Desde 2013, a Organização Mundial da Saúde passou a dispensar o reforço da vacina da febre amarela a cada 10 anos, medida que foi seguida pelo Brasil em abril de 2017 após o surto atual. A OMS embasou sua decisão em diversos estudos, que provaram não ser necessária uma segunda dose para a garantia de proteção. Assim, bastaria uma única ida à unidade de saúde.
No entanto, o Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos chegou a uma conclusão um pouco diferente após também revisar pesquisas sobre o assunto: para a entidade, embora a vacina proteja por um longo prazo, não dá para dizer nesse momento que a proteção é para a vida inteira em todos os grupos – principalmente naqueles com condições que atrapalhariam a eficácia prolongada da vacina, como soropositivos para o HIV.
Um outro grupo candidato ao reforço da vacina, segundo o CDC, são os turistas que pretendem viajar para áreas com transmissão ativa da doença — como o sudeste brasileiro agora. Por esse entendimento, os Estados Unidos atualizaram suas recomendações para o Brasil com a indicação de que residentes norte-americanos com destino ao país considerem tomar a vacina novamente (se passado o prazo de 10 anos, como era anteriormente).
"Quando a OMS tomou a decisão, em resposta, o CDC fez a sua própria revisão e chegou a um resultado similar, mas não idêntico: o CDC especificou que há grupos em que o reforço deveria ainda ser recomendado e outro grupo de pessoas em que o reforço deveria ser considerado", disse o CDC, em nota enviada ao G1.
A entidade cita como regiões de risco recente as cidades de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro e sugere que o reforço deve ser considerado para quem pretende viajar para essas cidades. A indicação também veio acompanhada de um alerta de mortes registradas em turistas em Ilha Grande (RJ) e em outros lugares do Brasil.
Nas palavras do CDC, os viajantes podem fazer uma avaliação da necessidade de um reforço a depender de algumas variáveis — como a durabilidade da viagem por exemplo. Já em outros grupos, o CDC considera que o reforço seria certamente indicado. É o caso de mulheres grávidas, pessoas que receberam transplantes de célula-tronco e pessoas com HIV.
"Uma segunda dose deve ser considerada para aqueles viajantes expostos a maior risco. Isso vai depender da localização, das atividades e da duração da viagem", disse o CDC.
"Isso inclui aqueles que vão viajar para áreas endêmicas, como nas áreas rurais da África e nas regiões onde há pico de transmissão, como algumas no Brasil."
Não há recomendação de vacina para os brasileiros que vão aos Estados Unidos, no entanto. Com isso, residentes no Brasil que vão ao país não precisam do Certificado Internacional de Vacina, que é exigido antes da viagem para alguns países.
No Brasil, continua valendo a recomendação de uma única dose para a vida inteira para todos, sem distinção da condição e da área em que se encontram — o que está em conformidade com o preconizado pela OMS.
Em nota, o Ministério da Saúde informa que só passou a recomendar dose única após diretriz da Organização Mundial da Saúde e da análise de estudos científicos que comprovaram a eficácia da vacina durante toda a vida do indivíduo.
A pasta também reforça que o Brasil só fez a recomendação três anos após o entendimento da OMS. "Até então, o Brasil era o único país do mundo que recomendava duas doses dessa vacina para todos", disse.
Também o ministério reforçou que a vacina contra a febre amarela no Brasil é gratuita — ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos.
"Atualmente, são ofertadas pela rede pública de saúde, de todo o país, cerca de 300 milhões de doses de vacinas ao ano para combater mais de 20 doenças. Todos os imunobiológicos são disponibilizados gratuitamente para a população brasileira", afirmou o Ministério da Saúde.
OMS diz que apenas 12 casos ocorreram após a vacinação
Quando proferiu a decisão em 2013, a Organização Mundial de Saúde publicou um artigo na " Weekly Epidemiological Record", revista científica associada à entidade. Na publicação, a entidade detalha que, desde que a vacinação contra a febre amarela começou na década de 30, apenas 12 casos da doença pós-vacina foram identificados.
O importante nesse aspecto é o tempo: todos esses casos ocorreram em 5 anos após a vacinação — o que caíria no registro de uma falha vacinal (já que a vacina protege por 10 anos) e não no fato de que a imunidade diminuiu ao longo do tempo.
O CDC não questiona a eficácia da vacina, tampouco o fato de que a vacina tem sim uma longa proteção. A decisão da entidade apenas ressalta que não há evidências suficientes para mostrar que essa relação é válida para pessoas que vão viajar para áreas de risco recentes ou com problemas de imunidade.
Em estudo publicado na Clinical Infectious Disease em 2009 com 78 portadores de HIV vacinados contra a febre amarela, foi identificado que 13 deles não desenvolveram anticorpos contra a doença. Trata-se de uma eficácia de 83%, o que é menor que a eficácia observada em não-portadores, que chega a mais de 97%.
Há hipóteses de que a falha tenha ocorrido pela baixa presença de CD4 (células de defesa) em alguns pacientes, situação que é revertida com tratamento antirretroviral (medicamentos usados em portadores de HIV. No estudo da OMS, à epóca, esse fato foi indicado como passível de investigações futuras.
No estudo publicado, a própria OMS exortou países a investigar a imunidade da vacina em alguns grupos, com estudos de vigilância. Em sua posição final, no entanto, não há ressalvas sobre a dose única, que valeria para todos.
Já na decisão final do CDC, ficou determinado que a vacina da febre amarela garante "longa proteção". A entidade não faz menção, em suas diretrizes, para uma proteção para a vida inteira.
Necessidade de mais estudos
Para o infectologista e presidente da Sociedade Brasileira de Arborivores, Artur Timermann, caberia uma melhor avaliação de entidades de saúde sobre se a dose única deveria ser recomendada a todos os grupos sem distinção.
"Eu tenho convicção que algumas pessoas deveriam tomar o reforço", diz. Dentre os estariam nesse grupo, segundo Timerman, estão aqueles com problemas de imunidade ou que, como definiu o CDC, estão em áreas onde o risco de transmissão é tão alto que caberia garantir a proteção com um reforço da vacina.
Um outro ponto, diz Timerman, é que a maioria dos estudos que a Organização Mundial da Saúde avaliou é de regiões da África e da Ásia em que o vírus circula. Isso gera um problema, avalia o especialista, já que essas pessoas podem ter recebido um reforço da proteção "naturalmente" o que poderia distorcer os dados sobre a durabilidade da dose. Ele explica:
"Muitos estudos avaliaram a eficácia de uma única dose em pessoas que estão em regiões onde elas ficam mais expostas ao vírus real. Isso significa que muitas podem ter tido um reforço da imunização naturalmente e, por isso, essa proteção foi garantida por mais tempo."
Por esse entendimento, a avaliação do CDC de considerar que viajantes de áreas não expostas ao vírus tomem um reforço da vacina, faz sentido, considera Timermann.