Não adianta. É igual jogo de futebol. Os dias que antecedem a partida são fartos de ansiedade. O frio na barriga não passa nunca. Ainda mais quando se realiza uma produção independente: e o som, será que vai ficar bom? E aquela animação? Será que vai causar impacto? E a música? Será que tá num nível bacana?
– Amor, só que é pior que futebol. Futebol começa, o friozinho vai embora. Com o filme, o friozinho só aumenta. Até que cheguem os aplausos no fim. Ou pior ainda: quando não tem aplauso no fim.
Flor, como sempre, sensível como uma flor de cactos. E certeira como sempre. A pior parte de fazer um lance na raça, na vontade, sem incentivos ou editais, fazer por amor mesmo, é que não se é perfeito nunca. Nunca fica padrão Hollywood.
– É como a gente aprende na Escola Darcy Ribeiro, minha Flor querida. Antes o feito do que o perfeito.
É claro que hoje as coisas são bem mais profissionais. Sem dinheiro não se tem equipamentos bons, não se tem luz, reduz-se a equipe a poucos e bravos. Platô só se for do carro. O lance é que a gente filma não é por dinheiro. A gente produz é por necessidade.
– Dia primeiro vai estar lotado. Criativos precisam expressar sua angústia – interrompe Geleia, diretor de fotografia do filme, entre um e outro gole de cerveja.
– Não adianta expressar a angústia e ficar angustiado de dinheiro. Porque o João atrasa todos os Jobs da agência enquanto não termina esses filmes. E te digo mais: se for colocar na ponta do lápis o que ele diz que não custa nada, já tinha construído meu banheiro novo faz tempo.
A vida e seus paradoxos. Levanto e vou buscar mais uma cerveja, enquanto Geleia coloca The Animals na vitrola.