Nos idos de 1980, Jacutinga, o indigenista carioca que foi viver com o povo Nambiquara, já estava mais ou menos à vontade. Não precisava de tantas roupas. Magricela, cabelos cacheados e com um ponto de luz prata na orla da íris, vestia enfeites e pintura corporal. Até incorporou alguns hábitos indígenas ao seu dia a dia. Sentia-se quase em casa.
Tinha sua turma: Daniel, Eutímio, Lourenço, Orivaldo. Andavam no cerradão, pra cima e pra baixo, em um jipinho amarelo caindo aos pedaços. Foram bater no Utiariti, uma aldeia da Terra Indígena Utiariti, para conhecer o povo do amigo Daniel Wakalitesu, gente do jacaré.
Atravessaram o Planalto Central pela BR 364, puro areão, rumo ao reino dos Parecis. Passaram por Évora, Capitão Marcos, um Pareci amigo, Areia Branca, Uirapuru. Uma longa viagem…
Lá, Antônio e Tereza, pais de Daniel, os receberam com chicha de mandioca e beiju assado nas cinzas. Conheceu Manu, primeiro índio careca que viu na vida, dono de uma alegria enorme, escondida por trás de uma brabeza que dava medo; Adalberto, Maracanã e tantos outros. Naquela época, o jesuíta Holanda Pereira e o irmão Hernandes moravam em Utiariti, local de uma antiga missão católica que reuniu várias etnias em regime de internato que ocasionou aos índios perdas irreparáveis.
O jesuíta, sábio da mitologia indígena, contou histórias pra lá de Lobato e de seu amigo Júlio Katukolosu, líder Nambiquara, um Robin Hood dos indígenas, informante de Lévi-Strauss. Júlio era dotado de qualidades de um bom chefe: hábil, astuto, inteligente, prestigioso, generoso e organizador. Júlio é, até hoje, “um capitão grande e muito bom; nenhuma gente o estranhava e, nesta região, ele mandava em tudo; todos estavam no braço dele”.
Por mais que Jacutinga estivesse embrenhado no viver Nambiquara, saber de Júlio Katukolosu foi um capítulo à parte. Vestia farda do Exército e empunhava uma espingarda e sua narigueira emplumada. Júlio era do mesmo grupo que flechou o Marechal Rondon.