É possível derrubar esse balcão e depende-se da população para isso.

Redação

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