Política

Poder econômico também comanda representação política em MT

Neste ano, os candidatos terão R$ 2,6 bilhões à disposição para gastos em campanha, uma quantia considerada estratosférica por especialistas, mesmo com o tempo oficial de campanha reduzido pela metade. O montante é composto pelo Fundo Partidário, criado em 1965 pela Lei Orgânica dos Partidos Políticos (LOPP), mais o Fundo Especial de Financiamento, que entra em vigor neste ano. Uma vez mais, será uma eleição para quem tem dinheiro, em que dificilmente será eleito um candidato que não esteja ligado a algum grupo de alto poder econômico.

A maneira como a maior parte da população não consegue eleger representantes de suas demandas para além das câmaras municipais, onde um ou outro vereador é eleito por um grupo específico dentro de um bairro, mas nunca representa a comunidade inteira ou sequer a maioria daquele lugar, é um dos nós-górdios a impedir a ansiada renovação do modo de fazer política no país. Isso é o que apurou a reportagem do Circuito Mato Grosso em entrevistas com um juiz, um professor e cientista político e pré-candidatos nas eleições 2018.

Todos admitem ou explicam ser virtualmente impossível eleger alguém sem uma soma considerável de recursos que em todas as eleições excede o que é declarado à justiça. O outro gargalo é como fazer para que esse cenário mude.

Para quem e aonde vai todo esse dinheiro? A distribuição, explica a Justiça Eleitoral, é feita dentre todos os partidos registrados no país, em proporções diferentes, conforme a participação de cada sigla nas casas legislativas. As siglas com mais eleitos em mandato recebem fatia maior, em tese, por causa da representatividade de eleitores deles na gestão pública.

Assim, 2% dos citados R$ 2,6 bilhões são distribuídos para todos os 35 partidos registrados na Justiça Eleitoral; outros 35% dentre os partidos com ao menos um representante na Câmara Federal.

E aqui aparece outro mecanismo de manutenção desse status quo: 48%, a maior fatia é distribuída proporcionalmente pela quantidade de eleitos na Câmara dos Deputados, obedecendo ao critério de titularidade.

Neste ano, o PT, com 68 deputados em mandato, receberá a maior fatia; o MDB, antigo PMDB, vem logo em seguida, com 65 representantes; o PSDB tem 54; o PP, 38. O PSD fecha o ranking das cinco legendas com mais políticos na Câmara, num total de 36. No fim da tabela, aparecem PSDC (2), PTC (2), PT do B (2) e PSL e PRTB com apenas um representante cada.

Os partidos pequenos, com menos políticos de carreira, recebem muito menos dinheiro público na comparação com os grandes, recheados de nomes que vivem no e do Congresso e nas e das assembleias legislativas há no mínimo 30 anos. Há pouca ou nenhuma renovação e o número de representantes femininas, de negros e índios, pobres ou não, é ínfimo.

Dos R$ 2,6 bilhões de dinheiro público gasto nas eleições 2018, todos os 15% restantes desse bolo gigantesco serão distribuídos somente entre os partidos com representantes no Senado.

O MDB leva vantagem nessa contagem por sua maior representação, constituída por 18 membros. O PSDB vem em segundo, com 12; PT (9); PP (6); DEM (5); PSD (5); Podemos (5); PR (4); PSB (4); PR (4); PDT (3); PRB (2); PCdoB, PTB, PTC, PV e Rede têm um representante cada.    

A transparência da circulação do dinheiro começa a turvar neste ponto. Ex-membro do pleno do TRE e especialista em propaganda eleitoral explica que a Justiça Eleitoral não consegue rastrear a distribuição dos recursos dentro dos partidos.

“A distribuição desses valores dentro do partido é uma questão interna corporis. Digamos que um partido tenha 2 milhões de reais e acha que algum candidato mereça ter 1 milhão e a outra metade seja dividida entre os demais candidatos – nós não temos como decidir como este bolo deverá ser repartido, mas conseguimos saber o que foi distribuído para cada um”, explica o juiz Lídio Modesto da Silva, ex-membro do TRE, especialista no assunto e autor do livro Propaganda Eleitoral.

O sistema de fiscalização utilizado até aqui tinha baixa eficácia no rastreamento do dinheiro gasto pelos candidatos, tanto que gerou, entre os acompanhantes do sistema de regras eleitorais, a pecha de “prestação de faz de conta”.

Não era raro que essas prestações de contas feitas pelos candidatos estivessem com dados furados ou maquiados e alguns nem mesmo viam necessidade de informar à Justiça Eleitoral quanto haviam torrado em suas campanhas. Somente neste ano, o método ficará mais rígido e se conseguirá saber com mais proximidade da realidade o que realmente acontece dentro de comitês eleitorais.

“A Justiça conseguirá rastrear se o dinheiro que foi gasto por determinado candidato foi realmente o que ele recebeu. Antes, nós tínhamos somente uma estimativa do que era gasto, hoje vamos ter o real do que foi tramitado”.

Além de aumentar a fiscalização individual de cada candidato, a Justiça Eleitoral trabalha em cruzamento de dados da movimentação financeira tanto dos doadores quanto do que é registrado pelo candidato junto aos tribunais eleitorais com a colaboração da Receita Federal e dos bancos.

Lídio Modesto da Silva explica que a Justiça não consegue informar a estimativa de gastos de campanha porque todas as contas foram feitas em outro âmbito da gestão pública. Além disso, a definição do Fundo Especial de R$ 1,6 bilhão foi decidida na montagem da lei na Câmara Federal, mas avalia-se que a quantia é bem superior ao necessário para a realização de uma campanha politicamente apropriada.

“Nós não podemos estimar efetivamente o gasto de campanha porque nós temos somente gasto disposto em lei. Existe o sistema de prestação de contas, existe o sistema de limitação de gastos e as ferramentas de uso social [aplicativos de denúncia], mas não temos como saber o que corre por fora. Temos um combate quanto a isso e vamos tentar impedir que ocorra”, admite.

Busca por limites

A redução do tempo de campanha de 90 para 45 dias pretende reduzir os gastos, mas outra mudança ao longo dos últimos anos também influencia no caixa de comitês e candidatos. Ferramentas de propaganda e publicidade eleitorais foram barradas pela Justiça. A começar pela quantidade ilimitada de militantes contratados para expor bandeiras, bandeirolas e placas com a imagem e o nome dos candidatos.

Conforme Lídio Modesto, ferramentas como showmício, bonecos, cavaletes, outdoors, faixas, envelopamento de veículo, telemarketing, trio elétrico e pintura de muros de residências ou comércios são itens que vêm sendo barrados ao longo das últimas eleições por poluição visual do espaço público e pelo peso que representavam no resultado das eleições.

Vale lembrar que no folclore político de Mato Grosso há histórias e mais histórias de eleições decididas na apresentação de cantores e artistas em alta nos períodos eleitorais. “Hoje, o candidato pode reunir o pessoal para conversar, apresentar suas ideias, mas com a proibição de qualquer benefício ao eleitor (por exemplo, serviço de buffett, distribuição de canetas, chaveiros, camisetas etc.)”.

O controle de participação de candidatos em eventos públicos é estendido até às situações mais veladas, como apresentações em templos evangélicos. O convite a um candidato deverá ser feito também a outros, para impedir o favorecimento de algum. “Se isso não for feito, caracteriza-se abuso de poder religioso”.

Aos candidatos está permitido distribuir santinhos, folders, comprar espaço na imprensa, pagar impulsionamento de posts em redes sociais, colocar no ar blogs, sites e páginas para debates e promover caminhadas ou passeatas com regras de horário e de locais. O horário eleitoral gratuito terá 35 dias, a partir de 31 deste mês.

O impacto nos gastos de campanha da mudança ainda não foi estimado, mas o discurso de políticos que é o processo eleitoral no país passa por mudanças, com convergência para a habilidade do político. Neste ano, os candidatos ao governo em Mato Grosso têm se recusado a dar entrevistas antes do período oficial, apreensivos com a atuação da justiça. A informação repassada pelos partidos aos seus representantes é que eventuais multas vão ser quitadas com dinheiro vindo dos próprios bolsos destes.

 Voto do brasileiro é motivado por interesse individual, lembra cientista político

O poder econômico é tão determinante na escolha dos representantes eletivos do país porque a noção de coletividade é ainda muito incipiente no brasileiro. Apesar de o voto de cada um ser um ato de efeito coletivo, cuja representatividade deveria residir na vontade de grupo, ao fim e ao cabo, é feita de maneira egoísta, baseada no interesse individual por grande parte do eleitorado, explica o cientista político João Edisom.

“Eleição está ligada aos fatores classistas, sindicatos, representantes de categorias. Tem que haver uma causa. Acontece que nesse quesito o Brasil é muito fracionado, tem em torno de 15 mil sindicatos, por exemplo. Se compararmos com outros países com a mesma população que a nossa, há 50, no máximo 60 sindicatos. Isso evidencia esse fracionamento e faz com que o poder econômico se sobreponha aos fatores sociais. Por isso pessoas de grande poder aquisitivo ou ligadas a ele sempre levam vantagem nas eleições”.

Ao longo dos tempos, criou-se uma casta elevada habitada por políticos vindos das classes altas que enriquecem ainda mais na política, mas a responsabilidade por isso é a estrutura por demais fragmentada do país.

“Infelizmente, as campanhas eleitorais sempre sofreram muita influência do poder econômico e acaba que isso restringe a representação que a população tem. As candidaturas mais vinculadas à população trabalhadora acabam tendo muita dificuldade para poder alcançar o conjunto da população e apresentar propostas, programa, pautas e bandeiras de luta”, comenta o médico e pré-candidato a deputado estadual Lúdio Cabral (PT).

O brasileiro, por si só, é bastante egoísta. Sempre há uma causa individual muito maior do que quaisquer causas sociais. Dificilmente se encontra alguém que representa alguma coisa ou mais alguém, sempre representa a si mesmo. Esse preço é pago na hora da eleição. Isso também faz com que o eleitor tenha sempre algum interesse individual na hora de decidir em quem votar.

“Vota sempre pra melhorar a vida dele, não a vida da cidade, de uma categoria ou mesmo o segmento. Vota de forma individual e favorece muito mais os que já detêm o poder econômico, em ironia, do que a si mesmo”, lembra João Edisom.

Os políticos descobriram isso há muito tempo. E reproduzem o ato, ainda que de maneira mais “coletiva” que os demais brasileiros, pois estão sempre com um grupo sim. Dele, formado por ele a partir da família dele e agregados, com alguns pingados fora dali, algo muito pequeno.

Isso também faz as eleições serem muito caras, pois no fim das contas ninguém tem um nome em mente quando chega o tempo das eleições, o nome tem de ser levado ao conhecimento público, tem de ser apresentado ao maior número de pessoas em pouquíssimo tempo. E fazer isso custa muito caro.

“Como uma candidatura pode chegar aos eleitores? Precisa de recursos de locomoção, cabos eleitorais, espaço na mídia, e tudo isso custa muito caro. Como a Justiça Eleitoral está batendo em cima, quem tem grana acaba subvertendo essa lógica contratando verdadeiros exércitos de pessoas para fazer a campanha. É muito difícil lutar contra o poder econômico. Temos uma política totalmente financiada por empresários, mais de 70% dos que conseguiram se eleger no Congresso Nacional, por exemplo, são pessoas que receberam financiamento de empresas”, considera a professora Edna Sampaio.

Trabalhadores, maioria da população do país, não reconhecem nem conseguem enxergar nos candidatos uma identidade de classe, porque os que conseguem chegar à maioria da população são aqueles que têm recursos.

E há a cultura política vigente dentro e fora das instituições de que quem sabe resolver os problemas coletivos, dos estados e gente que tem inteligência para estar nos espaços de poder são os ricos e majoritariamente brancos. Pretos e pobres são percebidos como pessoas que não estão nesses espaços simplesmente porque não têm competência, capacidade, para estar lá. “O dinheiro compra até a imagem que as pessoas fazem dos agentes políticos”, lamenta a professora da UFMT.

Revés da Justiça Eleitoral muda perfil da campanha

As decisões da Justiça Eleitoral que seguirão até o dia 20 de agosto devem influenciar no panorama das eleições 2018. Um dos primeiros a sentir o peso do martelo do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) foi o senador José Medeiros (Podemos), que ocupa a vaga deixada pelo atual governador de Mato Grosso, Pedro Taques.

Por unanimidade – 7 votos a 0 –, o TRE cassou, na noite de terça-feira (31), o mandato do senador.

O policial rodoviário José Medeiros demonstrou indignação com a decisão que tirou-lhe o mandato, mas reafirma que vai seguir em busca de uma candidatura futura.

Em quase dois minutos de gravação de um vídeo divulgado em suas redes sociais, Medeiros contesta os pontos que levaram à decisão do juiz Ulisses Rabaneda e de outros quatro colegas de TRE. Ele chega a ironizar e encontra conexões entre o fato de as convenções de seu partido estarem marcadas para sábado (4) e o bater do martelo que tirou sua cadeira no Senado.

"Olha a coincidência. Primeiro fecharam-se todas as portas para que o senador José Medeiros pudesse registrar candidatura. Perceberam que, mesmo assim, o senador José Medeiros sairia candidato, então vamos fazer o povo pensar que ele é bandido", afirma.

"Eu nunca vi essa ata. Nunca passei perto dela. Isso é uma conversa fiada, uma mentira deslavada", diz, logo no começo do vídeo repassado por sua assessoria de comunicação.

A decisão foi resultado de uma ação que contestava a diplomação de Medeiros como senador em razão de uma suposta fraude na ata  que da convenção que definiu os candidatos da chapa ao Senado em 2010. A chapa tinha Taques como candidato e Medeiros e Fiúza como primeiro e segundo suplentes. A suspeita é de que houve assinaturas falsas na ata modificada. Segundo o TRE, a decisão deverá ter efeito imediato e pode também tornar Medeiros inelegível. 

 A investigação no TRE-MT foi extinta em novembro de 2014, mas o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reabriu o processo em 2016.

Descrença da população favorece perpetuação de nomes

Além de todos os problemas trazidos pela não renovação dos representantes e da ausência de pautas voltadas ao bem-estar social da maior parte da população, a necessidade de estar atrelado a uma fonte de grandes volumes de recursos traz experiências e lembranças ruins para os políticos de histórico de vida mais popular.

“Fui vereador por dois mandatos com campanhas muito modestas, praticamente sem recursos, e consegui vencer duas eleições”, lembra o agora pré-candidato a deputado estadual Lúdio Cabral (PT).  Acontece que quanto mais alto é o cargo, mais dinheiro é necessário para se eleger.

Em termos simples: é muito mais caro eleger um deputado do que um vereador e quase o dobro eleger um federal, que por sua vez é mais barato que eleger um senador e se torna mais caro que todos esses se o assunto for eleger um governador – numa escala exponencial de dinheiro até chegar ao ápice, representado pela Presidência da República.

A influência do poder econômico foi muito forte, por exemplo, na eleição passada. Especialmente na disputa do governo do Estado, da qual o próprio Lúdio participou e tem péssimas lembranças para além da derrota.

“Perdemos pelo peso do poder econômico, sem dúvida. Não faltavam recursos na minha campanha, mas eles tinham excesso de recursos”, lembra. “Mas tenho uma autocrítica que construí tendo como base as campanhas majoritárias que disputei, para prefeito e depois governador. Foram campanhas que começaram muito modestas, dentro do nosso modelo coletivo, participativo, mas em algum momento, em função das alianças, acabamos por conviver, em parte da campanha, com um modelo que adota formas de fazer campanha com práticas com as quais não concordamos”, faz o mea culpa.

Os exemplos visíveis dessas más práticas são o grande número de cabos eleitorais, a chuva de santinhos e placas que sujavam a cidade, o barulho constante trazido pela poluição sonora dos carros de som e trios elétricos.  “Isso, além do custo alto, massifica sim as campanhas, mas cria uma disparidade com quem não tem recurso para fazer”, reconhece.

Pra piorar, todos se lembram da experiência recente de ódio vivo ao Partido dos Trabalhadores por causa da série de escândalos em torno das alianças e das várias denúncias de desvios de conduta e dinheiro. Ódio esse depois estendido a qualquer pessoa com discurso mais progressista e uma crise na militância de esquerda.

 

 

Redação

About Author

Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

Você também pode se interessar

Política

Lista de 164 entidades impedidas de assinar convênios com o governo

Incluídas no Cadastro de Entidades Privadas sem Fins Lucrativos Impedidas (Cepim), elas estão proibidas de assinar novos convênios ou termos
Política

PSDB gasta R$ 250 mil em sistema para votação

O esquema –com dados criptografados, senhas de segurança e núcleos de apoio técnico com 12 agentes espalhados pelas quatro regiões