Uma das maiores aventuras científicas do mundo. Assim é considerara a “Comissão Rondon”, criada pelo Departamento de Guerra para a construção das “Linhas Telegráficas Estratégicas de Matto Grosso ao Amazonas”, que durou de 1907 a 1915, e foi liderada por Cândido Mariano Rondon e trouxe para a Amazônia nomes como Vital Brasil, Roquette-Pinto, o fundador do Museu Nacional do Rio de Janeiro.
“Foi a primeira vez que o Brasil foi visto pelos brasileiros. Até então, as explorações eram todas feitas por estrangeiros”, explica Elizabeth Madureira Siqueira, historiadora e presidente do Instituto Histórico e Geográfico e Mato Grosso.
Natural do distrito de Mimoso, de Santo Antônio de Leverger, nenhum filho de Mato Grosso conseguiu a fama de Rondon, considerado um dos personagens mais instigantes da história nacional. Bisneto de índios Bororos e Terenas, e filho de uma índia Guaná, Cândido Mariano da Silva Rondon não parecia predestinado a nenhum futuro distinto, além de seguir a trajetória da família de cuidar de um pequeno rebanho de gado no Pantanal. Mas foi ele que, apesar de sua desvantagem física, franzina e com menos de 1,65 m, ousou viajar por uma Amazônia selvagem, contatou dezenas de povos indígenas hostis à presença da civilização e desenhou vários dos primeiros mapas da fronteira do Brasil.
Idealizador do Parque Indígena do Xingu, a maior terra indígena contínua do mundo, Rondon foi o único brasileiro indicado duas vezes ao Prêmio Nobel da Paz, uma delas pelo físico Albert Einstein que acabou não sendo oficializada, mas contas no arquivo de cartas do físico, e outra pelo presidente Juscelino Kubitschek e o Explorers Club, de New York (1956).
Por suas façanhas nas selvas da Amazônia, Cândido Rondon teve o seu nome gravado em letras de ouro no Instituto de Geografia de Nova York, entre os cinco maiores exploradores do planeta. Também foi o único homem a dar nome a um meridiano, sendo o meridiano Rondon, o marca do ângulo 52 da circunferência terrestre. Apesar de todas as suas glórias, prestes a completar 153 anos de seu nascimento, poucos se lembram de Rondon.
Na Praça Alencastro, no centro da capital, em frente ao casarão de cor azul que abrigou a sede da Comissão Rondon, na Rua Pedro Celestino, o busto do Marechal mato-grossense é praticamente ignorado pelos cuiabanos.
O Circuito Mato Grosso foi até o local para descobrir se as pessoas que frequentam a praça sabem quem é Marechal Rondon e da sua importância para a história do estado e do país. Dos dez entrevistados, oito sabiam do nome do Marechal, enquanto somente dois não tinham a menor ideia de quem ele seria. Quanto ao busto, metade sabia da existência. Apesar de a grande maioria dizer que conhece a figura, poucos deles realmente explicaram com alguma profundidade quem seria aquele homem e qual seria a sua importância.
Jéssica Cristina Cuebas, de 25 anos e auxiliar administrativa, é uma destas pessoas. Quando perguntada, ela explica que sabe quem ele é, porém não sabe sobre sua história aprofundada; ela também desconhecia sobre o busto. Washington Santos de Almeida, 33 anos, teve dificuldades para lembrar quem era.
Na verdade, entre todos os entrevistados, somente uma pessoa parece saber um pouco além sobre o Marechal. Meire Marinho, de 62 anos e professora aposentada, inclusive, se refere a ele como “um dos desbravadores do Mato Grosso”.
Para o pesquisador e escritor João Carlos Vicente Ferreira o desconhecimento sobre Rondon tem raiz no ensino do Estado. “É uma questão da grade curricular, de educação mesmo. Nas escolas você teria que ensinar as pessoas, as crianças e os alunos sobre a história e cultura de Mato Grosso e não temos isso como obrigatoriedade. Já foi feito trabalho. Um professor aqui e outro lá faz esse trabalho. Mas seria necessário que a figura do Rondon fosse mais enfatizada para os jovens”, diz.
A falta de acesso ao acervo da obra da vida de Rondon é outro ponto delicado. Erguido no distrito de Mimoso, onde o marechal nasceu, o Memorial Rondon demorou 16 anos para ser construído e custou R$ 3 milhões aos cofres públicos. Inaugurado há dois anos, o prédio segue vazio, pois o acervo sobre as viagens, descobertas científicas e feitos do Marechal foram todos levados de volta para seus respectivos locais, como o Museu da Guerra, no Rio de Janeiro, e as coleções particulares a que pertence.
“O Memorial Rondon e muito bonito, mas ficou só a casca. Levaram o acervo todo umas doze horas depois da inauguração do local. Hoje o memorial está vazio. Ficou até uma chacota se chega lá e não se vê nada sobre Rondon”, afirma João Carlos.
Outro local que guardava a memória de Cândido Rondon era o Museu de Pedra do geógrafo Ramis Bucair. O espeleólogo e engenheiro agrimensor guardava muitas coisas das memórias do Rondon e como explorador buscava refazer os feitos do Marechal que tinha como “herói”. Foi ele quem criou a sociedade Amigos de Rondon, que acabou esquecida desde a sua morte em 2011.
O museu foi inaugurado em abril de 1959, na Rua Galdino Pimentel, no centro, como uma forma de homenagear Cuiabá. No entanto, o local fechou as portas em 2011, no dia da morte do explorador.
“A associação fez um projeto para oferecer para as prefeituras e câmaras que pusessem em praças, ruas e avenidas o nome do Rondon e muita gente o fez. No Paraná tem cidades que homenageiam Rondon, pois ele também comandou a rendição do Movimento Tenentista e combateu Luiz Carlos Prestes”, explica João Carlos.
Para Elizabeth Madureira, do IHMT, o próprio governo de Mato Grosso deveria contribuir mais com a divulgação da obra de Rondon. “Nós editamos um livro ano passado com a biografia de Rondon, ‘O Brasil pelos brasileiros’, e até hoje a Secretaria de Estado de Cultura sequer fez o lançamento da obra, que reúne todos os relatórios da Comissão Rondon em um DVD,” afirma Elizabeth.
Para a historiadora o descaso se faz porque Rondon é uma figura que tem uma projeção mais nacional do que local. “O trabalho dele foi nacional e não é só de Mato Grosso. Acabou abrangendo a nação inteira. Cada atividade que ele fez, diz respeito a uma região: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia (batizada em sua homenagem) e a Amazônia de maneira geral”.
Para Elizabeth, Rondon foi um dos maiores difusores da ciência do país. “Ele era um positivista e tinha uma maneira de pensar o Brasil completamente diferente do pensamento da época. Só acreditava no que fosse provado e científico e daí entra a diferença. Ele conseguiu fazer um projeto único, primeiro as linhas telegráficas, segundo, o Serviço de Proteção ao Índio, e depois a Comissão Roosevelt-Rondon. Com a República, quando Rondon entra em cena, a Igreja a se separou do Estado, então o pensamento laico passou a ter relevância”.
A historiadora também lamenta a falta de comemorações realizadas em torno do nome de Rondon. “Dia 5 de maio é aniversário dele e não fazemos mais a reunião dos Amigos de Rondon. Este ano ninguém me procurou e estou chateada e temos que fazer essa comemoração, levar as flores para o busto do Rondon, lá na praça”.
Segundo a assessoria da Secretaria Cultura de Mato Grosso, sobre o Memorial Rondon foram cumpridas todas as etapas de seleção das Organizações Sociais (OSC) para gestão dos museus do Estado. Para a formalização dos termos de colaboração com as OSCs vencedoras do certame é necessário o repasse de recursos financeiros para início das atividades. A SEC está em tratativas com a equipe econômica de governo para viabilizar os recursos financeiros e concluir o processo.
Sobre o lançamento do livro, depois de publicado na íntegra o Primeiro Relatório Científico da Comissão Rondon, a Secretaria de Estado de Cultura disponibilizou para download “O Brasil pelos Brasileiros”. Ambos os livros estão disponíveis para download nos links anexados. Não houve comentários sobre o lançamento.
Quem foi Cândido Rondon
Rondon integra o grupo de marechais que não lutou na Guerra do Paraguai, afinal nasceu durante o conflito, em 1865. Ele recebeu o título apenas em 1955, por ter participado da “revolução” que desencadeou a proclamação da República. Essa é uma das muitas curiosidades que cercam a vida desse homem, nascido Cândido Amarante que adotou o nome Rondon em homenagem ao tio que o criou. Indianista, etnólogo, matemático, professor da Escola de Guerra da Praia Vermelha e que aos 48 anos venceu 22,5 mil quilômetros de selva em regiões ainda não exploradas do Brasil.
O Circuito Mato Grosso* separou a cronologia dos seus principais feitos:
– Entre 1892 e 1898 ajudou a construir as linhas telegráficas de Mato Grosso a Goiás, entre Cuiabá e o Araguaia, e uma estrada de Cuiabá a Goiás.
– Entre 1900 e 1906 dirigiu a construção de mais uma linha telegráfica, entre Cuiabá e Corumbá, alcançando as fronteiras de Paraguai e Bolívia.
– Em 1906 encontrou as ruínas do Real Forte do Príncipe da Beira, a maior relíquia histórica de Rondônia.
– Em 1907, no posto de major do Corpo de Engenheiros Militares, foi nomeado chefe da comissão que deveria construir a linha telegráfica de Cuiabá a Santo Antônio do Madeira, a primeira a alcançar a região Amazônica, e que foi denominada “Comissão Rondon”. Seus trabalhos desenvolveram-se de 1907 a 1915. Os trabalhos exploratórios da Comissão Rondon foram estudar e registrar fatos novos nos ramos da geografia, biologia (fauna e flora) e antropologia, na região então desconhecida, e dividiram-se em três expedições: a 1ª expedição, entre setembro e novembro de 1907, reconheceu 1.781 km entre Cuiabá e o rio Juruena. A 2ª expedição ocorreu em 1908 e foi a mais numerosa, envolvendo 127 membros. A 3ª expedição, com 42 homens, foi realizada de maio a dezembro 1909, vindo da serra do Norte ao rio Madeira, que alcançou em 25 de dezembro, atravessando toda a atual Rondônia.
– Em 1908 havia sido promovido a tenente-coronel, por méritos.
– Em 1910 organizou e passou a dirigir o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), criado em 7/set/1910. Órgão que deu origem à atual Fundação Nacional do Índio. O site da empresa de apostas está localizado em https://bet365ald.com
– Em 12 de outubro de 1911 inaugurou a estação telegráfica de Vilhena, na fronteira dos atuais estados de Mato Grosso e Rondônia.
– De maio de 1913 a maio de 1914 participou da denominada Expedição Roosevelt-Rondon, junto com o ex-presidente dos Estados Unidos da América Theodore Roosevelt, realizando novos estudos e descobertas na região.
– Em 1930, preso no Rio Grande do Sul pelos revolucionários que destituíram Washington Luís e levaram Getúlio Vargas ao poder, pediu reforma do exército.
– Entre julho de 1934 e julho de 1938 presidiu missão diplomática que lhe fora confiada pelo governo do Brasil, mediando e arbitrando o conflito que se estabelecera entre o Peru e a Colômbia pela posse porto de Letícia. Ao encerrar sua missão, tendo estabelecido um acordo de paz, estava quase cego.
– Em 5 de maio de 1955, data de seu aniversário de 90 anos, recebeu o título de Marechal do Exército Brasileiro concedido pelo Congresso Nacional.
– Homenageando o velho Marechal, em 17 de fevereiro de 1956, o Território Federal do Guaporé teve seu nome alterado para Território Federal de Rondônia.
– Em 1957 foi indicado para o Prêmio Nobel da Paz, pelo Explorers Club, de New York.
– Morreu no Rio de Janeiro, aos 92 anos, em 19 de janeiro de 1958.
(*Infos Fundação Nacional do Índio e Museu do Exército)