A ex-presidente argentina e recém-eleita senadora Cristina Kirchner negou nesta quinta-feira (26) à Justiça que tenha encoberto os iranianos suspeitos de atentar contra uma associação judaica de Buenos Aires em 1994 e acusou o governo de Mauricio Macri de usar o Poder Judiciário para perseguir opositores.
Convocada pelo juiz Claudio Bonadio, a ex-presidente compareceu nesta quinta-feira aos tribunais federais de Buenos Aires para prestar depoimento pelas acusações feitas contra ela e outros integrantes de seu governo pelo procurador Alberto Nisman em janeiro de 2015, dias antes de ser encontrado morto.
O procurador afirmava que um acordo assinado entre Argentina e Irã em 2013 para investigar conjuntamente o atentado, que deixou 85 mortos e segue sem culpados, buscava realmente encobrir os suspeitos do ataque, entre eles o ex-presidente iraniano Ali Akbar Hashemi Rafsanjani e o ex-chanceler Ali Akbar Velayati, para favorecer a relação comercial bilateral.
"Querem calar a oposição no Parlamento. O governo está por trás disto com os seus operadores judiciais", disse à imprensa a ex-chefe de Estado, já processada três vezes – duas delas por corrupção -, um dia depois da detenção de seu ex-ministro de Planejamento Federal, o deputado Julio de Vido, acusado de corrupção.
"Não tivemos nenhum outro propósito ao assinar o Memorando de Entendimento a não ser conseguir um avanço mediante a tomada de declarações dos acusados iranianos, a única forma para a investigação em curso sair do ponto morto em que se encontra", expressou a ex-presidente em texto apresentado ao juiz.
Cristina Kirchner ressaltou que o acordo foi então aprovado pelo Congresso, que tem essa capacidade como Poder Legislativo, e defendeu que a Constituição concede faculdades ao Poder Executivo para "dirigir as Relações Exteriores".
O acordo bilateral contemplava criar uma comissão de especialistas para revisar a causa do atentado e o deslocamento do juiz argentino encarregado do caso a Teerã para interrogar os suspeitos, já que na Argentina não é aprovado o julgamento à revelia.
No entanto, o Irã nunca chegou a ratificar o tratado, que foi declarado finalmente inconstitucional por um tribunal argentino. Por isso, para a ex-presidente, "nunca pôde produzir efeitos jurídicos".
Julgamento
Depois de 23 anos do ataque, ninguém cumpre pena pelos incidentes: um processo julga 12 pessoas, entre elas o ex-presidente Carlos Menem, por irregularidades no primeiro julgamento pelo atentado, que terminou com a declaração de nulidade da investigação e a absolvição dos policiais argentinos acusados.
A ex-governante questiona o juiz Bonadio por supostamente ter envolvimento com o "encobrimento" do atentado à AMIA "como parte" do governo de Menem, por ter paralisado o caso durante anos e por ter sido "denunciada" por Nisman por supostamente querer separar o procurador da investigação.
Após a morte do procurador, em circunstâncias que continuam sendo investigadas, a denúncia foi rejeitada, mas o caso foi reaberto no final de 2016 e posteriormente unificado com outro por suposta traição à pátria, também com eixo no polêmico acordo.
Cristina Kirchner é a última das 15 pessoas chamadas a depor, depois de terem prestado depoimento nos últimos dias o ex-chanceler Héctor Timerman e o ex-secretário legal e técnico da presidência Carlos Zannini, entre outros.
'Perseguição'
A ex-mandatária, que no dia 10 de dezembro assumirá um assento no Senado obtido nas eleições legislativas do domingo passado, denunciou que tanto ela como Timerman foram "vítimas de difamações e fustigação" quando o seu único objetivo era que os responsáveis fossem processados.
"A única traição à pátria que há é utilizar (o governo) para um Poder Judiciário como o que está aqui para perseguir opositores", comentou a ex-presidente após sair dos tribunais.
O atentado contra a AMIA, que a comunidade judaica atribui ao Irã e ao grupo xiita Hezbollah, foi o segundo ataque contra judeus da Argentina, depois que 29 pessoas morreram em 1992 com a explosão de uma bomba em frente à Embaixada de Israel.