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Pesquisa inédita revela suplício das mulheres grávidas presas

Foto: FioCruz

Por: O Globo

— Precisava levar a gente algemada? Leva sem algemas, tem guarda do lado — o desabafo de uma das mulheres que deram à luz enquanto estavam presas revela uma das mais desumanas situações a que são submetidos os presos num país incapaz de resolver acrise carcerária.

O depoimento, sem identificação da mãe, é de uma das mulheres entrevistadas para a pesquisa “Nascer na Prisão”, feita pela Fiocruz por encomenda do Ministério da Saúde e que traz um inédito perfil da população feminina grávida ou com filhos recém-nascidos nas cadeias brasileiras.

Entre agosto de 2012 e janeiro de 2014, pesquisadores da Fiocruz estiveram nas 27 unidades prisionais (uma por estado) que concentram presidiárias deste perfil — foram colhidos depoimentos de 241 mães e mais de 200 grávidas.

O relato de uma mulher, já em trabalho de parto, ser levada algemada para dar à luz é ao mesmo tempo impressionante e comum (mais de um terço das internas ouvidas diz ter passado por isso). Uma realidade frequente no Brasil, onde práticas consideradas desumanas muitas vezes precisam ser proibida por lei. A que veda o uso de algemas em presas grávidas e em trabalho de parto está em vigor apenas desde o último dia 12 de abril, quando foi sancionada pelo presidente Michel Temer.

Na época em que a pesquisa foi realizada, o uso de algemas durante o trabalho de parto não era ilegal, e também não era a única dificuldade enfrentada pelas mães, o que levou a pesquisa a diagnosticar um quadro de condições muito precárias para quem tem filhos no cárcere. O acesso à assistência pré-natal foi inadequado para pelo 36% da mães, enquanto 15% afirmaram terem sido vítimas de violência.

— Alguns dados são impressionantes. Nada menos de 81% das entrevistadas foram presas quando já estavam grávidas. A grande maioria não está condenada, e sim aguardando julgamento. A maior parte delas foi presa por tráfico (68%), não raro por tentar levar drogas para o marido preso ou guardar droga do marido em casa. E 31% delas chefiavam a família fora da prisão. A maioria (83%) já tinha filho antes. É uma perversidade grande a prisão dessas mulheres — diz a pesquisadora Maria do Carmo Leal, que coordenou a pesquisa.

MAIORIA É JOVEM E SEM ESCOLARIDADE

Além da situação jurídica — a maioria presa de forma preventiva, sem julgamento, e por tráfico de drogas — o perfil das grávidas na cadeia se assemelha ao da população carcerária geral em outros aspectos. Mais da metade (57%) é de cor parda, com baixa escolaridade (53% têm menos de oito anos de estudo) e jovem (45% têm até 25 anos). Entre as detentas, 55% tiveram menos consultas de pré-natal do que o recomendado; 32% não foram testadas para sífilis; e 4,6% das crianças nasceram com a doença.

Uma das situações que mais afligem as mães é o futuro imediato dos filhos. Pela lei, eles ficam com as mães na cadeia nos primeiros seis meses de vida — depois, são entregues à família ou vão para abrigos públicos.

— Meu maior medo é minha filha ter que ir para algum abrigo, não ter ninguém para ficar com ela — diz outra das entrevistadas. Todas tiveram a identidade preservada na pesquisa.

O trabalho faz também uma comparação da assistência às grávidas presas com a que é encontrada da rede pública do SUS. A precariedade é maior para as que estão encarceradas, mas mesmo entre elas há diferenciações, segundo a conclusão da pesquisa.

— Piores condições da atenção à gestação e ao parto foram encontradas para a mães encarceradas em comparação ao SUS. Mas também há diferença na atenção recebida durante a internação para o parto segundo a condição social delas. Foi menor a satisfação para as pobres, as de cor de pele preta ou parda — conta a pesquisadora Maria do Carmo Leal. — Foi uma fase longa de coleta de dados para se chegar a este censo. Fomos a todas as prisões que abrigam grávidas. Há dificuldade de se acessar os presídios e os hospitais, mesmo tendo sido um estudo pedido pelo Ministério da Saúde.

O documentário "Nascer nas Prisões" ouviu ainda especialistas na situação carcerária do país e profissionais que trabalham na assistência a quem dá a luz aos presídios.

— O único direito que está restrito a elas é o da liberdade. Todos os outros estão garantidos — diz a assistente social Gisele Castro, que descobre no sua dia-a-dia que, na prática, não é bem assim.

— Tem leis que garantem os direitos das mulheres e dos filhos, mas não são respeitadas sempre — completa a advogada Luciana Simões.

Em 22 de dezembro de 2013, O GLOBO fez outra reportagem sobre o tema, mostrando como nasciam e viviam os filhos de grávidas presas. 

Redação

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