O servidor e engenheiro florestal André Torres Baby assumiu recentemente o comando da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) de Mato Grosso a partir de março (19). Baby falou ao Circuito Mato Grosso sobre o investimento de R$ 100 mil que deverão promover uma gestão territorial inédita no estado, dos desafios do licenciamento ambiental e de uma nova ferramenta que finalmente poderá remunerar produtores grandes, médios e pequenos e os povos tradicionais pelas áreas verdes que ajudam a proteger.
Circuito Mato Grosso: O que a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) tem feito para agilizar o cadastro ambiental rural (CAR), um instrumento acusado pelo setor produtivo como uma barreira para as atividades do estado?
André Torres Baby: O CAR foi uma política pública que ficou travada e que não se resolveu em sua plenitude. Com o Código Florestal de 2012 esse processo foi protagonizado pelo governo federal, que tem um universo muito diferente do ponto de vista cultural e produtivo, pois tem que olhar para todas as regiões e biomas. Foi quando o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) passou essa gestão para o Serviço Florestal Brasileiro que resolveu empreender um CAR nacional. Mato Grosso, entre 2012 e 2014, foi seduzido a seguir essa metodologia aderindo ao sistema federal acreditando que este seria ágil. Hoje o CAR é motivo de orgulho, pois criamos a nossa própria ferramenta, como outros estados. O sistema próprio começou em 2017 e criou um processo de acordo com nossos biomas e vocação.
Circuito Mato Grosso: O que é mais difícil para efetivar o CAR: a falta de legislação específica para alguns biomas, como o Pantanal (bioma que segue sem a legislação própria exigida pela Constituição Federal) ou a questão fundiária?
André Torres Baby: Com a resolução das Ações Diretas de Inconstitucionalizada (pelo Supremo Tribunal Federal), não há mais problema de insegurança jurídica no CAR. Hoje nosso sistema está a pleno vapor e essa pauta está consolidada. O que fizemos nos últimos seis meses no sistema próprio Mato Grosso o governo federal não conseguiu fazer em quatro anos. Isso é digno de realizar.
Circuito Mato Grosso: Mas e a questão da falta de regularização fundiária? Em Mato Grosso temos muitas terras devolutas ainda que impulsionam até a questão da violência no campo, o que também é problemático quando se trata de CAR, não?
André Torres Baby: Essa ainda é uma das variáveis delicadas, principalmente no combate ao desmatamento. Mato Grosso pleiteou um recurso bastante vultoso junto ao Intermat (Instituto de Terras de Mato Grosso), a Secretaria de Agricultura Familiar e a Secretaria de Desenvolvimento Regional para que o Estado tenha regularização fundiária 100%. Esse dinheiro é do Fundo Amazônia e está em processo de tramitação no BNDES. Acredito que esse dinheiro irá resolver essa questão. Serão mais de 100 milhões de reais para ser organizado o Intermat, os títulos públicos, colocar tecnologia no processo. Tem muita terra que está sendo produzido e o Estado não arrecada. E essa questão também está muito envolvida ao crime ambiental e de segurança pública, como vemos no munício de Colniza, onde fica justamente a última maciça floresta.
Circuito Mato Grosso: O que tem sido feito para reduzir a violência em Colniza, onde, além de crimes ambientais, houve crimes contra a pessoa, como a Chacina de Taquaruçu do Norte e a recente execução do próprio prefeito do município?
André Torres Baby: Houve um pedido do próprio governador Pedro Taques desde quando o prefeito faleceu (dezembro de 2017) para aumentar a segurança efetiva da região, inclusive com tropas militares. O cidadão de bem que está lá, inclusive os que têm manejo florestal, estão comemorando muito essa iniciativa de comando e controle. Eles pedem para as tropas ficarem por lá. Mas a nossa ideia não é só dar manutenção à paz, mas também fazer um contraponto. Vamos tirar um pouquinho da segurança pública para conciliar com a fiscalização ambiental. Já conversamos com o Ibama para desenvolver ações conjuntas e há um tempo que não realizávamos nada em conjunto.
Circuito Mato Grosso: E o licenciamento ambiental, quais os desafios e mudanças estão ocorrendo para melhorar esse processo que acaba desagradando tanto os ambientalistas quanto os empresários que precisam desse instrumento?
André Torres Baby: Esse é um instrumento ainda criticado por algumas academias, por não ter a parte econômica e de pessoas. Foi por isso que desde a gestão da doutora Ana (Luiza Peterlini) que começamos a repensar essa questão. Para isso foi contratada uma Parceria Público-Privada com a Falconi (Consultores de Resultados), uma consultoria para mudar procedimentos em toda essa gestão.
Circuito Mato Grosso: E quais foram os gargalos que a consultoria encontrou na gestão da Sema?
André Torres Baby: O problema de burocracia, que faz até um processo que está indo para frente ir para trás. O que faz com que se atrase tudo. Foi colocada inteligência dentro da administração dos processos de licenciamento. E isso significou uma revolução que foi até aceita pelos próprios servidores. E isso sem precarizar as análises ambientais. Apensa mapeando processos, reduzindo termos de referências, pedindo a mesma coisa em várias etapas distintas do licenciamento e que não fazem sentido algum. Também reduzimos o tempo de resposta em 40%, o que significa muito. O que te tira de 247 dias para até 100 dias, algo muito relevante porque essa demora, do passado, acabava com o empreendedorismo.
Circuito Mato Grosso: E mesmo assim a hidrelétrica de Manso continua sem licenciamento, não?
André Torres Baby: Está regularizado, existe um processo judicial, agora estamos em um processo de equalização do TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), mas também da compensação ambiental. Eu chamei essa responsabilidade para que pudéssemos organizar esses licenciamentos que estão com algumas lacunas.
Circuito Mato Grosso: Mas existe já o licenciamento? Não é meio desmoralizante a usina ser a primeira do país a ter um Estudo e Relatório de Impacto Ambiental e gerar energia ainda com licenciamento capenga?
André Torres Baby: Não, acho que não é desmoralizante. O EIA/Rima foi bem feito, a obra cumpriu o papel a que se propôs, a UHE se moldou ao contexto, ainda que não gere essa energia, por isso ela é Aproveitamento Múltiplo (feito para reduzir as cheias do rio Cuiabá). Acontece que no entorno, que chamam de Pakuera (que é um nome feio), existem ainda alguns problemas…
Circuito Mato Grosso: Problemas… O senhor quer dizer que muitas pessoas não foram indenizadas, a população até hoje não tem acesso ao lago e a região foi elitizada, não?
André Torres Baby: É… para sanear um pouco a questão da elitização, estamos fazendo a aquicultura familiar, uma parceria do Estado com o governo federal para que possamos promover lá a piscicultura com as comunidades tradicionais e agricultura familiar. Isso ajuda para que o lago de Manso sirva para outros setores da sociedade.
Circuito Mato Grosso: Mas e a licença ambiental?
André Torres Baby: Devemos concluir até julho, quando devemos sanear a compensação e outras questões. Acho que até lá o licenciamento estará dentro da conformidade devida.
Circuito Mato Grosso: E as outras licenças de hidrelétricas e das PCHs que estão sendo questionadas hoje pela própria Justiça do Estado, por conta da Operação Ararath? Existiu um olhar novo para essas licenças que foram expedidas na gestão passada pelo grupo do ex-governador Silval Barbosa?
André Torres Baby: Eu não sei se cabe colocar de um governo ou de outro; mas os licenciamentos estão em curso. A UHE Sinop está em curso e a UHE Colíder também.
Circuito Mato Grosso: A UHE Colíder, por exemplo, levou uma multa gigantesca acusada de matar peixes e alagar florestas.
André Torres Baby: Essa é uma companhia acostumada a lidar com isso e está enfrentando o processo de licenciamento técnico sem política e com bastante técnica. A gente não tem esses números sobre ictiofauna. Temos entendido que são mais casos pontuais do que acabou o peixe na bacia. E isso tem sido monitorado pela coordenação de fauna e de recursos pesqueiros e nossos estudos não dizem isso. Estamos observando que o que tem de processo é de contaminação da água e isso gera a mortalidade (dos peixes). No curso todo, duas dessas seis usinas do (rio) Teles Pires foram licenciadas pelo Ibama, como no caso de Paranaíta, que foi a usina mais problemática que tivemos em Mato Grosso. Nada contra o Ibama, mas os processos de grandes empreendimentos no Brasil precisam ser melhorados. Temos feito um esforço tremendo para envolver mais a Funai (Fundação Nacional do Índio) que em muitos casos não comparece ao licenciamento, para que também se faça o uso melhor da compensações e da mitigação e dos Programas Básicos Ambientais (PBAS) que precisam ocorrer.
Circuito Mato Grosso: PBAs são outras questões, não? Na UHE Dardanelos, em Aripuanã, por exemplo, o prefeito denuncia que o Projeto Turístico do município nunca saiu do papel.
André Torres Baby: Em Sinop e Colíder, os PBAs estão ocorrendo; que são as demandas que a comunidade reconhece e pede como investimento, mas de Dardanelos, eu confesso que não me lembro de cabeça e não recordo dessa obra, que não é do meu tempo.
Circuito Mato Grosso: A Sema não deveria cancelar o licenciamento no caso de o PBA não ser cumprido?
André Torres Baby: Fazemos pressão dentro da técnica e sem cumprir tenho que chamar o prefeito à ordem e cobrar. Se a pessoa não o faz dentro do cronograma, aí o licenciamento fica suspenso.
Circuito Mato Grosso: O que é pior: a demanda de licenciamento ambiental pulverizado de vários empreendimentos ou o de uma grande hidrelétrica?
André Torres Baby: Todos são difíceis, embora o que os torne diferentes seja a complexidade. E isso que o governo federal tem atacado com a nova proposta de lei (o PL do Licenciamento em trâmite no Congresso Federal). Ele quer diferenciar um pouco os licenciamentos trifásicos, que seriam os triviais, da complexidade, que é o forte potencial poluidor. Precisamos equilibrar mais isso para não colocar todo mundo dentro de um sistema só e não inviabilizar a todos. Nós precisamos reduzir a burocracia para os pequenos empreendimentos.
Circuito Mato Grosso: Mas como fazer isso com segurança ambiental?
André Torres Baby: Os modelos já estão muito estabelecidos, basta seguir critérios, como uma avicultura, por exemplo. Todo mundo conhece as questões e tem até números econômicos. Essa é a cadeia e estamos preparando para fazer. A Sema quer ser mais amiga, com responsabilidade técnica envolvida, permitindo que o empreendedor opere dentro dos termos. Daí eu saio do processo e vou para uma etapa em que tenho que observar regiões, capacidade de carga de terminado ambiente que está próxima da exaustão e daí eu vou para o monitoramento. E daí chegamos a um momento muito oportuno reconhecido que é o da auditoria ambiental, que já é uma realidade em países como Alemanha, Canadá e França.
Circuito Mato Grosso: Você acha que o Estado ainda será alvo da construção de novas grandes hidrelétricas?
André Torres Baby: Eu acho que não, pois o estado já saturou isso e estamos no momento de novas tecnologias, está na hora de o cidadão produzir a própria energia. Mas para novas obras acontecerem, temos que questionar se há uma necessidade nacional e se todos concordam em pagar essa conta.
Circuito Mato Grosso: O Estado já supriu 100% de sua demanda e hoje é um exportador de energia para o Sistema Interligado Nacional, que acaba suprindo mais o Sudeste. Isso não é injusto? O Estado não deveria receber pelo ônus dessas hidrelétricas?
André Torres Baby: Sim, deveria ter. Sinceramente, talvez como no petróleo, os royalties, e a gente deveria pensar nisso. Deveríamos chamar atenção de nossa bandada federal para que eles possam valorizar o que o Mato Grosso produz. Isso é um ônus, sobrecarrega a Sema, que até poderia ter um benefício para poder investir em capacitação e tecnologia. Temos feito isso só através do PAB, o próprio cadastro ambiental rural veio de um PAB da hidrelétrica de Colíder, isso foi muito bom. O investimento foi de 6 milhões de reais para conseguirmos comprar o produtor atual do CAR. O impacto acabou resultando em uma boa gestão que valorizou todos os impactos do estado.
Circuito Mato Grosso: Por falar em pagamento e a questão do pagamento por serviços ambientais, os programas de pagamento por desmatamento evitado (REED) tão prometidos aos produtores rurais e pequenos produtores e populações tradicionais, os R$ 160 milhões doados ao Mato Grosso para viabilizar essas ações serão aplicados nisso?
André Torres Baby: O PCI tem três frentes para isso, aliás, o próprio dinheiro do PCI veio desse tipo de mecanismo, pois ele veio por conta da redução do desmatamento que o Estado promoveu. Esse dinheiro vai ajudar a fazer um filhote novo que será um fundo de carbono do estado, um novo mecanismo financeiro, inovador. Não há no Brasil nada igual e isso poderá possibilitar que os produtores e os povos tradicionais e todos se beneficiem finalmente pela proteção da floresta que promovem.