Uma operação da Corregedoria da Polícia Militar prendeu o comandante da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) do Caju, na quarta-feira (11). A ação fez parte de um inquérito que investiga o desvio de munições e outros materiais da PM e apreendeu mais de 1.500 cápsulas de diversos calibres na sede da unidade, que fica na zona portuária do Rio. Além do comandante, outros três policiais foram presos e armas, drogas e granadas foram apreendidas.
Essa é apenas uma das ações que apreenderam munições nos últimos quatro anos no Rio de Janeiro. Uma pesquisa recente do Instituto Sou da Paz aponta que de janeiro de 2014 a junho de 2017 foram apreendidas 548.777 munições, quantidade que corresponde a uma média de 430 disparos por dia.
De acordo com o relatório, a média mensal de apreensões apresentou aumento constante ao longo dos anos, mas 2017 apresentou os menores índices — exceto nos meses de janeiro e maio. Em contrapartida, dados da segurança estadual apontam crescimento na violência este ano. A contradição dos números seria resultado da crise do Estado do Rio e as dificuldades enfrentadas pela área de segurança.
Segundo o ISP (Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro), os casos de letalidade violenta — que englobam crimes de homicídio, latrocínio e mortes em operações policiais — aumentaram cerca de 14,7% no primeiro semestre deste ano.
Se comparar mensalmente, o mês que registrou maior índice de letalidade é foi o mês de fevereiro, com 28,1% a mais de casos que em 2016. Por outro lado, a pesquisa aponta que neste ano, fevereiro teve o menor índice de apreensões, enquanto 2016 teve o segundo maior índice dos últimos quatro anos.
Apesar de parecer haver relação direta com o aumento da violência, a pesquisa mostra que "seria esperado que as apreensões seguissem crescendo", já que há maior disponibilidade de munições ou pela "necessidade de dedicar mais esforços a essa questão".
Para o coordenador da pesquisa e gerente de Sistemas de Justiça do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, a queda na apreensão de munições está diretamente ligada com a crise do Estado, que tem atrasado pagamentos de benefícios e salários de diversas categorias, incluindo a área de Segurança. Ele vê essa queda nas apreensões como "surpreendente e preocupante".
— Você ter uma queda de produtividade nessas operações é um pouco preocupante e muito provavelmente está relacionado com essa questão da crise fiscal no Estado. Então você tem atraso no pagamento dos policiais, problemas no pagamento dos bônus nos programas de meta. São pontos que provavelmente impactam no resultado que a polícia consegue obter.
Desvio de munições
Langeani destacou o grande volume de apreensões de munições nacionais. Em 2014, único ano que identificaram as marcas das munições, 42% das balas apreendidas foram fabricadas no Brasil. Em novembro daquele ano, a Polícia Civil encontrou um grande arsenal de munições para abastecer uma facção criminosa que atua na comunidade da Vila Vintém, em Realengo, zona oeste do Rio de Janeiro. Armas, fuzis, metralhadoras e pistolas foram apreendidas junto com 6.674 cápsulas para abastecer diferentes tipos de armas.
Todo esse material foi encontrado na garagem de um condomínio onde morava o militar da Marinha Ronaldo Severino Pereira, de 44 anos. Ele foi preso e confessou que guardava o material para a facção criminosa e recebia em troca um salário semanal de R$ 2 mil reais.
Segundo o coordenador do estudo, boa parte das apreensões das munições nacionais foram realizadas com agentes da segurança pública, o que pode ser ilustrado com os dois casos citados anteriormente.
Para ele, uma medida para diminuir os desvios é realizar um rastreamento dessas munições apreendidas. Langeani diz que muitas das munições apreendidas têm os lotes registrados no laudo da perícia, o que facilitaria o caminho para as fontes do desvio.
— Geralmente é comum que as polícias deem a apreensão como o final do processo. "Já tirei essa arma de circulação, já tirei essa munição de circulação, meu trabalho está feito". Só que isso não é verdade. Se a gente consegue ter um salto qualitativo para tirar essa munição de circulação, mas saber de onde ela está sendo desviada e fechar esse canal de forma definitiva, você vai reduzindo o fornecimento de munição pro crime e com isso tem um impacto bem significativo na segurança.
O coordenador do estudo criticou a forma como a fabricação e a fiscalização dessas munições são realizadas, já que um grande número vai parar nas mãos do crime.
— A gente teve um grande debate entre governo federal e governo estadual sobre quem deveria fazer o que e a gente vê que um importante trabalho de fiscalização, que é de responsabilidade legal do Exército, que é a questão de fiscalizar a fabricação e a comercialização da munição, não tá sendo bem feito quando a gente vê que tá chegando mais de 40% da munição nacional na mão do crime.
Procurado pela reportagem, o Exército informou que "as atividades de fabricação, utilização, armazenamento, importação, exportação, desembaraço alfandegário, tráfego e comércio de Produtos Controlados pelo Exército (PCE) estão sujeitas ao controle do Exército Brasileiro por meio do Sistema de Fiscalização de Produtos Controlados (SisFPC), dentre as quais as munições. Ou seja, toda fabricação e comercialização só podem ocorrer mediante a autorização específica do Exército Brasileiro".
A corporação também informou que realiza operações integradas com as forças policiais locais para coibir o comércio ilegal e o desvio dessas munições. Em junho, por exemplo, o Exército afirma ter realizado uma ação em todos os Estados na qual foram fiscalizadas cerca de 850 empresas, levando à apreensão de 321 mil munições, 109.500 espoletas e 633 armas, tendo sido empregados cerca de 1.500 militares e agentes policiais e fiscais.
Regiões violentas x maiores apreensões
A pesquisa aponta as cinco regiões onde há o maior número de apreensões e a relação com o número de homicídios. De acordo com o estudo, as regiões do Estado que apresentaram as maiores apreensões e os maiores índices de letalidade violenta nos últimos quatro anos foram Irajá e Vila da Penha, na zona norte da capital; Araruama e municípios adjacentes da Região dos Lagos; a região da Vila Militar, na zona oeste da capital; o município de São Gonçalo; e a região de Campos de Goytacazes, no norte fluminense.
O mapa abaixo mostra os municípios e bairros que compreendem cada região e os índices de apreensões e de letalidade violenta.