les acordam cedo e são poucas as vezes que conhecem as palavras “fim de semana” e “descanso”. Por vezes, colocam a cabeça no travesseiro e não dormem, preocupados porque as contas chegam e não batem com o faturamento. O profissional em foco poderia muito bem ser o padeiro responsável pelo pão que chega a sua mesa, o motorista daquele ônibus que você pega ou ainda o segurança que você mal cumprimenta. Mas os agricultores também vivem essa rotina.
Com 52 anos, César Martins já é a terceira geração de agricultores. Como muitos, saiu da Região Sul e veio para o Centro Oeste. Antes, passou por Mato Grosso do Sul, em 1985, e aportou em Mato Grosso em 1996.
Martins cita a renda, a escala e o espaço físico como os principais desafios na rotina do agricultor, mas também afirma que é impossível sair de algo que praticamente nasceu com ele. “Desde criança acompanhava meu pai na lavoura. A partir dos 18 anos já ia para lida mesmo, idade que considero o início da minha vida como agricultor. É de um orgulho sem fim e está impregnado em mim. É prazeroso saber que cheguei em Nova Mutum e de um Cerrado fechado, hoje, é possível retirar alimentos. A lavoura tem esse diferencial de domar uma terra bruta, tirar alimentos, auferir renda, dar emprego e sustentar nossa família”, afirma.
Para André Bonman, 38 anos e técnico agrícola de formação, o desafio na vida do agricultor é sua própria rotina. “O principal desafio é se manter na atividade, porque tem que ser levado em conta o mercado, as políticas públicas, a qualidade da mão de obra. No meu caso, dependo só de mim. Planto, colho, dou manutenção, sou mecânico, eletricista e tenho que cuidar da bolsa de valores. Ainda assim, gosto de ser agricultor. Se você é técnico agrícola, é porque gosta. Assim também é o agricultor. Não tem nada que impeça que as coisas deem errado, mas é ter força de vontade e fazer acontecer. Gosto de ser agricultor e de viver da agricultura”, afirma ele, que planta 172 hectares de soja convencional.
Longe da realeza – Muito longe de serem “barões” do agronegócio, título, aliás, vindo do período monárquico e concedido apenas para a elite da época, o produtor rural mato-grossense lida diariamente com o desafio de um custo de produção quase maior do que seu lucro.
De acordo com levantamento do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea), em relação à safra de soja 2016/17, o custo variável de produção da oleaginosa consumiu 46,68 sacas por hectare, em média, em Mato Grosso. Isso significa 84% da receita total do agricultor. Já no caso do custo total da produção da soja, os números seriam 56,88 sacas por hectare, em média, significando 103% da receita total do agricultor. Sim, isso mesmo: 103%, o que significa mais gastos do que lucro.
E essa é só uma parte. “O clima é uma variável que não é possível prever, por exemplo. Devido à seca ano passado, nossa média por hectare foi de 49 sacas", afirma Aldair Dalla Costa, 27 anos, que mora em Nova Nazaré, na região leste de Mato Grosso, local bastante afetado pela seca em 2016.
Aldair é a segunda geração da família já nascida no estado. Ao lado do pai, que chegou em 1975 do Paraná, da mãe e do irmão, eles produzem 317 hectares de soja e 120 hectares de milho. Com a área, são considerados pequenos produtores, realidade da maioria dos agricultores de Mato Grosso.
Em um universo de aproximadamente 5 mil produtores de soja no estado, 30% plantam até 500 hectares; 21,7% plantam de 501 a 1.000 hectares; 26,6% plantam de 1.001 a 2.500 hectares; 17,2% plantam mais que 2.500 hectares e apenas 4,5% plantam mais que 10.000 hectares.
“Não somos barões da soja. Esse nome é ruim. A realidade do agricultor não é essa. A maioria é pequeno produtor”, diz Angelim Ottoni Gugel, 60 anos e que cultiva cerca de 1.000 hectares de soja, além de arrendar uma parte de sua propriedade para obter um lucro de outra fonte.
Gugel é de Espumoso, no Rio Grande do Sul, e veio a Mato Grosso sozinho, aos 29 anos. De uma família de agricultores, chegou a Lucas do Rio Verde quando sequer existia cidade. Aqui fez família e um casal de filhos, ambos com graduação, diferente dele, que não chegou à faculdade. “Mato Grosso era difícil, não tinha asfalto, não tinha energia. Banco era só em Diamantino [cerca de 220 quilômetros de distância]. Não foi fácil, mas persisti”, define.
Com história parecida, Sestílio de Marco, 62 anos, conta que foi um dos pioneiros de Lucas do Rio Verde. Cultivando 890 hectares de soja atualmente, ele está longe de projetar um descanso e sabe que a agricultura pode enfrentar outros desafios.
“O que está havendo agora é um acúmulo de soja. Devido aos preços ruins, ainda temos soja e já vamos colher milho, mas não tem espaço para armazená-lo. Uma coisa vai atrapalhando a outra. Em anos anteriores, a soja já tinha saído. Além disso, muitos já começaram a colheita do milho com grãos avariados, que fazem os preços ficarem super baixos. Outra preocupação é com a cigarrinha, uma praga que já está fazendo um dano fora do sério e, em um futuro próximo, pode inviabilizar a produção de milho”, avalia.
Questionados porque, então, insistem em algo que demanda tanto, seu Angelim é certeiro. “Não tem como mudar de estrutura de vida. O agricultor nasceu para trabalhar na roça”.