Opinião

Outra Vez

existem cometas que aparecem só de tempos em tempos aqui na parte terrena, como o cometa Halley. E Capucine foi um deles. Talvez demore mais de
76 pra passar outro assim. Lembro muito bem do dia em que a conheci. Era uma exposição coletiva n’A Casa do Parque, vi uma mulher perto dos 40, de
maquiagem forte, vestido longo vermelho, topete loiro gigante, nome esquisito e risada que fazia tremer os vidros da Casa. 
– Foi você que fez esses trenzinhos voando?
– S-s-s-im, fui eu.
– Adorei!!! Quero que você faça tudo que é coisa pra mim! Era ela. Desde o primeiro contato, ela coloca você no seu lugar. Vendeu tudo na primeira noite. Dizem que ela teve outras profissões antes de mergulhar no universo das artes plásticas, mas, pra mim, Capucine nasceu artista. Um furacão sem papas na língua, dente por dente, sangue por sangue, doa a quem doer. Sem a maestria de Irigaray ou Adir Sodré com os pincéis, Capucine foi mais longe que todos, vendeu mais que todos, expôs mais que todos, trabalhou mais que todos, foi mais notícia que todos, inovou mais que todos. Na Exposição 16 Conte Outra Vez, bateu todos os recordes de público, com
mais de 5 mil visitantes. – Negócio seguinte, Jão e Patrícia! Quero essa exposição para crianças! Os adultos que se fodam! Nessa parede aqui, um caminho de tijolos, igual ao do Mágico de Oz. Quero cadeira pequena, pra criança sentar, igual da Alice no País das Maravilhas. Quero som dos relógios do Peter Pan. Quero tudo mágico!
Mágicos e intensos eram os momentos perto dela. Quando surgiu, como todo artista pop que cai na boca do povo, foi discriminada. Nada que abalasse minha amiga. Capucine sempre defendeu a arte e os artistas, sempre fez questão de brigar publicamente por interesses comuns. Sua atuação no facebook era implacável. Aliás, foi por aí que vi que tinha algo errado. Na semana passada, havia mandado várias mensagens e ela não retornava. Até que meu celular toca.
– Que foi, Capu? Estamos brigados de novo?
Ela caiu na risada.
– Não, seu louco, não estou muito bem, estou toda inchada. Adorei meu nome sem meu sobrenome. Pode fazer o cartão. Vamos mudar o nome da galeria pra Capucine.
Sua língua enrolava um pouco. Me deu um frio na barriga. Foi a última vez que falei com ela. O câncer dilacera a pessoa e a todos ao lado dela. A cerimônia foi rápida e intensa. Como Capucine foi e queria. A cena do sobrinho de 11 anos abraçando desesperado o caixão da tia, antes do sepultamento, é o mesmo abraço que a arte dá, desesperada, na despedida de sua maior porta-voz. Outra vez estamos sozinhos. Estamos, literalmente, de luto. 

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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