Membro da comissão que elaborou o projeto de reforma trabalhista, o juiz federal Marlos Augusto Melek está no centro da polêmica que coloca empregadores e empregados de lados opostos na disputa de mudança que mexe na legislação trabalhista. Em defesa de uma postura “meritocrática” e “republicana”, ele diz que a implantação de novas regras para o trabalho é somente a ponta de um iceberg que integra estrutura de privilégios e absurdos que travam o crescimento do país.
A reforma trabalhista encerrou na semana seu trâmite no Congresso Nacional e foi sancionada na quinta-feira (13) pelo presidente Michel Temer, com duras críticas e sindicatos trabalhistas, juízes e a boa parte da sociedade que reclamam de "desmonte" de direitos previstos na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas).
"Reformas são necessárias no Judiciário, na política e em vários outros setores. Temos mais de 15 reformas para ser feitas". Sua posição sobre a reforma tem gerado conflitos com magistrados e representantes sindicais, Melek, no entanto, diz ver o conflito "algo natural da democraria", mas é ao dizer que no Brasil e em outros países existem mais discursos artificiais, que não lidam com questões pragmáticas – algo que, segundo ele, acontece até mesmo na Justiça do Trabalho.
Em entrevista exclusiva a Circuito Mato Grosso, ele diz que as críticas contra a reforma estão, em grande parte, desligadas da realidade e que o problema “ideológico” atrapalha uma compreensão mais concreta do tema.
Circuito Mato Grosso – Quais as mudanças que a reforma trará para o trabalhador?
Marlos Melek: A lei da reforma trabalhista é uma revolução no país, o segundo projeto com mais mudanças, 209 no total, que vem para mudar a CLT que é de 1940, do tempo de acendedor de lampião de rua. Não tira direito de ninguém. Ela revoluciona porque valoriza a meritocracia, dá um choque de gestão no direito do trabalho do Brasil, trata a relação empregador-empregado com mais equilíbrio. A CLT de hoje trata a Petrobras e a padaria de bairro da mesma forma, a lei hoje incentiva o conflito: ou o empregador manda embora ou o empregado pede demissão. Em uma se ganha tudo e na outra se perde tudo. É oito ou oitenta. A nova lei pretende convergir.
CMT: Cite um tipo de desequilíbrio, por favor.
Marlos Melek: Estou cansado de ver microempresário reclamar de encargo que se tem que pagar. Apesar de estar tudo correto, ela ainda precisa pagar 15 mil, 20 mil reais ao empregado por determinações salariais da Justiça. Verdadeiros absurdos são contemplados pela lei e que eu critico. A empresa, pela matemática da Justiça do Trabalho, é condenada a pagar por várias leis de natureza salarial no caso de um funcionário fazer meia hora a menos de intervalo, mesmo que seja a pedido do empregado, por um motivo pessoal.
CMT: O que a nova lei estabelece?
Marlos Melek: O exemplo do intervalo, por exemplo, ficou mais razoável, dentro da realidade da matemática do dia a dia do trabalho. Se o trabalhador quer sair mais cedo, ele pode fazer, mas a empresa não pode obrigá-lo. E mesmo assim o sindicato tem que concordar, que de repente o local aonde vai se alimentar é muito longe e mesmo que ele quer fazer o intervalo a menos, o sindicato terá que dizer que não pode porque ele precisa se alimentar e descansar. A lei não tira direito de ninguém, pelo contrário, cria novos direitos para os trabalhadores.
CMT: Qual é sua avaliação das críticas que dizem que os trabalhadores não foram ouvidos na montagem da reforma?
Marlos Melek: Não é verdade que os trabalhadores não foram ouvidos. Somente na Câmara Federal tivemos 16 audiências, depois veio o Senado. Eu fui sabatinado duas vezes, em sessões de mais de sete horas, ao lado de representantes do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) e da CUT (Central Única dos Trabalhadores). Como os trabalhadores não foram ouvidos? O problema é que a ideologia colocada por representantes dos trabalhadores está muito desconectada da proposta de modernização do Brasil.
CMT: Qual proposta teve polêmica entre ideologia e realidade, como você diz?
Marlos Melek: A Lei de Terceirização é um exemplo. Nenhuma central do trabalhador quer a terceirização, e eu reconheço que é um assunto delicado. Mas por que é ruim a terceirização? Dizem que os trabalhadores recebem menos. Mas qual é o dado que prova isso? Se percebermos a estrutura de uma empresa, temos a direção, a gerência e no final da hierarquia as pessoas que servem o cafezinho e fazem a limpeza, que recebem menos porque são terceirizadas. Mas elas recebem menos porque desde 1967 uma lei limita a terceirização a atividades-meio, e isso foi encampado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). A lei nova muda isso, permite a terceirização das atividades principais da empresa. Será que o salário desse pessoal vai ser menor? Só a história pode nos dizer.
CMT: Você está dizendo que terceirização é boa?
Marlos Melek: Temos problema na terceirização, não podemos fechar os olhos e ser omissos. Mas agora que pode fazer terceirização, vamos gerar empregos no Brasil e recolher impostos para o Brasil. Um smartphone é hoje montado em até 12 países e nenhum deles é o Brasil, porque não incentivo para o setor. A lei hoje mais atrapalha do que ajuda os micro e pequenos empresários. A terceirização pode abrir caminho para que esse setor se desenvolva. Vendemos a commodity de café para a Suíça, que industrializa e depois não compramos o produto com o registro “feito na Suíça”? Não vamos mais vender só soja, feijão ou carne.
CMT: A legislação trabalhista é o único peso na questão mais ampla da economia?
Marlos Melek: Não. A lei trabalhista é a ponta de um iceberg da hostilidade com que o Estado brasileiro enfrenta qualquer empreendedor. O direito do trabalho não é o problema do Brasil, não se iludam. Ele é apenas um aspecto, mas um aspecto importante.
CMT: Os defensores da reforma dizem que ela pode gerar aumento de emprego, os contrários dizem que as empresas não terão motivo para contratar já que os empregados vão trabalhar mais. Como você vê essa polêmica?
Marlos Melek: Estamos tratando aqui da possibilidade do trabalho intermitente, aquele no qual o sujeito terá carteira assinada e somente será chamado para trabalhar quando houver serviço, com todos os direitos trabalhistas garantidos. Isso significa que os trabalhos informais, de bico, como os de segurança e garçom, serão formalizados. As pessoas que criticam isso estão divorciadas da realidade, nunca tiveram carteira de trabalho assinada e nunca foram sócias em contrato social. O empregado intermitente poderá ter vários trabalhos anotados na carteira.
CMT: Isso não altera o regime de férias?
Marlos Melek: Não porque a lei prevê expressamente que, quando o sujeito trabalhar por um ano, com ou sem intermitência, ele terá que sair por trinta dias de férias com todos os direitos constitucionais garantidos. Não as horas trabalhadas, mas as férias com um terço e o décimo terceiro salário, respeitando a convenção trabalhista.
CMT: A mudança para as mulheres gestantes trabalharem não é contraditória?
Marlos Melek: Eu não vejo nenhuma polêmica com as grávidas. A lei atual proíbe que a grávida trabalhe em ambiente insalubre, ponto. A nova lei continua proibindo, ponto. O que existe agora é uma possibilidade, se a grávida quiser trabalhar, vai ter que apresentar um atestado médico da confiança dela, de preferência do pré-natal, dizendo que em determinado ambiente ela pode trabalhar sem nenhum risco para a saúde dela e a do bebê. Mesmo assim, fomos muito cautelosos na redação da lei, porque deixamos claro que continua proibido e se poderá ter exceção para a mulher que quiser trabalhar e pode se retirar a qualquer momento em que não sentir bem.
CMT: Os acordos coletivos afastam a Justiça da mediação trabalhista?
Marlos Melek: Eu ouvi muito isso que agora o trabalhador iria negociar diretamente com empregador. Isso simplesmente não é verdade. A única coisa que o empregado pode negociar diretamente com o patrão é o banco de horas mensal e semestral, mais nada. Até a redução do horário do almoço, o trabalhador é que tem que querer e é necessário homologação do sindicato.
CMT: Por que o maior peso para os acordos coletivos?
Marlos Melek: O Brasil é um país muito grande, heterogêneo e complexo. Por mais que tenhamos uma única lei do trabalho no Brasil, ela não dá conta de atender os anseios de todos os trabalhadores, cada um tem seu interesse. Nós precisamos que cada sindicato que conhece a realidade do trabalhador, e cujo presidente é eleito pelos trabalhadores, vá representar os interesses deles nas negociações com os patrões. O documento que sair de cada de debate, cada convenção coletiva é o que foi possível para aquele momento. É por isso que a Justiça do Trabalho não poderá ficar anulando a três por quatro as decisões de convenções coletivas.
CMT: Os acordos coletivos decidem a partir da reforma o que será negociado?
Marlos Melek: Nem tudo pode ser colocado na convenção coletiva. A reforma decidiu colocar como receita de bolo, bem didático, o que pode e o que não pode ser negociado. Todos os direitos constitucionais assegurados ao trabalhador no artigo 7º não podem ser negociados – férias, décimo terceiro salário e hora extra, por exemplo. A reforma tratou de cuidar disso com todas as letras.
CMT: Qual é a importância da lei para o Brasil?
Marlos Melek: A importância vai muito além de mexer em leis antigas do direito do trabalho, além de fraturar um sistema, que serve a alguns interesses, mas não para o direito republicano do Brasil. Neste momento de crise, a reforma mostra que é possível mudar. Nós não temos reforma de matriz logística, comercial e nem de indústria. É preciso fazer mudança em tudo, acabar com privilégio, para o Brasil mudar. A reforma trabalhista mostra que, mesmo sendo um assunto delicado, sensível que mexe com emoções e ideologias, o Brasil é maior que isso.