Ramon Carlini, editor há mais de 27 anos, é sócio da Tanta Tinta Editora, com Elaine Caniato. A Editora é responsável pelo maior número de publicações autorais em Mato Grosso. Natural de São Paulo, é formado em editoração pela Anhembi Morumbi e atuou nas maiores editoras de livros do país.
Carlini mora há 20 anos no estado e luta para divulgar a literatura dos autores mato-grossenses. Em outubro deste ano encabeçou um movimento para questionar a publicação do livro “As Aventuras de Rondon”, feito para o governo do Estado pelo Instituto Mauricio de Sousa, em 2015, ao custo de R$ 312 mil. O custo da publicação e o critério de distribuição foram questionados nas redes sociais. Em entrevista ao Circuito Mato Grosso, o editor falou sobre a polêmica e o mercado literário regional.
Circuito MT – Por que viver de livro em Mato Grosso?
Ramon Carlini – Tentar viver de livro no Brasil parece uma utopia, mas ainda sou privilegiado porque faço o que gosto. Desde 1990 eu trabalho com edição de livros. Participei de um documentário, “O poder da palavra”, que foi apresentado no Cine Teatro, e quando me vi na tela fiquei emocionado. Percebi que nasci para trabalhar com a palavra.
CMT – Essa sempre foi a sua profissão?
Carlini – Sim. Desde moleque, com uns 12 anos eu e o meu pai encadernávamos fascículos [publicação editada em cadernos em ordem numérica] da Abril Cultural. Meu pai, que era contador, fazia isso como uma forma para complementar a renda familiar. Com 16 anos conheci uma amiga que tinha passado em produção editorial na Anhembi Morumbi. Desde então passei por diversos lugares, como o Escritório Brasileiro de Arte – Ebarte, a editora Ática, onde aprendi muito com o Ary Noronha, um cara muito especial. Nos últimos anos em São Paulo eu já trabalhava na Companhia das Letras com impressão e acabamento, o type laser, e em um estúdio que só fazia livros de matemática e física. Isso foi sofrido (risos).
CMT – Como chegou a Mato Grosso?
Carlini – Vim dar uma consultoria, em 1996, e ajudar na montagem da editora da Universidade de Cuiabá, a antiga Unic, a convite do ex-reitor Altamiro Galindo e do Rodrigo Galindo, hoje CEO do Grupo Kroton. Editamos muitos livros e cadernos científicos ali, até o final de 2009, quando começaram a sucatear toda a Universidade. Eles tinham a editora só pra fazer bonito para o Ministério da Educação. No final acabaram com tudo e continuamos aqui com a nossa própria editora, eu e a Elaine. Somos uma dupla e juntos já publicamos uns 600 livros.
CMT – Por que você ficou tão indignado com a história de o governo do Estado publicar um livro sobre o Marechal Cândido Rondon com a Fundação Mauricio de Sousa?
Carlini – Eu fico indignado, me sinto esgotado. Tem tanta gente boa aqui que poderia resolver esse livro com propriedade. Daí você vai falar com o secretário e ele não aceita a sua opinião. Eu não estou dando uma opinião de leigo. Será que eu não tenho uma história? Isso me faz me sentir um bosta. Não que eu deveria fazer esse livro, mas acredito que ele deveria dar essa oportunidade para os historiadores, cartunistas e editores de Mato Grosso.
CMT – Você também questionou os custos das publicações nas redes sociais, não?
Carlini – Sim, aparentemente o custo foi muito alto. Foi o que eu entendi na prova que circulou nas redes sociais. A primeira postagem questionando o livro foi do Ivens Scaff, respondida pela Secretaria Adjunta de Cultura, Regiane Berchieli. Eu tenho isso printado. Ela afirmou que foram pagos para a equipe da Fundação Mauricio de Sousa 250 mil reais pela criação e 50 mil reais para imprimir 320 exemplares. Isso dá 156 reais por impressão. Mas se juntar o preço da criação, custa mil reais por livro.
CMT – Quem teve acesso a esse material impresso?
Carlini – Não sei, eu nunca vi. O governo do Estado diz que existe um exemplar disponível na Biblioteca Estevão de Mendonça pra quem quiser ver. Acho isso complicado.
CMT – Qual o custo para editar e imprimir um livro de alto padrão?
Carlini – Em 2008, eu publique o meu projeto mais caro, “Cuba de Che: 50 anos depois da revolução”, do fotógrafo Izan Petterle. Gastamos mais de 70 mil reais e isso porque rodamos na Ibsen e usamos uma técnica indicada pela designer Cris Veit, o “FullBright”. Hoje pra fazer um livro de qualidade, como o que vamos editar do fotógrafo Rai Reis sobre Cáceres, vamos gastar 120 mil reais, para imprimir 2 mil exemplares. Mas tem livro de arte, por exemplo, como o que fiz também para o governo do Estado, “O Brasil pelos Brasileiros”, que mesmo com o encarte de CD custou 80 mil reais para imprimir mil exemplares, ou seja 80 reais por livro.
CMT – Você diz que editou mais de 600 livros. Como é esse mercado de livros em Cuiabá?
Carlini – Tem a editora da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso) que é focada nos livros acadêmicos, a Entrelinhas, da Maria Teresa Carracedo, que publica coisas lindas e de alto padrão, e nós a Carlini, que é a que mais edita em Mato Grosso em quantidade de autores e livros.
CMT – Quantos livros vocês editam por ano?
Carlini – Fico meio perdido com isso… Ano passado foram 46 ou 56. Este ano já perdi as contas. É muita 6coisa que fazemos.
CMT – Que tipo de literatura se produz aqui no Estado?
Carlini – Isso eu queria deixar claro. Aqui não é regional. Aqui é literatura brasileira produzida em Mato Grosso.
CMT – Qual a diferença?
Carlini – Ela é universal. Aqui temos autores como Eduardo Mahon que escreve sobre literatura fantástica. Cristina Campos, autora que escreve sobre Manoel de Barros e o Luiz Renato, que escreve sobre Mato Grosso e o Sertão do Cariri.
CMT – Como é o processo do autor? Eles têm algum retorno financeiro com essas obras?
Carlini – Eu falo que nós que curtimos livros e editamos, somos o povo do livro de Mato Grosso. Sempre falo isso. E aqui (na editora) é a casa do autor. Ela está aberta, ele pode usufruir da casa, fazer uma parceria. Eu pago a metade das despesas da editora, e eles a outra metade.
CMT – Quais despesas?
Carlini – As despesas do livro. A preparação dos originais, a revisão, a diagramação, a criação de capa, os artistas, o capista, a impressão, o frete, os custos de estoque e a manutenção da editora. Aqui tem o seguro, o aluguel, a luz, o extintor de incêndio, o software, os impostos todos, os funcionários e muitas outras despesas. Tem livros em que investimos nosso dinheiro e apostamos mais, apesar de hoje não termos feito mais, porque arriscamos capital e muitas vezes não temos retorno.
CMT – Mas com esses números, o valor oferecido nos editais públicos – 30 mil reais – de prêmio para os autores parece não ajudar muito. Eles conseguem publicar seus livros com esse investimento?
Carlini – É um bom valor, acho significativo. Na verdade, eu editei oito livros dos dez que ganharam o ultimo edital público. Acredito que esse dinheiro dá e sobra.
CMT – Mas esse valor paga apenas a publicação e não o autor?
Carlini – Dá para custear tudo. Afinal, o autor procura a editora que quiser. Houve autores que investiram a metade do valor e ficaram com a outra metade como o pagamento da criação. Outra autora fez questão de gastar tudo na edição. Acho que para as categorias crônicas, romance e poesia R$ 30 mil é bom. Agora para a categoria de pesquisa tem que ter um valor maior. Se eles revissem isso, já seria um grande incentivo para o mercado. Outra coisa boa que vi no prêmio de Mato Grosso é que tem muita ética e lisura na seleção das obras. Chegaram livros muitos bons em minhas mãos.
CMT – E existe mercado da literatura ficção em Mato Grosso?
Carlini – É o que já estamos conquistamos. Hoje, já estamos sendo aceitos nas escolas particulares. Isso é muito legal, o professor Leão, do Colégio Maxi, me pede sempre indicação de bons autores e eles usam com os alunos nas aulas. A escola fez isso no ano passado e foi um sucesso. O autor foi lá autografar o livro, e foi muito especial.
CMT – Quem seriam os novos talentos do estado?
Carlini – Que pergunta complicada… Espero não esquecer ninguém, mas acho que o Luiz Renato de Souza, o Eduardo Mahon, a Cristina Campos, o Alexandre Tarelow são todos grandes escritores. Tem o Fernando Gil Paiva Martins e a Marta Cocco, e temos na área da poesia o Odair de Morais, e uma menina nova que acho surpreendente, a Stéfanie Medeiros.
CMT – Mas quem é o público que lê a literatura feita em Mato Grosso? Onde está esse publico? Como ele tem acesso a essa literatura?
Carlini – Está mais nas escolas, mas falta espaço.
CMT – Faltam espaços para a divulgação da literatura ou interesse?
Carlini – Falta divulgação, falta biblioteca pública. Sei que vão dizer que tem a Biblioteca Estevão de Mendonça, mas mão adianta nada ir na lá e não ter os livros de Ricardo Guilherme Dicke.
CMT – O Ricardo Guilherme Dicke foi um autor mato-grossense muito premiado e celebrado nacionalmente que fez mais sucesso fora do estado. Existe a chance de esse tipo de literatura ser redescoberta pelas novas gerações daqui?
Carlini – É uma das minhas lutas. Foi o professor Mário Cezar Silva Leite, pós-doutor de literatura da UFMT, que me apresentou Dicke, e ele não publicava há um tempo. Daí nós coeditamos o livro “Toada do Esquecido & Sinfonia Equestre”. Isso foi em 2006, em 2007 fiz uma nova edição de “Madona dos Páramos”. Quando o Paulo Pitaluga foi secretário de Cultura, ele nos apoiou com um financiamento para editarmos mais quatro livros inéditos do Dicke. Ao todo, já editei seis livros dele e queria editar mais.
CMT – Você acredita que governo tem que dar esse empurrão para ajudar a literatura de Mato Grosso?
Carlini – Acho que o mínimo a se fazer, que não tem sido realizado, é a manutenção e a construção de bibliotecas em todas as escolas públicas. Esses precisam ser lugares agradáveis para que os jovens frequentem. E ali precisam existir dois ou três exemplares de livros bons editados aqui. Se fizessem isso aqui, o mercado reagiria, gerariam muitos empregos. O barato é incentivar o leitor, e é possível. Toda criança estimulada acaba gostando, temos que dar oportunidade.
CMT – As escolas não dispõem de boas bibliotecas?
Carlini – Eles contestam, mas eu como editor não vejo isso acontecer. Não vejo as bibliotecas bem aparelhadas. O que vejo são os secretários falando de tecnologia, de livros digitais, de parceria com a Fundação Bill e Melinda Gates (do bilionário da computação Bill Gates). O nosso é tão humilde que não teve acesso a nem um livro, como obterá conhecimento através da tecnologia? Primeiro dê acesso ao livro, depois à tecnologia.
CMT – Como mudar isso em um mundo em que a literatura parece esquecida? Falam até do fim dos livros impressos e que a literatura de verdade é a do século XX, não?
Carlini – Não concordo, pois os livros nunca vão deixar de existir. E mesmo no Brasil temos grandes escritores, como o Joca Reiners Terron, que é cuiabano, e um baita de um escritor nacional, o Cristóvão César Tezza e muitos outros. Lembro quando surgiu o CD-rom, quando comecei minha carreira na década de 1990. As pessoas falavam que o livro iria acabar, eu dizia que ninguém supera Gutemberg. Desde o cro-magnon tudo tem que ser impresso. E se não for impresso, o conhecimento vai se perder e se distorcer.
CMT – Por que nunca criou um espaço para vender os livros da editora?
Carlini – É o meu grande sonho ultimamente. Sempre quis, mas faltava capital. É um sonho ainda. Quero que os leitores encontrem os autores ali. E que ela crie mecanismos de sustentação além dos livros, como a venda de produtos associados como quadros, canecas, a arte de livro na forma de um pôster, essas coisas. Mas ainda preciso de parceiros que apoiem a ideia desse espaço.