Estava cercada de livros. Muitos, com certeza, mais antigos que o próprio país. Muitos, mais valiosos que a casa inteira. Quantos e quantos passaram os dedos por aquelas fileiras intermináveis. Quantos não sonharam em sentar naquela cadeira. Ela, resoluta, a primeira. O silêncio da sala ensurdecia. Já tinha perdido a noção do tempo que olhava fixamente para aquele telefone com data de 1906. Pensou em quantos presidentes despejaram naquele objeto oval suas bactérias, encostando seus lábios sórdidos. Quanto ela sonhou em estar ali. Nem imaginava que seria seu pior pesadelo.
Trimmmmmm.
– Alô?
– Alô, companheira.
– Poxa vida. Você viu o que tá acontecendo.
– Calma, companheira. Calma.
– Pois é. Tão querendo até cortar minha segurança. Você falou que nada ia acontecer.
– Fica tranquila. E não vai. Na política a gente aprende que tem uma hora que é necessário perder. E a hora da gente perder é agora. Ficar de fora, numa hora de tantos problemas, é importante.
– Você sabia disso desde o início, né.
– Companheira. Nunca pensei que chegasse a esse ponto. Lá, em 2013, quando você resolveu sair em meu lugar, eu te avisei que você tava cercada de cobras. Você não me escutou. Mas tudo bem. Deixa eu desligar, que tão me ligando na outra linha.
– Beijo. Não me abandona.
– Nunca.
Ele desliga. Telefone sem fio toca sem parar. Fazia frio no litoral. Em frente à grande parede de vidro, ele fica olhando as ondas arrebentando, enrolado num cobertor. O telefone para. Alívio. Às vezes é bom não pensar em nada. Só ficar ali, escutando o embalar das ondas do mar.
Trimmmmmm. Trimmmmmm.
Trimmmmmm. Trimmmmmm.
– Alô?
– Chefe. É o JB.
– Fala, companheiro.
– É pra soltar a carta agora?
– Não, meu companheiro. Tenha calma. No jogo, quando você sabe que vai ganhar, deixa as apostas aumentarem. Dê mais rações aos porcos. E Como diria lá na minha terrinha… vingança… é uma rapadura que se lambe fria.