Independência é a dissociação de um ser em relação a outro do qual depende. É o estado de liberdade ou autonomia. Justamente em razão disso que as escolas de Mato Grosso vêm proporcionando aos alunos o poder de controle e liberdade, principalmente àqueles com necessidades especiais ou múltiplas limitações.
A metodologia passou a ser aplicada há cerca de 10 anos no estado, quando a rede brasileira de ensino foi obrigada a implementar a política de inclusão social.
Inicialmente, a medida começou a valer como forma de capacitação e especialização dos profissionais. No entanto, anos mais tarde o Ministério da Educação (MEC), com dados importantes e estudos de instituições referência e até internacionais sobre comportamentos, sentiu-se a necessidade de avançar na qualidade da pedagogia. Para isso, foram criadas as unidades direcionadas para a educação exclusiva, sendo que em Mato Grosso há cinco delas.
Nesses locais são abrigados alunos com deficiências físicas e psicológicas, do berçário ao ensino médio regular. As unidades estão localizadas nas cidades de Várzea Grande e Cuiabá, mais o Centro de Apoio e Suporte à Inclusão da Educação Especial (Casies) – que é responsável por oferecer a capacitação dos professores e demais gestores das unidades.
Fazem parte da rede inovadora as escolas Raio de Sol, Livre Aprender, Professora Célia Rodrigues Duque, Luz do Saber e o Ceada (Centro Estadual de Atendimento e Apoio Professora Arlete Pereira Miguelette).
Segundo o coordenador de Educação Especial da Secretaria de Estado de Educação (Seduc), Marcino Benedito de Oliveira, as escolas direcionadas realizam trabalho de desenvolvimento do indivíduo, incluindo projetos e estrutura adequada para cada tipo de deficiência.
“As escolas especiais, chamando assim, funcionam trabalhando esses indivíduos, jovens e até crianças, para estar nas salas comuns com a inclusão. Ali é um espaço com equipes multiprofissionais que as demais não dispõem”, explica.
Conforme o educador, que é deficiente visual, o aprendizado nessas escolas vai além da grade curricular.
“Elas [escolas] vão além daquilo, porque há projetos embutidos na matriz curricular que atendem paraolímpicos e trabalham educação física adaptada, na forma diferenciada. Temos a horta, biblioteca, entre outros”, salienta.
Ainda conforme o coordenador, a diferença entre as comuns e as direcionadas está somente no atendimento oferecido pelos profissionais. “Na verdade o que diferencia é que na especial tem um corpo de profissionais que atende com mais intensidade e proximidade os alunos”.
Estímulo à capacidade e à independência
O professor mestre e doutor em Políticas de Educação, formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG) Paulo Santos, que também é coordenador da Organização Curricular da Secretaria Municipal de Educação de Cuiabá (SME), destaca que a diversidade e a legislação federal asseguram o direito ao cidadão de acesso à educação e que a ideia é deixá-los independentes e capacitados. Entretanto, cada um trabalhado na sua especificidade.
“Nossa política municipal de educação é amparada em nossas resoluções internas locais, mas, sobretudo, nas diretrizes nacionais de políticas públicas. Então, somos orientados por essas diretrizes. Nós formamos um sistema próprio para poder legislar, mas ainda amparados pelas leis federativas. A ideia é de que o profissional dê o apoio necessário, para que aos poucos essa criança vá ganhando autonomia, tanto de locomoção quanto de orientação, no sentido de vida adulta”, contextualiza.
O especialista frisa o papel da família em estar inserida nesse contexto, para não afetar o desenvolvimento da criança ou do adolescente, uma vez que os estímulos ficam mais evidentes na memorização das atividades.
“O município de Cuiabá tem trabalhado há quase duas décadas no sentido de envolver a comunidade e a família no processo de escolarização, seja o aluno com deficiência ou não. Então já faz parte da política da cidade fazer esse processo de família na construção do projeto pedagógico, ninguém melhor que os pais para relatar o problema dos filhos”, diz.
Outro fator ponderado pelo especialista é a proposta de equipe multiprofissional, grupo esse formado por um conjunto de diferentes profissionais em busca de um objetivo comum.
“No atendimento na sala multifuncional a equipe vai tentar superar aquelas dificuldades com que a criança se defronta naquele momento. São formações, direcionamentos específicos para aquela criança. No geral, a gente tem feito esse trabalho de inserção”, disse.
Referência em educação especial
Referência de ensino e desenvolvimento de alunos portadores de necessidades especiais, a Escola Estadual Raio de Sol, localizada na Rua Rio Manso, bairro Grande Terceiro, em Cuiabá, foi implantada em 2009, na época em um prédio alugado e em condições precárias.
Hoje bem mais estruturada, segundo a diretora Eloína Okazaki Rodigheri, vive sua melhor fase em virtude do investimento feito na instituição.
“Nossa escola atende alunos com deficiências múltiplas. A diferença é que aqui não é só preocupação em cuidar, mas sim desenvolver um trabalho pedagógico porque somos ‘escolas’ e a coordenação faz todo o acompanhamento”, explica.
Ao todo, são 127 alunos do maternal até a idade avançada, distribuídos em 10 turmas com mais de 60 “cuidadores”. A pedagoga salienta que todos os envolvidos cotidianamente passam por capacitação, desde os serviços gerais até o mais avançado profissional do ensino superior. Também fazem parte do plano específico os projetos voltados para a inserção social, como a brinquedoteca, oficinas e artes e as aulas de Educação Física que são adaptadas, com objetivo de aguçar a capacidade do estudante.
Conforme a coordenadora pedagógica da Raio de Sol, Eni Cambuí, a escola de ensino regular faz um papel fundamental, pois é necessário que os profissionais sejam instruídos para aturar num campo de igualdade, dentro de cada limitação dos alunos. Por isso, é necessário estimular a criatividade nas salas de aula a fim de que o aprendiz tenha força de vontade e motivação para aprender.
“Aqui nós trabalhamos dentro das limitações de cada um. Tem aluno que não consegue escrever porque tem uma deficiência nas mãos, mas isso não significa que ele irá ficar isolado e não vai aprender a ler. Quando isso acontece, o professor tem de usar a criatividade para criar alternativas que permitem com que o aluno aprenda a prosseguir. Isso é respeitar a especificidade de cada um”, pontua.
Apesar da eficiência do serviço, reclama da precariedade dos transportes utilizados pelos estudantes, alguns inclusive saem de Santo Antônio de Leverger (60 km distante de Cuiabá) e atravessam a MT-140 para chegar à unidade.
“Nós temos alunos de Várzea Grande e Santo Antônio de Leverger. Acredito que o único grande problema da escola ainda continua sendo o transporte público, que busca e leva esses alunos para casa”, lembrou.
A diretora Eloína Rodigheri, contudo, explica que não há do que se queixar quanto a outros setores da administração da unidade. Ela ressalta que além de pulso firme é preciso comprometimento e paixão pela arte de ensinar, pois o empenho é parte do desenvolvimento nos alunos através da produção de resultados.
“Aqui só trabalha quem gosta, porque você tem que fazer as suas funções profissionais, mas você tem que fazer seu trabalho de alma. Além do mais, eles [alunos] têm você como referência”, diz.
Escola não é refúgio para portadores de necessidades especiais
Eloína Rodigheri diz que a Raio de Sol é uma escola e não um local de refúgio para portadores de necessidades especiais. Ela frisa que é preciso deixar claro para os familiares e demais responsáveis esta questão.
“A gente tem feito reuniões com os pais para orientá-los a lidar com os seus filhos. A equipe multiprofissional, inclusive, ministra palestras para ajudar no desenvolvimento. Só que aqui é uma escola e temos que deixar bem claro isso”, disse.
Noventa por cento dos alunos fazem uso de medicamentos controlados, tarefa nada fácil no dia a dia. Além do mais, a escola é um ambiente de lazer/social, afetivo e educacional. Em caso de emergência, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) é acionado, bem como os familiares são colocados a par de toda a situação.
A aluna mais velha da instituição é dona Rosália. Ela tem 67 anos e mora em Cuiabá. Com ela, os professores têm mais dificuldade em executar algumas tarefas, como, por exemplo, a Educação Física, pois além de não falar nem ouvir dona Rosália já está muito idosa e não pode acompanhar o mesmo “pique” de outros alunos. No entanto, ela é considerada exemplo de superação para muitos.
Artur, um autista vitorioso
Artur Dias Gonçalves de Oliveira, três anos e cinco meses, foi diagnosticado com autismo no final do ano de 2016. Seus pais relataram ao Circuito Mato Grosso como descobriram a doença até então desconhecida.
A história é impressionante e mostra como as escolas têm papel fundamental na vida dessas crianças. “O meu filho até um ano e oito meses tinha comportamento normal, falava e respondia aos comandos normais. Quando ele chegou aos dois aninhos começou a retardar o comportamento e como ele não tinha outra criança para brincar, não tinha vizinhos, contato com outras crianças, ele parou de falar. Só que nós achávamos que o comportamento dele era devido a esse isolamento normal que já apresentava em casa e depois disso tentamos colocá-lo em uma escolinha para ver o desenvolvimento com outras crianças”, conta a mãe Lucimara Dias Gonçalves de Oliveira.
A gestora em marketing e assessoria de eventos relata a difícil situação financeira pela qual a família estava passando naquele momento e lembra que não fosse pela escola seria praticamente impossível levantar a hipótese da doença.
“A gente até procurou uma escolinha, mas estávamos sem condições, o dia inteiro ultrapassava o valor de mil reais. Tempos depois surgiu o CMEI [Centro Municipal de Educação Infantil] perto e nós fizemos a inscrição, logo fomos contemplados. Foi uma oportunidade excelente, essa creche foi inaugurada em junho do ano passado e na primeira semana ele não se socializou, ficava só pertinho da porta. Mas as professoras me alertaram que isso era normal. No entanto, passado um mês a coordenadora me chamou pra conversar, pedindo minha autorização para acionar profissionais da secretaria no sentido de fazer uma avaliação com ele”, conta sobre o primeiro momento.
Lucimara lembra que a atitude salutar da creche resultou no diagnóstico correto. “Achei até bonito porque tiveram o maior cuidado em falar isso comigo. Na época, eu não tinha dinheiro – como ainda não tenho – e a creche começou a me cobrar, bater duro mesmo, para levá-lo ao especialista: “mãe, leva no médico, seu filho não pode esperar”. No começo até me senti meio pressionada, mas depois eu entendi o quanto foi importante essa pressão, porque se não tivesse sido assim talvez eu não tivesse dado ênfase ao problema” disse.
A dona de casa relata também o momento em que o autismo foi detectado.
“Eu arrumei um dinheiro, paguei a consulta e levei meu filho. Realmente, ele tinha autismo. Então essa insistência da creche foi muito importante, esse estímulo que eu tive, essa atitude desses profissionais, talvez eu não tivesse dado tanto importância e poderia atrasar por mais tempo”, contou.
Hoje Artur consegue desenvolver, sozinho, inúmeras atividades e assim ele está amplamente inserido na inclusão social.