Se o caboclo representa o povo do Brasil, sem sombra de dúvida o Preto Velho representa a alma dos brasileiros. Conforme dissemos, a figura da Criança, do Caboclo e do Preto Velho traz consigo (além do conteúdo filosófico, teológico e psicológico) a marca cultural dos povos que formam o Brasil. Nesse sentido, os Pretos Velhos representam a raiz negra, tão falada quanto incompreendida. Os Negros que para esta terra foram trazidos possuíam uma grande tradição religiosa e espiritual que alcançou até mesmo a cristandade através de Moisés que foi iniciado por Jetro, seu sogro, grande sacerdote da Tradição Negra. Seus conceitos variam de acordo com a tradição local, mas de modo geral é sempre, marcadamente, natural. São cultos similares aos de nossos índios: sempre vendo na natureza e em suas diversas manifestações o Poder Divino.
No dia a dia dos terreiros os Pretos Velhos trazem através de suas manifestações as histórias dos cativeiros, as experiências aprendidas com dor e suor na vida e, muito principalmente, o processo do perdão. As manifestações sempre marcadas por falas simples e linguajar regional escondem o verdadeiro brilho da sabedoria que possuem e que dispõem aos que dela necessitam. Por isso conversam, com calma e com gozo, passando através de palavras enigmáticas intercaladas com a fumaça harmonizadora de seus cachimbos os ensinamentos que cada filho precisa ouvir. Na arte do benzimento, são verdadeiros doutores: picada de cobra, quebranto, mau-olhado, câncer, sinusite, vícios, loucura, não existe limite para a fé nem tampouco para as suas manifestações. Os Pretos Velhos são das figuras mais conhecidas e amadas da Umbanda. Um arquétipo tão conhecido que frequentemente se torna inspiração para as manifestações artísticas de nossa gente, Chico Anysio que o diga…
Embora pareçam, os Pretos Velhos não são exclusividades da Umbanda, já se manifestavam em terras brasileiras muito antes de a Umbanda existir. São, na verdade, figuras tradicionais de nossa espiritualidade nacional, não há um canto do Brasil em que não sejam encontrados, encarnados ou desencarnados. Lidam com o elemento terra como ninguém, afinal de contas, os anos que criaram a sabedoria permitiram também conhecer bem o lugar que pisam, seus benefícios como também seus riscos.
Por mais que se fale dessa figura, certamente ainda nada terei dito. No próximo domingo, 20/08, estaremos ministrando o Curso “Vivência de Pai Velho” aqui em nossa cidade (informações 065 99286-3167) e as histórias que ouvimos daqueles que estarão conosco nesse dia são de arrepiar. Inquestionavelmente os caminhos da fé são inimagináveis e a respeito deles posso copiar Exupéry e dizer: “os caminhos da fé só se veem bem com os olhos da fé”. Eu, que preto sou, mas de velho não tenho nada, só posso confiar e ensinar aquilo que a vida me ensinou, ao menos nisso posso parecer um preto velho, conhecendo, vivendo, ensinando e cantando “levanta cedo, meu filho, vai trabalhar; é devagar, é devagarinho, quem caminha com nego nunca fica no caminho…”. Com certeza!
Saravá!