Opinião

Chiquitano: a nomeação oficial

Pierre Bourdieu (1930-2002), sociólogo que combinou em um de seus instantes fecundos de sua carreira Sociologia com Antropologia, nos deixou um legado para enxergar o mundo por configurações de classes ou relações sociais em que os grupos se unem e se relacionam, a produzir uma hierarquização de poder. Entendeu que a lógica do sistema é se perpetuar em privilégios e nas desigualdades, e não na divisão social de classes – burgueses e proletariado – como na tradição marxista. Dentre seus livros, “O poder simbólico”, que analisa a ordem simbólica e o poder de nomeação, afirmou: “a nomeação oficial, ato de imposição simbólica que tem a seu favor toda a força do coletivo, do consenso, do senso comum, porque ela é operada por um mandatário do Estado, detentor do monopólio da violência simbólica legítima”.

Ao ler o livro “Memória das palavras indígenas”, do antropólogo Luís Donisete Benzi Grupioni (2015), dentre as tantas palavras em línguas indígenas elencadas pelo autor, deparo-me com “Chiquitano”. Interrompe-se a leitura, abruptamente, diante do voar de meu pensamento (“O pensamento parece uma coisa à toa, mas como a gente voa quando começa a pensar”, poetizou/musicalizou Lupicínio Rodrigues). Lembrei-me de tempos escuros em que a identidade do povo Chiquitano escondia-se por detrás de outras nomeações impostas pelos detentores de poder, com fins de usurpação de seus territórios: “bugres”, “fronteiriços”, “bolivianos”. Lembrei-me das pessoas de bem, investigadoras da desigualdade que dedicaram horas de estudos, horas de trabalho de campo em prol do povo Chiquitano. No entendimento de Bourdieu, o intelectual deve intervir “em um espaço público, que pode ser o espaço político, mas sem abandonar – senão é um palhaço – as exigências ordinárias de sua atividade de pesquisador”.

A palavra “Chiquitano” recebeu a tão esperada nomeação oficial, “um ato de imposição simbólica”. Estava ali, diante de meus olhos, em um livro infantojuvenil! Finalizei a leitura de “Memória das palavras indígenas” somente dias depois…

Redação

About Author

Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

Você também pode se interessar

Opinião

Dos Pampas ao Chaco

E, assim, retorno  à querência, campeando recuerdos como diz amúsica da Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul.
Opinião

Um caminho para o sucesso

Os ambientes de trabalho estão cheios de “puxa-sacos”, que acreditam que quem nos promove na carreira é o dono do