A Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) recebeu um prazo de cinco dias para explicar ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin a decisão de soltura do deputado estadual Gilmar Fabris (PSD), em outubro deste ano. O deputado foi preso em setembro suspeito de obstrução da Justiça no âmbito da Operação Malebolge, da Polícia Federal.
A decisão do ministro Fachin foi dada após a Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) impetrar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade questionando a competência das Assembleias Estaduais em tirar parlamentares da cadeia. O prazo de Fachin à ALMT foi dado na quinta-feira (23) e venceu nesta quarta (29).
De acordo com o presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, Eduardo Botelho (PSB), a Casa de Leis não tinha nenhum modelo de análise de casos, por isso houve cautela na hora da votação pela revogação da prisão. “Seguimos, inclusive, a orientação da Procuradoria Geral da República que recomendou que votássemos o caso”, disse ao Circuito Mato Grosso.
Botelho disse ainda que vê como natural o pedido de explicação feito pelo Supremo. Quanto aos prazos, o presidente disse que já foram dadas todas as respostas e acredita que a Assembleia não fez nada de errado ao soltar Gilmar Fabris.
“Nós tivemos o caso dos deputados do Rio de Janeiro, que é diferente do Gilmar, pois eles não tinham os autos, o processo era recorrente e não era da legislatura anterior, aqui o caso foi na legislatura passada do Gilmar. O próprio ministro diz em seu despacho que não existe nenhum indício de que continua existindo “mensalinho” ou algo parecido neste mandato. Acreditamos que nós fizemos o que manda a lei”, afirmou.
Mas de acordo com a Associação de Magistrados um parlamentar estadual não pode gozar das mesmas imunidades formais concedidas aos deputados federais e senadores. A imunidade conferida a eles se faz necessária "diante de eventual prisão arbitrária ou processo temerário", porque a prisão seria determinada pelo STF e o processo instaurado também correria pela mesma corte, ou seja, os membros do Congresso Nacional não teriam outra forma de pedir proteção do exercício do mandado que não seja recorrendo às suas casas legislativas.
"Assim, porque os deputados estaduais poderiam recorrer a outras instâncias do Poder Judiciário, não seria justificável estender-lhes igual imunidade", afirmou a associação, na ação.
O parecer sobre a prisão do deputado estadual foi votada na sessão do dia 24 de outubro e recebeu 19 votos favoráveis. O documento usado como alvará de soltura foi assinado pela mesa diretora da Casa de Leis.
À época, a ALMT alegou que a decisão teve como base a votação do afastamento do senador Aécio Neves (PSDB-MG), para expedição do alvará. Uma semana antes, o Senado Federal havia revogado decisão do STF votando pelo retorno do parlamentar ao cargo.
Os deputados de Mato Grosso entenderam que a medida poderia ser aplicada a Fabris, porém o questionamento feito pela AMB tem com foco justamente o artigo 53 da Constituição Federal. Dessa forma, a medida tomada no caso do senador Aécio Neves só cabe a deputados federais e senadores. Políticos estaduais, como Fabris, e municipais não entram na lista.
Operação Malebolge apura crimes de corrupção em MT
No dia 14 de setembro a Polícia Federal deflagrou a Operação Malebolge – o oitavo círculo do Inferno de Dante – (12ª Fase da Ararath), cujo objetivo foi reforçar o conjunto probatório acerca de pagamento de propina a membros do Poder Legislativo “mensalinho”, para sustentar a governabilidade do Executivo aprovando projetos do ex-governador Silval Barbosa (PMDB) se abstendo de investigar membros da cúpula do governo estadual.
O esquema foi descoberto no curso das investigações da Operação Ararath, a partir da apreensão de diversos documentos e depoimentos prestados por colaboradores, entre os quais está o ex-governador Silval. A organização criminosa instalou-se no alto escalão do Estado de Mato Grosso e funcionou especialmente entre 2006 e 2014.
Foram cumpridos mandatos de busca e apreensão em pelo menos 65 endereços.
Dentre os investigados estavam o ministro da Agricultura, Blairo Maggi (PP), deputados estaduais como o atual prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro, o deputado Gilmar Fabris, empresários e conselheiros do Tribunal de Contas do Mato Grosso (TCE-MT), sendo que cinco destes últimos (José Carlos Novelli, Waldir Júlio Teis, Antonio Joaquim Moraes Rodrigues Neto, Walter Albano da Silva e Sérgio Ricardo de Almeida) foram afastados de suas funções.
Esquema de propina
Gilmar Fabris foi citado pelo ex-governador Silval Barbosa em acordo de delação com a Procuradoria Geral da República (PGR) como um dos supostos beneficiados com o recebimento de propina de verba desviada por meio de programa de pavimentação asfáltica MT Integrado.
Ele aparece em vídeos entregues pelo ex-governador à PGR como provas materiais do esquema de corrupção no governo.
Gravado por uma câmera escondida na sala do ex-chefe de gabinete de Silval Silvio Cezar Corrêa, Fabris reclama do valor entregue pelo ex-chefe de gabinete, que era responsável pelo pagamento de propina e outras vantagens indevidas a políticos durante a gestão de Silval Barbosa, e questiona os R$ 100 mil que seriam pagos a ele.
Segundo Silval Barbosa, Fabris é um dos sete deputados estaduais que entre 2012 e 2013 o procuraram e exigiram dinheiro de propina de obras da Copa do Mundo de 2014 e do programa MT Integrado para aprovar as contas do Executivo durante a gestão dele.
Polêmica gera questionamentos sobre prisão de políticos
A grande discussão por trás da soltura do deputado estadual Gilmar Fabris se baseia no artigo 53 da Constituição, já citado. Como consta nele, os deputados e senadores são invioláveis civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. E só poderão ser presos em caso de flagrante de crime inafiançável.
Caso sejam presos nesses casos, os autos são remetidos dentro de 24 horas à respectiva Casa, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. Recebida a denúncia contra o parlamentar, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa, que por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto de seus membros poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.
Mas as medidas cabem apenas nos dois casos já citados. Por isso a ação da Assembleia Legislativa de Mato Grosso está sendo questionada, segundo o advogado Rodrigo Guimarães em entrevista ao jornal.
“A grande discussão agora é se essas medidas serão estendidas para deputados estaduais e vereadores. Porque na Constituição está claro: deputados e senadores federais. É um risco para os estados tomaram uma decisão sem que haja um acórdão se essa decisão se estende a eles ou não”, avaliou.
De acordo com o advogado, as Assembleias Legislativas dos Estados dizem que têm direito, mas o Ministério Público diz que não, e é aí que está toda a confusão. “O que está acontecendo só vai ser resolvido a partir do momento em que sair o primeiro acórdão (do Supremo), e isso demora. O equívoco dos estados foi que sequer se esperou sair a decisão final para verificar se iria se enquadrar ou não. No caso do Fabris, por exemplo, era preciso aguardar a publicação da decisão”.
Rodrigo explica que foi arriscado por parte das Assembleias de Mato Grosso e do Rio de Janeiro soltarem os deputados sem que tenha certeza se a medida era possível. Eles se basearam em uma decisão proferida em favor do senador Aécio Neves, que nesse caso tem foro privilegiado, como consta no art. 53.
“No Rio de Janeiro o TRF mandou voltar três deputados presos que foram soltos pela Assembleia e sequer informou o Judiciário. A grande questão ali foi que o Ministério Público entrou para anular a sessão, pois foi uma sessão fechada, só que os servidores deixaram de informar para o TRF e então foi cancelado e os deputados voltaram à prisão”, explicou.
A imunidade parlamentar, para o advogado, se tornou “impunidade parlamentar”, pois segundo ele é muito visível que quem tem foro privilegiado não é preso, já quem não tem é. “Vimos isso acontecer muito no caso da Operação Lava Jato. As pessoas que não têm foro, a maioria já foi condenada na primeira instância, muitos na segunda, já para os que têm foro, a coisa está parada”.
Perícia em celular atesta contradição em depoimento
De acordo com o relatório final da perícia feita no celular do deputado Gilmar Fabris, ele não se encontrou com o ex-senador Jayme Campos (DEM), em Várzea Grande, como disse em depoimento prestado na Polícia Federal no dia em que foi preso. Os apontamentos mostram contradições no depoimento do deputado.
"Os registros de chamadas extraídos e analisados não condizem com os fatos declarados por Gilmar Fabris em seu termo de declarações – as ligações que ele menciona ter efetuado não constam no extrato. Em verdade, ele ligou para pessoas diversas das mencionadas em seu termo", diz trecho das considerações finais do relatório proferida no dia 24 de outubro e encaminhada à PGR e ao ministro do STF Luiz Fux.
Em declaração dada à PF, o deputado estadual disse que na manhã em que a operação foi deflagrada saiu cedo com a esposa para ir à casa do ex-senador. “Fabris declara que ligou para o celular de Jayme Campos e foi atendido por um terceiro, foi então que decidiu se deslocar até a residência do vereador Maninho de Barros, que tentou ligar diversas vezes no telefone que se encontrava desligado e não foi atendido quando ligou para o celular da esposa do vereador".
Segundo o relatório, não há registros de ligações de Fabris para Jaime no dia 14/09/2017. Que duas ligações foram feitas na linha salva apenas no dia 15/09/2017. “A respeito da ligação para o vereador Maninho de Barros, o primeiro registro de ligação para ele no dia 14/09/2017 ocorreu apenas às 08hl3m48s, cinco minutos antes de Gilmar chegar ao estabelecimento Bolo de Arroz, e que possivelmente não foi completada, pois consta duração de 00s", contesta a perícia da PF.
A perícia também constatou que a primeira ligação que o deputado fez no dia da operação foi às 6h11 para a residência de uma servidora da Assembleia Legislativa.
Já no dia de sua prisão, em 15 de setembro, por suposta obstrução à justiça, Gilmar Fabris realizou várias ligações, como para o advogado Ricardo Spinelli, Ocimar Campos e para o deputado Eduardo Botelho.
No relatório consta também, que Gilmar Fabris ligou no dia em que foi preso para o ex-senador Jaime Campos, para Eraí Maggi (PP) e para o governador Pedro Taques (PSDB). Taques retornou a ligação ao parlamentar e conversaram por quase dois minutos.
A perícia ainda constatou que o aplicativo WhatsApp foi apagado do celular do deputado no dia 10 de setembro. Porém, a PF conseguiu recuperar alguns registros de chamada.