Circuito Entrevista

‘Não mudei e vou brigar sem medo’

Pré-candidata a deputada federal, a advogada e pedagoga Serys Slhessarenko (PRB) tem 73 anos e construiu uma vida em torno do pioneirismo. Foi da primeira turma a formar mulheres advogadas em Mato Grosso. Também foi uma das fundadoras do Partido dos Trabalhadores no Estado e responsável direta pela ascensão e solidificação da sigla no Brasil todo. Conseguiu, ao longo da carreira política, quatro mandatos consecutivos: três de deputada estadual e um de senadora; a primeira e única mulher do Estado a conseguir o feito. Concorreu sem sucesso à prefeitura de Cuiabá em 1988 e 2000.  Ao Senado, aliás, chegou com votação recorde e derrotando dois ex-governadores de Mato Grosso: Carlos Bezerra e Dante Martins de Oliveira. Desde a entrada no PRB, no entanto, enfrenta reveses tanto na vida política quanto pessoal.

No mesmo 2010, concorreu a deputada federal e em 2014 novamente a prefeita de Cuiabá. Foi derrotada nas duas ocasiões e sofreu um acidente vascular cerebral um ano depois. Recuperadíssima, disputa novamente uma vaga no Congresso, agora, como deputada federal.  Principal autora do pacote de leis anticorrupção que geraram a lei da delação premiada, faz questão de reforçar suas convicções e lembra que jamais foi “absolvida de nada, porque nunca houve uma denúncia oferecida no Judiciário contra mim. Uma sequer”. Entrevistada da semana, enfrentou com lisura e educação as perguntas mais ácidas e incisivas.

Quando de nossa última entrevista, há exatamente um ano e dois meses, a senhora estava indecisa quanto a disputar nova eleição. O que mudou?

Serys – A procura, a vontade, a determinação, a busca e insistência do partido e também um clamor, eu diria, da população, por um “volta, Serys”. O taxista passa na rua por mim e diz “volta, Serys”. Outra pessoa passa e pergunta se eu sou a Serys, digo que sim e ele repete o mesmo. Eu passei a pensar, inclusive (risos), que esse deveria ser o slogan. É uma chamada da população.

Essa insistência do partido teve alguma coisa a ver com a cláusula de barreira?

Serys – [Interrompendo] É também a chamada principalmente daqueles que tiveram mandatos políticos na época em que eu era senadora e deputada, sim, e também do partido, porque com a cláusula de barreira todos os partidos precisam ter pelo menos um deputado federal em nove estados. O meu não corre esse risco, porque tem deputados em 12, 14 estados e não os vai perder, claro. Temos mais de 20 deputados federais. Mas é uma busca incessante e determinada pelo nosso presidente Marco Pereira, uma pessoa muito, muito estrategista, e a estratégia dele passa por eleger um número de federais muito significativo.

Existe uma maneira de recuperar a imagem dos políticos junto à população, que hoje vê todos como ladrões e corruptos?

Serys – Olha, essa é uma estrada de vaivém, um caminho de vaivém. Mas tem, claro. As pessoas dizem que honestidade e quem não é corrupto não estão escritos na testa, mas dá pra desconfiar, e as mídias sociais têm muitas informações. Agora, se você vir uma pessoa carregando uma mala de dinheiro, com o bolso do paletó furado, paletozinho, paletozão… É difícil! Hoje tem um aplicativo de puxa-capivara, é só puxar lá e ver quem tem processo, corrupção. Nem precisa estar julgado em segunda instância, se já há uma história genética de corrupção, vai esperar o quê? Eu não tenho nenhum processo por corrupção, jamais fui denunciada pela Procuradoria Geral da República. Procurem. Sem denúncia, sem processo, jamais fui absolvida porque jamais sequer fui denunciada. Também sou a autora da lei que gerou a atual lei da delação premiada. Uma lei mais ampla, que pega quadrilhas, das de colarinho branco até as do tráfico de drogas. É uma lei que tem tudo para passar o Brasil a limpo, dessa infâmia dessa corrupção, mas às vezes é aplicada com excesso, e aí ela se torna perigosa. Porém se estão aplicando com excesso o problema é de quem a aplica, não da lei, porque ninguém pode ser punido se não tiver prova. Ninguém. Mas se tiver prova, pego carregando mala de dinheiro e não acontece nada? Está errado, assim como punir quem quer que seja se não tiver prova.

A Lava Jato e outras operações mudam o que no modo de fazer política no Brasil?

Serys – Se corrupção chega, não dá mais. E tem de ser muito duro quando tiver provas. A lei da delação premiada exige provas concretas. Sem elas, não pode agir de forma arbitrária nem com excessos. Sou a autora da lei e a presidente Dilma, na época, sancionou a lei, que é correta para passar a limpo a corrupção, mas tem de ser aplicada dentro dos moldes constitucionais.

Quem é o candidato ao governo no seu grupo?

Serys – Fechou ontem (a entrevista foi concedida na segunda-feira) com Welington Fagundes.

Qual sua avaliação da gestão Pedro Taques, dos grampos e casos de corrupção na equipe?

Serys – Teve uma série de coisas que dificultaram muito o governo. Diria que com relação ao combate à corrupção, por mais que tenha havido esses problemas, que têm de ser apurados até as últimas consequências, seja grampo ou outras coisas que possam ter conotação de corrupção, apesar disso, eu diria que essa parte foi razoavelmente atacada. Teve problemas maiores relacionados à gestão, mas há outros complicadores, porque foi principalmente pela dificuldade de recursos. Mato Grosso é um estado extremamente poderoso, em termos de produção, de riquezas, de alimentação é o mais rico da nação, claro que não em industrialização, mas na produção de alimentos etc. e tal, é o maior produtor do Brasil. Grande, desenvolvido, rico em termos de produção, mas pobre em termos de distribuição de políticas públicas para quem precisa delas. Porque saúde, educação, moradia, geração de emprego, segurança, essas coisas todas, são questões importantíssimas para quem precisa das políticas públicas. Tem gente que não precisa, e que fique cada vez melhor, mas quem precisa quer e necessita de mudanças na base da organização do Estado.

Ele não deixou, como acusam setores da oposição, a corrupção correr solta?

Serys – Não. Acho que a corrupção ele atacou. Está bem diferente. Pelo menos é o que eu percebo. Tem problemas ainda? Tem. Está tudo aí, explícito, às vistas, na transparência. E tem que estar mesmo e tem que ser apurado e tem que ser punido. Agora há a questão da gestão, que passa, do meu ponto de vista, por competência gestacional, mas também por falta de recursos. Tem que haver mudança na estrutura da distribuição. É um estado eminentemente produtor de matéria-prima, e quando ela não agrega valor onde ela existe, ela exporta. E exportada como matéria-prima, seja carne, milho, soja, ela exporta junto imposto também. E se não fica imposto, o que vira? Um estado poderosíssimo em termos de produção, mas pobre em políticas públicas. Essas questões têm de ser revistas, com espírito de boa vontade, por gente que ama este estado e quer ver sua população bem. Porque tudo gira em desenvolvimento da sociedade como um todo. Desenvolvimento econômico sim, mas com sustentabilidade, porque só assim melhora a qualidade de vida de todo mundo.

Por qual motivo o governador do Estado sempre tem maioria na Assembleia em Mato Grosso?

Serys – Pois é. Eu não sei. Será que é um parlamento que é eleito já é devedor de alguns compromissos? Eu não sei te dizer quais as variáveis intervenientes para existir este retrato. Agora, acho que a maioria tem que ser formada, claro que passa muito pelos partidos de apoio ao governo, que se estabelecem, caso venham a se eleger, em geral são maioria entre os partidos que deram este apoio. Isso é mais ou menos normal que aconteça. Agora, precisa ser pessoas que não estejam aí para dar apoio ao governador X, Y ou Z. Eles têm que apoiar os interesses e necessidades da maioria da população, independentemente de qualquer outra coisa. Não estar preocupado em ser reeleito ou não ser reeleito. Tive 20 anos de mandato: três de deputada estadual e um de senadora. Sem nem um dia sem mandato. Terminava à meia-noite e começava de manhã com a nova posse. E não continuei depois, eu acho, talvez não fosse conseguir continuar (risos), mas sei que não consegui continuar porque meu partido de então não me deixou ser candidata, né?

Há mesmo como mudar algo, na medida em que parece que os poderes sobrevivem de maneira interdependente, no pior sentido?

Serys – É uma questão que temos que despertar, porque não é atender os interesses de quem chegou. É discutir, interagir. Os poderes têm que interagir. Todos eles. O Judiciário tem que ser extremamente técnico, o Executivo tem que ter uma posição reta, de não permissividade à corrupção e uma definição cada vez mais clara das políticas públicas de atendimento aos interesses da maioria da população. E aí há uma coisa que vem acontecendo de maneira cada vez mais forte: a concentração do dinheiro das arrecadações. Federal, depois vem pro estadual e de lá para os municípios. Mas há alguns anos se descentralizou as políticas públicas, vem daqui, dali e vai parar lá no município e tinha que ir mesmo, porque as pessoas não existem no espaço sideral, porque é no município em que as coisas estão acontecendo. É ali que as pessoas caminham e caem no buraco, é ali que os professores não são tratados e valorizados como merecem, é ali que as crianças estão estudando e falta merenda, é ali que as pessoas estão desempregadas, sem moradia e também é ali que as pessoas encontram o vereador e o prefeito. Sou essencialmente municipalista. As políticas têm que ser descentralizadas? Têm, mas, por favor, descentralizou a política pública, descentralizem também o dinheiro. Um monte de políticas públicas é descentralizado, mas cadê o dinheiro? O prefeito não tem casa da moeda municipal, não produz dinheiro, não é por aí a coisa. Assim, também tem que aumentar o índice de distribuição do FPM (Fundo de Participação dos Municípios).

A senhora sempre defendeu TCEs técnicos. Ainda acredita nisso?

Serys – Sim, e o TCU também (Tribunal de Contas da União). Eu sempre fui contra tribunais de contas da forma como são escolhidos. Sempre combati. Porque acaba tendo dois julgamentos políticos e só um técnico. Meu projeto de lei está parado, engavetado, mas quero fazer ressurgir. Não vamos nem pegar o TCU, que é a mesma coisa, vamos ficar no TCE. Pra lá vão pessoas indicadas politicamente. Vão pra lá trabalhar pelo interesse de alguém. Precisamos que os especialistas técnicos, os auditores, sejam suficientes pra analisar as contas e mandar pras assembleias legislativas e câmaras municipais. Hoje, o que se faz? Tem um grupo de técnicos, eles dão um parecer e isso vai pro conselheiro, que diz sim ou não. Pra que, se depois vai pra Assembleia Legislativa? Já houve um grupo técnico, agora que vá pro grupo político. Ele concorda ou discorda.

Agora que o TCE de Mato Grosso só tem concursados, essa convicção foi reforçada?

Serys – O TCE agora só tem concursados, mas foi por lei ou por acaso que isso aconteceu? Foi por acaso. Tem que ser lei. Hoje é tudo muito complicado e não precisa ser desse jeito. Agora, você veja, tantas pessoas foram conduzidas, e eu não sei se elas têm pecados capitais ou não, falando só em termos de exercício, do que eles faziam. Eu não sei, dizem que sim, mas pelo menos eu não estou vendo se ainda vai ter um resultado mais concreto, pra gente perceber. Mas agora não está indo bem só com os concursados? Espero que eles sejam muito preparados e que não deem pareceres políticos, mas puramente técnicos. E depois vá pra AL e as câmaras.

A senhora sempre foi uma deputada muito combativa (houve até o episódio de se vestir de preto, em luto pelo povo). Por que isso não acontece mais?

Serys – [Risos] Eu não sei. Eu era bastante contundente, vamos dizer assim. Aquilo em que eu acreditava, defendia às últimas consequências; e aquilo em que eu não acreditava e achava que era incorreto, também levava às últimas consequências. Sempre fui muito forte nessas convicções. O me vestir de preto era uma questão de eleição de uma mesa diretora, mas não lembro de quem, de nome, lembro que disputávamos a mesa e havia um outro grupo. Eu não era candidata, mas estava brigando, porque sempre brigo quando acho que está correto, seja pra mim, seja pros outros. Éramos eu, Wilson Santos (naquele tempo, do PDT) e um nome de Tangará da Serra, que foi prefeito de lá, o deputado Porfírio. Nós nos elegemos numa coligação PT-PDT.

Esse tipo de coligação, de viés progressivo, elegia não um, mas às vezes dois, três deputados. Sem apoio de nenhum grupo econômico forte. Por que é que não se consegue mais isso?

Serys – Deve ser por isso que não vem dando certo. Tem que defender interesses maiores, da sociedade. Por isso estou voltando, as pessoas estão pedindo muito por isso. Nos meus quatro mandatos, desempenhava meu trabalho a favor de causas, não era a favor de interesses de grupos, pequenos grupos que precisam de defesa de seus interesses. Não defendia interesses que fossem convenientes naquele momento, pra determinado grupo, era para o grupo de políticas públicas, que melhorasse não só a vida do grupo como de pessoas afins àqueles interesses. Nunca defendi interesses pessoais, nunca defendi interesses da minha família. Ser político não é profissão, ser político é ter um tempo de confiança que a população te dá. Você deve desempenhar essa confiança com garra, unhas e dentes e ser grato. Qual a forma que você, como eleito, agradece a população? Você não sabe quem te elegeu, foi uma parte da sociedade. Não interessa, não sei se foram aqueles três ou estes vinte, assim, parto do princípio de que, eleita, sou defensora das causas de todos. Claro que alguns com mais ênfase porque precisam mais, mas também existem causas maiores que precisamos entrar no Estado, no Senado, para o Brasil. E eu nunca estive alheia, apática.

Não foi uma mudança muito radical sair de fundadora do PT para o chamado partido da Igreja Universal?

Serys – [Firme, quase brava] Qual é o partido da Igreja Universal? A igreja tem partido?

Sim. O seu, o PRB. Pelo menos é o que o povo fala.

Serys – Não, não tem povo que chama não. Isso aí é gente que tem mania de disseminar. Em primeiro lugar, igreja não faz mal pra ninguém. Em segundo lugar, não é um partido de igreja, nunca foi. Ele foi formado nas suas iniciais de uma dissidência que eu nem sei de que partido foi. Duas pessoas resolveram formar esse partido: Marcelo Crivella, que é evangélico, e José Alencar, vice-presidente da República do governo Lula, católico apostólico romano. Se é de igreja, é de igreja evangélica e católica, então tem que parar com essa conversa. As pessoas também têm que saber que talvez algumas pessoas ajudaram muito ao coletar algumas assinaturas etc. e pegou essa questão, mas igreja é igreja e partido é partido. Conversei muito com Crivella, que é uma pessoa por quem tenho muito respeito, e com o presidente Marco Pereira, por quem tenho um respeito gigantesco, tem três anos que estou no partido, e sempre discutimos: partido é partido e igreja é igreja. Eu sou católica e estou lá, me dando muito bem, ninguém me priva de nada.

Como fazer para que as pessoas não associem uma coisa à outra?

Serys – Eu não faço nada. São minhas lutas que continuam as mesmas. Eu não mudei nada. Cada um que observe: não arredei em nada, nadinha. E isso foi colocado, discutido, antes de eu me filiar. Fui à bancada do PRB, “ah, porque só têm evangélicos (na época eram 24)”, mas cheguei lá e tinha nove federais evangélicos, 10 ou 11 católicos, tinha espírita, tinha do candomblé e dizem que tinha até ateu etc. e tal. E todo mundo se dando muito bem, porque estão lá para discutir política, e política do bem. Quem não concorda e tem algum problema de natureza ideológica está se posicionando contra ou a favor, certamente por ser convencido. O problema é ser convencido daquilo que é politicamente correto. Por exemplo, Russomano está lá, quer mais católico, apostólico, chegado do padre Marcelo Rossi, que o Russomano? E por que não dizem que ele está num partido de igreja? Porque não está. Agora, se igreja reforça com pessoas dela, problema. Que os outros reforcem também, está aberto pra isso. Sou católica e tenho o maior respeito do presidente nacional, Marco Pereira, e ninguém nunca me tolheu em nada. Em nada.

Redação

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