Os gastos com pagamento de pessoal e encargos pessoais representam o maior peso no orçamento de Mato Grosso. Segundo o Tribunal de Contas do Estado (TCE), em 2017, o governador Pedro Taques chegou a ultrapassar o limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF, ou LC 101/2002), sobre o uso da Receita Corrente Líquida do Estado com esses gastos.
Segundo o parecer assinado pelo conselheiro relator, o interino João Batista de Camargo, o custo com Pessoal e Encargos Sociais da gestão de Pedro Taques de 2017 representou 64,67% do orçamento estadual, alcançando o volume de R$ 11.762.024.011,73. No cálculo do resultado orçamentário efetuado, constatou-se a ocorrência de um déficit orçamentário no valor de R$ 1,632 bilhão, grande parte deste déficit está diretamente ligado aos gastos excessivos com despesas pessoais e repasses aos poderes.
A situação faz Mato Grosso, há mais de cinco anos, estar entre os 16 estados que vivem no chamado “limite de alerta”. Isso significa uma proximidade de quase 10% com os limites legais da LRF. Caso a Lei de Responsabilidade Fiscal (que completou 18 anos recentemente) fosse levada a sério pelo poder público, esse gasto excessivo poderia levar o atual governador inclusive a perder o mandato. Embora até hoje não exista nenhum caso desse tipo registrado no país.
O TCE chegou a apontar as irregularidades com gastos da folha de pagamento e repasses por parte do governador Pedro Taques. Durante divulgação do parecer das contas públicas de 2017, o conselheiro relator, o interino João Batista Camargo, considerou o gasto com pessoal "explosivo".
“O crescimento das despesas com pessoal nos últimos anos, senhores conselheiros, é explosivo. Nós vimos os números e, disparado, Mato Grosso é o Estado com maior crescimento real com despesas de pessoal”, disse no dia 19 de junho, à época da divulgação do parecer. Uma das indicações do parecer do TCE é que o governo efetue cortes na folha de pagamento do Estado.
Camargo chegou a fazer apontamentos que poderiam resultar na diminuição do gasto: a demissão de 20% dos comissionados e a exoneração dos servidores concursados não estáveis. Mas o governador Pedro Taques negou que irá tomar esse tipo de medida.
O TCE apontou que no exercício de 2017 a despesa total com pessoal do Estado de Mato Grosso foi de R$ 7.959.480.238,45, correspondendo a 59,44% do total da Receita Corrente Líquida.
A reportagem do Circuito Mato Grosso foi checar de perto o universo dos salários em Mato Grosso. Uma das causas nesse inchaço de custos, apontado inclusive pelo próprio TCE, é o aumento, desde 2010, de salários superiores a R$ 8 mil. A dupla contratação é outro problema permitido por lei, mas que infla a máquina pública.
As aposentadorias representam um terceiro grave problema. O pagamento de aposentadorias vitalícias a ex-governadores e deputados é um dos gastos mais questionáveis do Estado. Ex-governador de Mato Grosso entre 1966 e 1971, João Pedrossian (falecido em 2017) é um dos exemplos dessa situação, muitas vezes injusta, com o cidadão mato-grossense que sustenta essa gastança.
O detalhe dos abusos com esse tipo de remuneração não é apenas referente ao questionamento do pagamento da aposentadoria ao ex-governador. No caso, além de uma aposentadoria muito superior ao tempo de contribuição na função, Pedrossian recebeu por mais de duas décadas dupla remuneração pela mesma função, ou seja, uma aposentadoria paga pelo Estado de Mato Grosso e outra paga por Mato Grosso do Sul, pois teria sido governador de ambos os estados antes da divisão em 1976.
Segundo uma estimativa da reportagem, somente a aposentadoria paga a esse ex-governador pode ter custado algo como R$ 7 milhões aos cofres públicos. Se somada ao pagamento de outros governadores nos últimos anos, seria possível inclusive equipar o novo Pronto-Socorro Municipal, que segue fechado por falta de repasses básicos como R$ 30 milhões que faltam para equipar o prédio já construído há anos.
Apesar de já receber por Mato Grosso do Sul, o ex-governador voltou a pedir pensão por Mato Grosso. Uma ação tramita no Tribunal de Justiça de Mato Grosso e o benefício duplo poderá voltar a ser pago à viúva de Pedrossian.
Em maio o desembargador Márcio Vidal determinou que a Secretaria de Estado de Gestão (Seges) analise, em até 30 dias, o processo em que a viúva do ex-governador Pedro Pedrossian, Maria Aparecida Pedrossian, pede para receber a pensão especial que seu marido ganhava em vida. A última movimentação do requerimento ocorreu no dia 14 de novembro de 2017.
Os altos repasses aos outros poderes é outra questão que possibilita a continuidade dos supersalários. Segundo a prestação das contas de Mato Grosso, o pagamento para o Judiciário e o próprio Tribunal de Contas em 2017 representou 11% por cento do orçamento estadual.
“Essa é uma das questões da administração do Pedro Taques, ele aumentou muito o repasse aos poderes. Isso possibilitou que muitas obras não muito necessárias fossem executadas dentro desses órgãos, enquanto faltam recursos para áreas fundamentais”, afirmou o ex-deputado federal e atual secretário do Democratas (DEM) Júlio José de Campos.
Em 2017 esses repasses somados totalizaram R$ 1.999.796.278,18, muito mais do que o déficit orçamentário que foi de R$ 1,632 bilhão, por exemplo. “É muito dinheiro, esses repasses não poderiam ultrapassar 7% do orçamento do Estado”, afirmou Júlio Campos. Caso sejam somados os chamados gastos essenciais à Justiça, com valor de R$ 509.024.242,44 (2,80%), a média desses repasses sobe para 13,8%.
Não é de se espantar que frente a tamanha generosidade estatal, a gastança com salários nesses órgãos também seja alta. Oura prática comum é a dupla contratação e recontratação de servidores que já recebem de outros órgãos.
No TCE, por exemplo, existem funcionários duplamente contratados de outros órgãos. Um exemplo são servidores como Estela Biancardini, que além de aposentadoria de R$ 35 mil, ainda é recontratada por um salário de R$ 11.900,00 segundo o Portal Transparência.
Na Assembleia Legislativa a aposentadoria dos deputados também pesa no bolso do Estado. Um dos aposentados do órgão, por exemplo, é o atual prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro (MDB) que desde os 48 anos recebe aposentadoria como deputado estadual, valor que acumula com o seu salário de prefeito.
A lei que criou o Fundo de Assistência Parlamentar (FAP) e que possibilita os deputados esse tipo de aposentadoria surgiu para proteger parlamentares da ditadura militar. O grande problema é que após o fim do regime militar (1985) demorou dez anos para o benefício ser revisto.
Hoje o FAP está extinto pela Assembleia, mas o detalhe é que mesmo após a morte a esposa e depois os filhos passam a receber esse valor, que se trata de uma previdência vitalícia e hereditária.
O valor dessa pensão é calculado com base nos anos em que os parlamentares contribuíram. Mas nada que altere muito o custo total ao Estado. Alguns, por exemplo, recebem 75% do salário atual fixado em R$ 24 mil e a grande maioria 100% desse montante.
Extinto em 1995, o FAP foi “ressuscitado” diversas vezes pelos próprios deputados. A última foi na 16ª legislatura (2007-2011), manobra que acabou sendo vetada pelo governador Silval Barbosa (PMDB).
Assim, deixaram de ter direito a pensão: Chica Nunes, Maksuês Leite, Adalto de Freitas (o Daltinho), Vilma Moreira, Ságuas Moraes e Alexandre Cesar.
Hoje, mais de 100 ex-parlamentares, dependentes e pensionistas têm direito a pensão vitalícia da ALMT, que consome mais quase R$ 1 milhão do duodécimo da Casa Legislativa.
Entre os políticos em exercício, além do atual prefeito de Cuiabá, também recebem o benefício do FAP, os deputados estaduais Pedro Satélite (PSD) e Gilmar Fabris (PSD). Ambos recebem o benefício mais o salário como parlamentares, além da verba de gabinete, o que somado chega a mais de R$ 100 mil por mês.
Governo justifica que não extrapolou LRF
Para o secretário de Estado de Fazenda, Rogério Gallo, no entanto, a “extrapolação” do limite seria relativa à base de cálculo utilizado e não a gastos excessivos “reais”. Para reduzir o valor total, em 2015, o governo entrou com pedido para que se retirasse do cálculo os valores com imposto de renda.
Segundo o secretário, o preocupante seria a forma de cálculo do TCE. “Se fizer isso, o nosso gasto passará a 52%, que é acima dos 49% que são previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal, e, consequentemente, temos sanções a serem aplicadas na área de pessoal”, complementou. O secretário defendeu que a Corte não reavalie a medida. “Se adotarmos o entendimento anterior, nosso índice ficaria algo em torno de 47% ou 48%, portanto abaixo dos 49%”, afirma.
Apesar do apelo do governo, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) não compactuou com o entendimento. Assim, as contribuições tendem a voltar a serem consideradas e os números do parecer do TCE pesarão contra Pedro Taques.
“Se fizer isso, o nosso gasto passará acima do previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal, e, consequentemente, temos sanções a serem aplicadas na área de pessoal”, ponderou Gallo.
Atualmente, a questão quanto ao limite permitido de comprometimento dos recursos para despesa com pessoal resultou em um entrave na Corte de Contas, que suspendeu o pagamento da Revisão Geral Anual (RGA) dos servidores, cuja última parcela seria paga em setembro deste ano. O governo chegou a recorrer, mas teve o pedido negado no Tribunal de Contas.
Outra justificativa do governo é que o aumento de gastos com pessoal é culpa das gestões passadas. “O conselheiro já fez um apontamento dizendo que os gastos de pessoal decorrentes de aumentos reais, dados no passado, e também da RGA, fizeram com que a massa salarial de Mato Grosso tivesse o maior crescimento em todos os entes da federação. Então isso implica, de fato, numa preocupação que, num ponto de vista da política fiscal e do equilíbrio, cresceu mais do que a receita”, avaliou o secretário Rogério Gallo.
Lei antiga garante privilégios a políticos
A prerrogativa de legislação previdenciária particular para agentes políticos é o motivo para a discrepância no pagamento de benefícios a ex-ocupantes de cargos do alto escalão estatal. Hoje, cada Estado possui leis próprias para a regulação de contribuição, sem restrição a múltiplos pagamentos a uma mesma pessoa. Eles conseguem acumular recebimentos em diferentes tipos de rubrica.
A supervisora de Controle Externo de Contas do Tribunal de Contas (Secex), Áurea Maria Abranches Soares, diz que os regimes próprios de compensação de trabalho a agentes políticos não se encaixam na regra geral de contribuição previdenciária regulada pela legislação brasileira, o que impossibilita os mesmos critérios da Previdência Social a ex-governadores, vices, que exerçam o cargo titular mesmo que somente por alguns meses.
“Não podemos nem chamar de previdência o pagamento do benefício porque não está regulado pela lei geral de contribuição. Ele tem regras próprias que precisam ser sim passar por auditoria. E isso não acontece só em Mato Grosso, cada Estado tem regimes próprios regulando esses benefícios para políticos”.
Foi essa brecha que possibilitou, por exemplo, o ex-governador Pedro Pedrossian receber salários de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, onde exerceu os cargos por mais de 20 anos. O salário vitalício foi suspenso em 2015 pelo Tribunal de Justiça, a decisão alcançou também outros ex-governadores a partir de novembro de 2014, mas foi revista pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em setembro de 2016.
O secretário da Secex Francis Bortoluzzi afirma que a regra de acúmulo de aposentadorias é válida somente para cargos exercidos em áreas técnico-científicas e da saúde, valendo para ocupação da mesma função. Por exemplo, o professor ou o médico que trabalhe em mais de uma instituição podem receber mais de uma aposentadoria se tiver na posição de efetivo.
“O pagamento que é feito hoje a políticos, governadores, por exemplo, está submetido a leis antigas e não dá para mexer. Isso só vai mudar se a lei for alterada”, explica Bortoluzzi.
O artigo 38 da Constituição Federal serve de base para a formulação de regras estaduais. No mesmo texto se estabelecem medidas para a ocupação de cargos públicos eletivos, o que é garantido aos eleitos em nível municipal, estadual, federal e distrital que “para efeito previdenciário, no caso de afastamento, os valores serão determinados como se no exercício estivesse”.
A mudança poderia ser incluída no projeto de reforma previdenciária que ocupou o debate público no ano passado. Mas as alterações são de pouco efeito.
Estado gasta R$ 3 milhões por ano com 18 ex-governadores
O Estado de Mato Grosso gasta atualmente mais de R$ 3 milhões com salários a ex-governadores. A lista está composta por 18 nomes e a partir de 2019 pode aumentar em mais um. A mais antiga começou a ser paga em 1979 a Frederico Carlos Soares de Campos que também recebe o maior valor no momento, conforme tabela do TCE (Tribunal de Contas do Estado).
Frederico Campos recebe, em média, R$ 26,5 mil por mês, acumulando R$ 292.486 na média anual. Ele governou Mato Grosso de 1979 a 1983 e antes disso foi prefeito de Cuiabá, de 1967 a 1969. O seu sucessor no comando do Estado, Júlio Campos (DEM), tem o segundo maior benefício na história de Mato Grosso, com mensalidade média de R$ 24 mil e média anual de R$ 265.294. Campos comandou o Estado até 1986.
Empatado no segundo lugar com salário mais alto aparece Pedro Pedrossian, que exerceu mandato entre 1966 e 1971. Logo em seguida no ranking aparece Wilmar Peres de Farias. Ele ocupou o cargo alto do Paiaguás entre 1986 e 1987, o que lhe garante ganho mensal de R$ 17 mil, chegando à média mensal de R$ 187.358.
Mas esse não é o período mais curto de mandato em Mato Grosso. Iraci Araújo Moreira, que exerceu o cargo por pouco mais de trinta dias durante o primeiro mandato de Blairo Maggi, recebe R$ 15 mil em benefício mensal.
O pódio dos benefícios mais altos se encerra com Silval Cunha Barbosa. O primeiro ex-governador de Mato Grosso já preso recebe R$ 16 mil por mês pelo seu mandato entre 2010 e 2014. No primeiro ano, ele assumiu a cadeira titular em março com a saída de Blairo Maggi (PP) para disputar o Senado.