Cidades

Moradores do Morro da Luz relatam vida de vício e relento

Em um incursão no Morro da Lua, onde dezenas de dependentes químicos estão vivendo após demolição dos imóveis da Ilha da Banana, no Centro de Cuiabá, equipe do Circuito Mato Grosso conheceu histórias de alguns desses personagens da vida real.

Cristina Silva, 34, entrou no mundo das drogas aos 14, desde então os problemas com a família a levaram a morar na rua e se virar para manter o vício. Vinda de Cáceres (212 km de Cuiabá), ela contou que a primeira droga ilícita que experimentou foi o “crack”, e não largou mais.

“Eu estudava e um dia ao sair da escola com uma amiga minha, fomos para a casa dela, os pais dela usavam droga e ela também. Começamos a beber, eu nunca havia bebido e aí experimentei, fiquei bêbada e aí fumamos a pedra (crack), e não larguei mais”, disse Cristina.

Ela se encontrava no Morro da Luz juntamente com outros moradores que foram despejados da Ilha da Banana. Cristina contou que fez até o primeiro ano do ensino médio, depois disso largou os estudos.

“Eu trabalhava, já fui vendedora em loja, sei ler e escrever, mas aí depois que comecei só pensar em droga, abandonei tudo e comecei a viver de vez na rua. Faz 20 anos que saí de casa, no começo ainda conseguia viver e usar drogas, hoje vivo pela droga”, completou.

Muito magra e abatida, ela disse que queria se internar em alguma clínica de recuperação e largar a vida de viciada. Para sustentar o vício atualmente, Cristina se prostitui e também realiza serviços em lojas na região central que sempre abrem as portas para ela fazer faxina.

Por dois dias seguidos a nossa equipe conversou com Cristina. No segundo dia ela estava sendo abordada pela polícia no Beco do Candeeiro. “Todo dia é assim, a polícia chega, aborda e fica enchendo o ‘saco’, às vezes até não estamos fazendo nada, mas eles já chegam nos agredindo e nem querem saber de nada”.

De acordo com ela, o casarão que o governo cedeu a eles não funciona e está todo depredado pela própria polícia que diversas vezes o invadiu. Por isso ninguém quer mais ficar ali, inclusive porque houve incêndio no local que eles têm utilizado às vezes só para tomar banho e nada mais.

“Aqui no morro, é melhor que ficar no casarão, aqui a gente tem mais liberdade, podemos ficar sossegados. Lá polícia ia toda hora. Aqui a polícia sobe só quando alguém rouba lá embaixo e aparece por aqui, aí eles sobem, revistam, quebram as barracas, mas depois vão embora”, completou.

Quando a equipe do Circuito Mato Grosso conversou com Cristina, ela informou que já fazia alguns dias que não comia algo que enchesse, somente usando drogas e bebendo sucos e refrigerantes que sobram ou que transeuntes lhe trazem. “Às vezes, quando a fome ataca muito, é necessário procurar restos de comida no lixo”, disse.

A dona do "morro"

Teresa Ramires, a "dona do Morro". (Foto Ahmad Jarrah/Arquivo/CMT)

Assim pode ser chamada Teresa Ramires, aparentando ter entre 60 e 65 anos, e conhecida como “Velha”. Para a equipe do jornal subir o morro, precisou da autorização dela. Diferente dos outros habitantes,  Velha é a única que tem uma espécie de cama no local.

De poucas palavras, ela é protegida pelos demais. No primeiro dia que fomos ao local, logo fomos informados que teríamos que falar com ela, que aceitou, porém negou que fotos fossem feitas no ambiente. Ela e outros moradores falaram que não estão satisfeitos no Morro da Luz e queriam morar em outro lugar.

“O que fizeram conosco foi uma falta de respeito, nos colocaram para fora dos casarões (Ilha da Banana) que estavam abandonados e não construíram nada e agora não temos onde ficar. Ao menos ali era mais seguro e protegido, de chuva, frio e até os perigos da rua, que tem muita gente que vem fazer maldade com a gente”, disse ela.

Nos casarões da Ilha, ela informa que eles eram mais organizados, os espaços eram divididos e até cozinhavam em fogões improvisados. Ela também diz que tem família e que vez ou outra costumam levar alguma ajuda a ela.

“Eles aparecem de vez em quando, mas nessa vida que vivemos as pessoas raramente querem saber da gente, nem família, ex-amigos e muito menos o governo que está pouco se lixando pra gente. A família que a gente acaba construindo é essa aqui que vive conosco todos os dias”, comentou ela.

A idosa, assim como os demais moradores do local, não assume a prática de furtos, diz que eles vivem apenas com o que as pessoas dão. No Morro da Luz o consumo de crack e maconha é “livre”. Os habitantes nem se importaram com a nossa equipe, fizeram uso de entorpecentes sem preocupação.

O forte cheiro da queima do crack chega a incomodar e o ponto turístico hoje não existe mais na região, pois com a ida dos habitantes para o local, nenhum cidadão tem mais coragem de frequentar os bancos do Morro da Luz ou até mesmo ver o pôr do sol no local.

Por ser muito respeitada, Velha tem regalias, ela tem um problema na perna direita que a faz ficar em uma cadeira de rodas. No tempo em que a equipe permaneceu no Morro da Luz, recebeu propostas dos moradores para comprar drogas, pendrive, colares e pulseiras.

Família do outro lado do estado

Ele se identificou apenas como José, 58 anos, e tem o apelido de “Velho”. Essa é a realidade do homem que se diz pedreiro e está morando na rua há quatro anos. José veio de Goiás há seis anos, onde deixou família e amigos. Chegou à procura de uma vida melhor e de trabalho, porém com o tempo acabou indo morar na rua.

“Eu cheguei aqui trabalhando, consegui emprego de pedreiro, alugava uma casa, mas depois com o uso de drogas fui perdendo tudo e vim parar nas ruas. Eu até tentei depois disso arrumar serviço em algum lugar, mas aí toda minha documentação foi perdida e até hoje não consegui fazer outra”, informou.

Velho disse que a burocracia e a discriminação por ser morador de rua o impedem de tirar um novo documento. Ele ainda informa que nunca recebeu ajuda de assistente social ou alguém que pudesse ajuda-lo a regularizar sua situação.

Ele disse que ainda mantém contato com a família de Goiânia, porém mente a sua real situação de vida em Cuiabá, por vergonha do que eles irão pensar, e até mesmo por medo de que o abandonem de vez.

“Ainda converso, mas sempre digo que estou bem e aqui está tudo bom. Sinto vergonha da vida que levo aqui. Hoje em dia sobrevivo com os que as pessoas me dão na rua, ou como quando as pessoas de igreja sobem aqui no morro para trazer alguma coisa para a gente se alimentar um pouco”, diz ele em voz baixa.

Perguntado se pretendia voltar para a sua cidade natal, ele afirma que sim, porém a falta de dinheiro o impede. Ele informou que a passagem de ônibus para Goiânia está em torno de R$ 250,00 e ele não consegue juntar esse dinheiro, primeiro, porque não tem fonte de renda, depois, porque o pouco dinheiro que entra acaba sendo para o consumo de droga.

De acordo com os habitantes do Morro da Luz (inclusive Velho), o alto consumo de drogas no local é para enganar a fome, pois a droga, segundo estudos comprovados, pode diminuir a necessidade de comer e dormir.

“Quando a gente fuma, tira totalmente o apetite e para a gente que mora nas ruas, tira a vontade de dormir. O maior problema é quando não se tem dinheiro para comprar a droga e ai a fome aparece e também não um centavo para comprar alimento”, completou.

Cristina e Velho, a exemplo de muitos outros, além de pedir, fazem os chamados “corres” para conseguir dinheiro, que é roubando objetos das pessoas que transitam na região e algumas lojas.

No dia da entrevista, tanto Velho quanto Cristina desceram do Morro da Luz com uma lavadora de roupas estilo tanquinho e logo acharam comprador e a venderam por R$ 50,00, valor que dividiram entre si e mais um morador que atende pelo apelido de Pingo.

Esse dinheiro logo renderia ao casal cigarros e pedras de crack. Eles dividem uma barraca improvisada no Morro da Luz, feita de pano em cima e nas laterais.

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Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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