Eles não podem dividir uma mesma boleia, mas são os dois principais dirigentes da categoria que está bloqueando estradas e afetando o abastecimento em todo o País. O presidente da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), Diumar Bueno, de 57 anos; e o presidente da Associação Brasileira de Caminhoneiros (Abcam), José da Fonseca Lopes, de 76 anos, são adversários no intrincado mundo dos grupos, confederações e federações que dizem representar a luta dos caminhoneiros.
Na última quinta-feira, Fonseca abandonou a reunião das entidades com o governo. Ele se levantou da mesa de negociações assim que percebeu que seus pares estavam prontos para aceitar uma trégua de 15 dias nas paralisações – entre eles, Diumar Bueno. Fonseca saiu do encontro afirmando que só encerraria o movimento depois de “assinada e carimbada a lei que retira dos combustíveis PIS/Cofins e Cide”. Já Bueno preferiu permanecer e, embora não tenha saído completamente satisfeito, deu um voto de confiança ao governo.
Ou seja, com dois líderes pregando posições antagônicas, a categoria, que reúne mais de 1 milhão de profissionais, ficou sem saber qual liderança seguir: Fonseca ou Bueno?
Fonseca foi quem atirou primeiro – dizendo que Bueno seria “cria dele” e que, assim como outras lideranças, estaria no movimento por “vaidade ou dinheiro”. Para ele, ao aceitar a proposta do governo, Bueno não estaria defendendo os interesses dos caminhoneiros, mas do patronato. Por fim, Fonseca acusa o colega de categoria de não ser caminhoneiro – pisando, assim, no calo mais dolorido do presidente da CNTA.
Os adversários de Bueno costumam mencionar que ele não é caminhoneiro, mas um “ex-piloto de Fórmula Truck (corrida de caminhões). De fato, ele correu na categoria até 2012 – ano em que sofreu aquele que é considerado até hoje o acidente mais “espetacular” desse tipo de competição.
O fato ocorreu durante treino livre para o GP de Guaporé, no Rio Grande do Sul. O caminhão que Bueno dirigia atravessou a pista de corrida a 184 km/h e se chocou contra um muro de proteção – que não conseguiu contê-lo. Reportagens do período afirmam que o veículo despencou de uma altura de 15 metros. Bueno passou 30 dias internado (6 deles na UTI) e teve 52 fraturas – lesionando as duas pernas, o braço direito, a bacia, a face e os pés. “Vi a morte me acenando”, lembrou.
A menção de seu passado como piloto não agrada Bueno. Segundo pessoas próximas, ele considera as lembranças de sua carreira pregressa uma tentativa de diminuir sua atuação como sindicalista. “Minha atividade sindical começou na década de 1980. Enfrentei muita coisa para tentar organizar a categoria – que não tinha tradição sindical e era ligada ao sindicato dos taxistas”. Ao lembrar do pai, que também foi caminhoneiro, Bueno se emocionou e diz não admitir críticas de “quem não sabe manobrar um caminhão”.
Bueno rebateu as críticas de Fonseca afirmando que é a Abcam que não representa a categoria. “Além disso, Fonseca sempre foi da Confederação Nacional do Transporte (CNT). Ou seja, sempre esteve do outro lado. Do lado do patrão”, afirmou.
Além de um embate pelo controle da categoria, a troca de farpas entre os dois, às vezes, parece ser sobre qual deles seria “mais caminhoneiro”. Se Bueno lembra do pai, Fonseca não fica atrás e diz ser sobrinho da primeira mulher caminhoneira do País. Ele também afirma ter participado de uma greve da categoria em 1974. “Desde então, estou sempre participando das movimentações e causas. Sou um caminhoneiro de verdade. Ainda tenho um caminhão estacionado na frente da minha casa”, falou. “Olha, eu já tinha até parado, mas as pessoas, os caminhoneiros, me chamaram para participar das negociações. Eles sabem que eu tenho experiência e que comigo as coisas andam”, completou.
Entre os caminhoneiros da linha de frente (aqueles que estão bloqueando estradas), a liderança do movimento não é clara. Ouvidos pela reportagem, a maioria não reconhece nenhum dos dois. Nem Bueno, nem Fonseca. Mais do que isso: desconfiam que as entidades estejam sendo usadas pelos patrões. Além disso, os grupos parecem se organizar de forma quase independente – com muita comunicação via WhatsApp. Por isso, não é difícil encontrar motoristas pedindo intervenção militar ou apoiando o pré-candidato do PSL, o deputado Jair Bolsonaro.
Bueno e Fonseca preferem não entrar nesse debate. Eles se dizem apartidários e preferem não ser identificados com posicionamentos radicais – e nem se aprofundar nas consequências políticas da greve.