Longe da utopia conservacionista, a luta pela valorização da floresta tornou-se uma alternativa real de negócios em Mato Grosso. Após dez anos, atividades econômicas baseadas na preservação da floresta em pé revelam que não derrubar a mata pode ser uma grande opção de renda tanto para grandes quanto para pequenos produtores. Um dos pontos positivos desse mercado é aliar à conservação a geração de renda local.
No início de novembro, durante a Conferência Mundial do Clima da Organização das Nações Unidas – COP 23, em Bonn, na Alemanha, Mato Grosso foi um dos primeiros estados do Brasil que fechou acordos em prol do desmatamento evitado. O mecanismo que possibilita esse tipo de investimento faz parte da Conferência Mundial do Clima que prevê que os países que enriqueceram promovendo a queima de combustíveis fósseis e floresta compensem suas emissões pagando para que nações em desenvolvimento, como o Brasil, emitam menos gases poluentes na atmosfera para suas atividades econômicas.
Em uma reunião no Reino Unido, o vice-governador e secretário de Meio Ambiente, Carlos Fávaro, apresentou a estratégia Produzir, Conservar e Incluir (PCI). Será através desse programa que o banco estatal alemão KfW irá destinar R$ 170 milhões para a proteção das florestas de Mato Grosso. Foram dois contratos. O primeiro, no valor de 17 milhões de euros, já estava acordado para ser celebrado durante a COP. Durante a conferência, Mato Grosso negociou com o governo do Reino Unido o aumento do aporte financeiro. A ministra do Meio Ambiente daquele país anunciou o investimento de mais 23,9 milhões de libras, totalizando aproximadamente R$ 155 milhões. O recurso será operacionalizado via Fundo Brasileiro da Biodiversidade (Funbio).
Esse não será o primeiro negócio verde a ser promovido com apoio do Estado. A proposta é que muitas outras atividades sejam apresentadas durante o Fórum Econômico Mundial que vai ocorrer em São Paulo, em março do ano que vem, para discutir a economia global. “Desta vez vai ser diferente das edições anteriores. A pauta vai focar os negócios sustentáveis, negócios verdes, ou seja, vivemos um novo momento em que a questão ambiental é transversal e fundamental nas políticas internacionais econômicas dos países”, afirmou o secretário executivo da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), André Baby.
Uma das novidades do PCI é tirar o enfoque do combate ao desmatamento apenas das estratégias de comando e controle e repressão, baseadas na fiscalização, para promover a inclusão social e as oportunidades econômicas para os povos que vivem na Amazônia. A proposta é construir alternativas que gerem renda e permitam Mato Grosso a cumprir os compromissos assinados na Conferência Mundial do Clima de zerar o desmatamento ilegal até 2020.
Segundo dados da Sema e da organização não governamental Instituto Centro de Vida, cerca de 90% do desmatamento que ocorre em Mato Grosso ainda é ilegal. O estado também está como um dos campeões das derrubadas no ranking nacional realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em 2016, o estado ficou em segundo lugar, com 1.508 quilômetros quadrados do que foi derrubado na floresta.
“Avançamos muito no combate ao desmatamento, em doze anos reduzimos 87% do que era derrubado. É por isso que estamos participando de iniciativas como a parceria com o Banco da Alemanha. O dinheiro é um prêmio e o reconhecimento pelo resultado da redução de carbono. Mato Grosso chamou a atenção da comunidade internacional quando apresentou em 2015, na COP 21, em Paris, a estratégia PCI, que tem o objetivo geral de reduzir as emissões de carbono e zerar o desmatamento ilegal até 2020”, explica o secretário-adjunto da Sema.
Ouro verde
A extração sustentável de castanha-do-brasil é um dos negócios mais promissores que podem ser financiados pelo PCI. Mato Grosso é o segundo produtor nacional de castanha, porém ainda não explora nem 20% de seu potencial.
A castanha-do-brasil (Bertholettia excelsa) é uma espécie nativa da região amazônica. A árvore chega a medir 50 metros de altura e tem dois de diâmetro. Seu ciclo de vida dura cerca de 500 anos e pode chegar a mais de 1.000. O período de amadurecimento e queda dos frutos ocorre entre os meses de outubro e abril, quando acontece a coleta.
Apenas o projeto Sentinelas da Floresta, localizado no noroeste do estado, extrai cerca de 1.100 toneladas de castanha-do-brasil ao ano. O projeto envolve três terras indígenas e um assentamento de reforma agrária do Incra, em oito municípios, envolvendo uma área de atuação de 875 mil hectares de floresta. A iniciativa foi escolhida pela Sema como uma das dez melhores do Estado e deve receber recursos do PCI via o banco alemão KfW, que chegou a enviar consultores para visitar a região de atuação do projeto.
Além de vender produtos para empresas como a Nature, Mãe Terra e Jasmine, o projeto reverte produtos da sociobiodiversidade para pelo menos 42.000 crianças de oito municípios, parte delas, em risco de insegurança alimentar e nutricional. Só no noroeste do Estado a castanha-do-brasil gera renda para 250 famílias, a maioria das pessoas que atuam com o beneficiamento do produto são mulheres.
O projeto nasceu há dez anos, no Assentamento Vale do Amanhecer, no Juruena, em Mato Grosso, motivado por um grupo de assentados que desejavam justamente produzir produtos florestais não madeireiros. Juntos eles fundaram a Cooperativa dos Agricultores do Vale do Amanhecer (Coopavam).
Em quase quatro anos de atuação, a Coopavam envolveu um grupo importante de parceiros governamentais, iniciativa privada e da sociedade civil organizada. Nesta rede de parceiros a Coopavam conta com: Incra, Conab, Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnud) , a Sema-MT, a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Juruena, a Associação do Povo Indígena Cinta Larga de Aripuanã, a Associação do Povo Indígena Caiaby, o Instituto Munduruku, a Associação do Povo Indígena Apiacá, a Associação de Desenvolvimento Rural de Juruena, a Associação de Mulheres Cantinho da Amazônia, a Jasmine Alimentos Orgânicos, o Frutos da Terra, a Natura Indústria de Cosméticos e diversas outras organizações.
“O mais positivo desse trabalho é valorizar a castanha para quem a colhe na floresta. Os indígenas, em parceira conosco, conseguem tirar até um salário mínimo por dia colhendo castanha. Eles colhem de 100 a 150 quilos por dia e com o preço que está hoje eles conseguem uma renda de até 8 mil reais por mês, e o mais importante é que esse é um dinheiro que fica na economia local, o morador faz uma reserva para o ano e aplica na própria cidade onde adquire eletrodomésticos, roupas e outros bens”, explica Paulo Nunes, coordenador do projeto.
A iniciativa começou em parceira com uma etnia indígena, o povo Rikbaktsa, depois foi para o assentamento até envolver outras etnias, como os Apiaka, Munduruku e Cinta Larga. “Em resumo o que fizemos de uma maneira muito simples: foi uma atividade de boas práticas do manejo. Isso nos possibilitou conseguir a certificação Ecocert, de orgânico e nos impulsionou vender para todo o Brasil e até para fora do país. Foi aí que começamos a investir em infraestrutura para beneficiar a castanha aqui mesmo na região e aumentar o valor agregado ao produto”, explica Nunes.
Antes desse tipo de projeto, a ideia do extrativismo, que envolve percorrer as matas de Mato Grosso para beneficiar a castanha, era uma atividade quase inexistente no estado. O último grande ciclo de produtos florestais remontava aos anos de 1950/60, nos últimos ciclos da exploração da seringa. Depois disso, as únicas atividades possíveis de se promover na floresta eram a derrubada para exploração florestal e a conversão das matas em pastagem para a pecuária. O que explica os grandes números do desmatamento de Mato Grosso entre 1998 e 2004. Com a melhora da qualidade da castanha produzida, os preços aumentaram na região e tornaram-se atrativos para os moradores da floresta e investidores.
Hoje, apenas a empresa de cosmético Natura compra 20 toneladas por ano de óleo de castanha dos parceiros do Sentinelas da Floresta. A torta da farinha que sobra desse processo vira derivados como a farinha, o biscoito, o macarrão e a barra de cereal. “Um ponto interessante é que através dos programas do governo federal parte destes produtos volta para os próprios produtores. Com apoio da Conab, levamos os derivados para 40 mil pessoas na região, o que inclui a merenda escolar, asilos, hospital, e o que foi mais relevante é que conseguimos devolver para nove terras indígenas o produto beneficiado; voltou para eles, o que foi muito importante”, afirma Nunes.
Atravessadores e mudanças climáticas
Um dos problemas do mercado da castanha é a forma como tem sido feita a venda do produto. O preço acaba sendo ditado pelos intermediários e tem muita gente ganhando na intermediação sem sequer trabalhar na extração. Para pagar os atravessadores, o preço da castanha sobe cada vez mais.
A venda por atravessadores faz com que a castanha acabe saindo sem beneficiamento da região. “Isso é muito ruim, eles tiram toda a castanha sem beneficiamento, não geram emprego, não circula capital na economia local e são eles que têm todo o ganho, duas a três vezes, que eles impõem sobre o que a pessoa colhe. É isso que faz com que a castanha chegue com preços tão altos a mercados como os de Belo horizonte e São Paulo”, explica Nunes.
Outro ponto negativo é que os atravessadores acabam interferindo inclusive nos negócios sustentáveis. “Temos pouco capital de giro e eles vêm e compram tudo. Agora já está começando a safra e não dá para competir com eles”, conta o produtor.
A Bolívia, por exemplo, é a maior produtor mundial de castanha, porém 80% dos produtos que são vendidos no país saem do Brasil. E pior: além da perda dos ativos florestais, ainda existem as perdas não contabilizadas com evasão fiscal.
As mudanças climáticas criam novos obstáculos. Em 2015, por conta de uma drástica redução de chuvas em toda a Amazônia, não houve a típica florada da castanha. “Foi uma corrida pela castanha. Tivemos muitos pedidos, inclusive porque somos os únicos produtores certificados. E simplesmente não conseguíamos atender, perdi o número dos pedidos de compra que ficaram sem resposta”, afirma. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) chegou a fazer um alerta sobre a falta de castanha em toda a Amazônia.
Esse ano, com a perspectiva de investimentos do PCI e um período melhor de chuvas, os produtores de castanha estão mais otimistas na região noroeste de Mato Grosso. No ano passado a safra local foi de 120 toneladas , algo como R$ 1,8 milhão. Na próxima, eles estimam que a produção possa chegar a 300 toneladas, ou 150 toneladas de produto beneficiado, que podem render R$ 3 milhões de um dinheiro que ficará nos sete municípios produtores de Mato Grosso.
Os números poderiam ser muito maiores se a população local também explorasse outros produtos, como látex natural, produzido pelas seringueiras que há quatro décadas seguem sem exploração nas matas de Mato Grosso. “É mais um potencial adormecido na floresta. Mas temos muito mais com os incentivos certos poderíamos aproveitar também a riqueza de babaçu que tem nesse lugar, ele tem safra de agosto a dezembro e poderia complementar a renda da safra da castanha”, conclui.
Desmatamento ainda é um grave problema
Um dos desafios para o crescimento da economia da floresta em pé é o desmatamento ilegal. Segundo a Sema, cerca de 1,4 mil quilômetros quadrados do que é cortado em Mato Grosso ocorre de forma ilegal, sem plano de manejo e na maioria dos casos acaba em corte raso, ou seja, na completa devastação da área. O passivo ambiental do estado também é grande, cerca de 50% das áreas de floresta dentro do bioma Amazônia já foi devastado.
Mato Grosso divide com o Pará e Rondônia o posto de campeões do desmatamento na Amazônia. O estado esteve por vários anos no topo do ranking, mas nos últimos 12 anos apresenta grandes índices de redução.
“Reduzimos o desmatamento em 87% e isso é fruto de muito esforço. Foram anos investindo em ações de comando e controle, fiscalização e conscientização, o que nos deu justamente a oportunidade de receber recursos como o do Banco da Alemanha”, explica o secretário-adjunto da Sema, André Baby.
Apesar da afirmação do governo, ONGs apontam que os dados no estado ainda são alarmantes e estão longe de uma situação confortável. “Um dos problemas é que esse desmatamento ilegal, que corresponde a 90% do que é derrubado aqui, pode fragilizar inclusive esses compromissos internacionais”, afirma Alice Thuault, diretora-adjunta do Instituto Centro de Vida.
O Compromisso pelo Desmatamento Ilegal Zero até 2020 foi firmado entre o Ministério do Meio Ambiente e os estados do Acre e de Mato Grosso, e fez parte do lançamento da estratégia Produzir, Conservar e Incluir (PCI) para uma produção estadual sustentável, inclusiva e livre de desmatamento. O alcance desses compromissos tem relevância mundial para a mitigação das mudanças climáticas, já que o país ocupa o ranking de 7º maior emissor global de gases de efeito estufa (GEE) e Mato Grosso fica em segundo lugar entre os estados brasileiros, com cerca de 10% de toda emissão nacional de 2016. As altas emissões vêm principalmente do setor de agricultura e mudanças do uso da terra, sendo 67% do desmatamento e das queimadas e 28% da agropecuária (SEEG, 2017).
Apesar dos acordos assinados, a situação socioambiental de Mato Grosso evoluiu pouco desde 2015. De um lado, a estratégia PCI foi se estruturando, mas do outro faltaram decisões políticas básicas. “O estado precisa de um choque de gestão capaz de garantir a queda do desmatamento”, diz Alice.
Entre os instrumentos fundamentais para isso está o protocolo de rastreabilidade do Instituto Mato-grossense da Carne (Imac) ou a disponibilização de informações de forma transparente para o controle das atividades produtivas, que pouco tem avançado. A própria fiscalização estadual do desmatamento diminuiu significativamente já que até setembro de 2017 somente tinham sido embargados 17% da área embargada de 2016.
“Sem isso, o desmatamento continua num patamar alarmante, acima dos 1,3 mil km²/ano, números que o próprio governador qualificou em Paris de inaceitáveis. Ainda, a taxa permanece marcada por cerca de 90% de ilegalidade e as características do desmatamento demonstram uma aposta na ilegalidade, com 47% das áreas desmatadas dentro do Cadastro Ambiental Rural e um aumento de 37% de polígonos de desmatamento com mais de 100 hectares”, diz Alice. “A doença continua, apenas não estamos mais na linha vermelha”, conclui.
O secretário-executivo da Sema afirma que o combate ao desmatamento em Mato Grosso depende justamente das iniciativas de geração de renda, como o projeto Sentinelas da Floresta.
“O desmatamento migrou para áreas menores e está justamente em áreas onde vivem os pequenos produtores. Não podemos chegar nessa região embargando as áreas e deixando as pessoas, que já são carentes, sem ter como viver”, explica André Baby.
Segundo o secretário, grande parte do que é derrubado de floresta em Mato Grosso está atrelada à falta de oportunidades. “Temos que chegar com a mão da educação ambiental e dar oportunidade. Até concordo que com um grande produtor, que tem advogado e recursos, não tem como chegar diferente. Nesse caso, deve existir a sanção da multa e do embargo. Mas são tratamentos que não podem ser iguais”, explica.
O investimento na economia da floresta é uma solução para essa situação. “Vamos investir muito no noroeste do Mato Grosso, justamente para agregar valor não só na produção como também no desdobramento da castanha, casos do óleo e dos fármacos”, diz Baby. A proposta do estado é justamente criar uma cultura de valorização da floresta em pé.
Agro aliado
Na luta contra o desmatamento, o agronegócio é visto como um aliado. Para a Sema, a possibilidade de intensificação da produção nas áreas degradadas é uma grande oportunidade de aumentar a produção agrícola e seguir com os compromissos assumidos na Conferência Mundial do Clima de zerar o desmatamento ilegal.
O programa ocorre em 14 propriedades rurais em um dos maiores polos de pecuária no norte de Mato Grosso. Nessas fazendas, foi testado um novo modelo produtivo de gestão integrada da propriedade.
As intervenções foram baseadas na aplicação das Boas Práticas Agropecuárias (BPA) para Gado de Corte, da Embrapa. Os resultados demonstraram a viabilidade desse modelo, com forte melhora na produtividade, lucratividade, qualidade da produção e sustentabilidade ambiental.
A proposta é investir em tecnologia para aproveitar as áreas abertas. O projeto Novo Campo é um exemplo de como esse tipo de ação pode ser bem-sucedida. “Restabelecemos 10 mil hectares de pastagem degradada e aumentarmos a produção em Alta Floresta de uma cabeça de gado por hectare para até oito cabeças por hectare”, explica Baby. Um dos resultados desse investimento em tecnologia e uso de novas ferramentas de práticas agrícolas foi que empresas como Mac Donald’s voltaram a comprar carne de Mato Grosso. “A nossa proposta agora é aumentar a atividade de 10 para 100 mil hectares. Esse é um dos projetos que vamos apresentar nos preparativos do Fórum Econômico Mundial que vai acontecer em São Paulo, em março”, conclui.