Política

Corrupção é crônica no setor público em Mato Grosso, afirma juíza

Fotos: Assessoria TCE/MT

Há quase dois anos têm sido diárias notícias sobre a participação e prisão de líderes políticos e empresários por desvio de milhões dos cofres públicos. A Lava Jato, no âmbito nacional, e as operações Sodoma e Castelo de Areia, em Mato Grosso, são exemplos de descobertas de organizações criminosas instaladas em instituições públicas. São formações para operação que não deixam dúvida sobre o que querem dizer as palavras “organização” e “crime”.

Conforme a juíza Selma Arruda, da 7ª Vara Criminal de Mato Grosso, a responsável por ações que colocaram na prisão o ex-governador Silval Barbosa, o ex-presidente da Assembleia Legislativa José Riva e mais uma fila de ex-secretários estaduais, a corrupção desvia cerca de R$ 260 bilhões ao ano no Brasil.

Uma quantia que representa três vezes o orçamento da Saúde e da Educação, cinco vezes o da Segurança Pública e oito anos de pagamento de benefícios do programa Bolsa Família, por exemplo.   

As investigações policiais dão a proporção das operações. Somente em um esquema investigado pelo Ministério Público Estadual (MPE), há estimativa de desvio de R$ 500 milhões da Secretaria de Educação (Seduc).

O esquema funcionava, conforme o Ministério Público, por meio de intermediação de empresário, responsável por manter as negociações entre o governo, neste caso, o ex-secretário de Educação, Permínio Pinto, com empreiteiras e empresários. Dentro da secretaria, um grupo de servidores de vários níveis ficava responsável por controlar a liberação de licitações para construções de escolas.

“Toda corrupção vem do caixa 2. São esquemas para montar um ciclo de pagamento e retribuição entre agentes do Poder Público e as organizações criminosas. Elas não sobrevivem sem a organização pública”, disse a juíza Selma Arruda, no III Encontro Nacional sobre Cooperação para Prevenção e Combate à Corrupção.

Evento realizado no Tribunal de Contas do Estado (TCE) reuniu estudiosos e representantes do Poder Público para discutir medidas para montagem de estratégia de expurgação do crime organizado. Hoje, sequer é possível ter uma ideia precisa de impacto desses esquemas no serviço público.

“Nós temos estimativas, mas quanto mais conseguimos nos aprofundar no conhecimento das atividades das organizações criminosas, mais se descobre o quanto essas atividades estão entranhadas na organização pública. O que temos hoje é estimativa do quanto é desviado”, comenta a juíza.

Parte dessa dificuldade está na variedade de esquemas operados para desviar recursos. Na classificação criminal, vão de corrupção passiva, ativa, concussão, vantagem indevida, prevaricação, peculato, fraudes a licitações e lavagem de dinheiro – as três últimas são as mais comuns. Em todas elas, agentes públicos dão ou recebem algum tipo de incentivo para a instalação das organizações criminosas.

Conforme dados da organização Transparência Nacional, no mundo, as organizações criminosas desviavam até 2015 R$ 2,6 trilhões de instituições públicas. Isso representa cerca de 5% do PIB (Produto Interno Bruto) somado de todos os países e cerca de um quarto da movimentação financeira pública da África.

80% dos municípios brasileiros têm indício de corrupção

O chefe do Serviço de Repressão a Desvios de Recursos Públicos, da Polícia Federal, Rolando Alexandre de Souza, diz que 80% dos municípios no Brasil têm indício de algum tipo de atividade criminosa. O número é da Controladoria Geral da União (CGU), que estima que apenas em 2015 R$ 300 bilhões foram desviados dos cofres públicos no país.

A maioria dos casos está nas áreas de saúde, educação e infraestrutura. "Hoje temos condições de controlar tudo, não faltam equipamentos e condições para investigar e ter acesso a todos os bancos de dados, tanto que a formação da Rede de Controle e a parceria com os Tribunais de Contas da União e dos Estados estão colaborando muito para que se possa, pelo menos, reduzir a corrupção no país porque é, sem dúvida, muito séria", frisou.

A quantidade de operações deflagradas no ano passado pela PF é de aproximadamente 922 e resultaram em 4 mil inquéritos e no sequestro R$ 3,54 bilhões relacionados a crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

Cinco mil obras como as da Copa do Mundo (2014) e Olimpíada (2016) estão paradas. Exemplos são o Estádio Mané Garrincha, no Distrito Federal, e modal VLT, em Cuiabá – a CPI da Copa, realizada pela Assembleia Legislativa, aponta desvio acima de R$ 500 milhões em obras em Cuiabá e Várzea Grande.

Ele afirma que a magnitude de crimes dessas organizações é superior ao tráfico de drogas. "A corrupção mata. Achar que o traficante da esquina é mais perigoso que o político corrupto é uma falácia. Político mata muito mais que bandido".

Para ele, os mortos nos hospitais públicos por falta de assistência médica, pela violência e pelo baixo desenvolvimento econômico, são um caso na rede de efeitos. "Se fizermos os cálculos baseados em dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), R$ 1 bilhão de recursos públicos desviados representa 20 mil mortos em virtude da baixa qualidade do serviço público na saúde”.

Serviço público está precário e há corrupção, diz secretário

O secretário-adjunto do Gabinete de Transparência e Combate à Corrupção de Mato Grosso, Matheus Lourenço Cunha, afirma que a precariedade do serviço público tem relação direta com as atividades de organizações criminosas.

“Se o dinheiro chega e não é aplicado na ponta, no atendimento ao cidadão, alguma coisa irregular está acontecendo entre a chegada desse dinheiro e aplicação no serviço público. E, provavelmente, as atividades de corrupção são as responsáveis”, observa.

Em funcionamento há pouco mais de um ano, o Gabinete da Transparência é responsável por promover atividades que dão visibilidade das atividades do Poder Executivo. Nesse período, 160 denúncias foram realizadas ao gabinete e algumas resultaram na abertura de inquéritos. O esquema de propina de R$ 1,8 milhão a três agentes de tributos fiscais está na lista.

 “As secretarias não obrigadas a participar dos programas de prevenção da corrupção, mas os gestores estão conscientes de que o Gabinete existe para dar auxílio e evitar que as atividades criminosas sejam realizadas”.

Apenas as secretarias de Educação (Seduc) e de Trabalho e Assistência Social (Setas) participam desses programas, desenvolvidos em cinco frentes que vão de esclarecimento sobre comportamentos antiéticos na correção do “jeitinho brasileiro” à investigação de “crimes mais graves”, como recebimento de propina e fraude a licitações.

Conforme a Controladoria Geral do Estado (CGE), 600 processos administrativos disciplinares estão hoje em andamento em Mato Grosso, em investigação de casos, principalmente, corrupção do Poder Público, assédio sexual e pedido de propina.

Segundo a assessoria do CGE, os casos de assédios são referentes, na maioria, a denúncias de supostos abusos em escolas. 

Cerca de 80% dos casos estão concentrados em cinco secretarias: de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh), de Educação (Seduc), de Meio Ambiente (Sema), de Saúde (SES) e o Departamento de Trânsito em Mato Grosso (Detran-MT).

Cenário de investigações pode levar à perda do direito de cidadania

Para o advogado Leonardo Yarochewsky, conferencista do III Encontro, a operação Lava Jato colocou um novo marco na interpretação das leis brasileiras que pode levar à relativização dos direitos fundamentais do cidadão.

"Em uma democracia e em um Estado democrático de direito é preciso respeitar os direitos individuais, o devido processo legal, a Constituição. É preciso pensar bem antes de considerar natural a violação de direitos fundamentais dos cidadãos. Devemos defender os direitos de terceiros como defendemos os nossos, porque daqui a pouco será o seu direito que será violado, será a sua casa a ser invadida, será o seu telefone a ser grampeado", ponderou o criminalista.

Ele critica a popularização da defesa de atos de exceção por parte da Justiça e do Ministério Público e de supressão de direitos fundamentais, como propõe o projeto do MPF chamado de "10 Medidas contra a Corrupção", a fim de endurecer o cerco aos acusados de crimes contra o patrimônio público e de improbidade.

É caso de efeitos da delação premiada, que, além de servir de estratégia para a defesa de investigados barganhar a relativização de penas, pode colocar os investigados em situação em que se vem “forçados” a entrar em acordo para receber benefício no processo de investigação.

Tecnologia é aliada para fiscalizar o Poder Público

O ex-juiz Marlon Reis, idealizador da Lei Ficha Limpa, diz que o acesso a mecanismos para denúncia de crimes é uma medida necessária para a colaboração da sociedade. Ele cita o aplicativo “Mudamos”, criado por ele e pelo diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio), Ronaldo Lemos, para colher assinaturas em leis de iniciativa popular.

Os aplicativos, diz Marlon Reis, devem suprir a dificuldade de quem quer criar uma lei de iniciativa popular, que é a coleta de assinaturas no papel. Segundo o ex-juiz, foram necessários dois anos para coletar o total de mais de 1.600.000 assinaturas da Lei da Ficha Limpa. “Hoje, a Lei da Ficha Limpa é blindada, porque foi concebida de baixo para cima”.

O advogado alerta para a facilidade de falsificação e a dificuldade (ou até impossibilidade) de auditar as assinaturas colhidas. Problema que foi resolvido pela tecnologia.

A auditora de Controle Externo do TCU (Tribunal de Contas da União), Mônica Cotrim Chaves, diz que no Brasil existe grande dificuldade para acesso a informações de organizações públicas, mesmo diante da Lei de Acesso à Informação.

Segundo ela, o TCU possui 60 bases de dados, que subsidiam sistemas como o LabContas, o InfoContas e os sistemas apelidados de Alice (Análise de Licitação de Editais) e Sofia (Sistema de Orientação sobre fatos e indícios para o auditor).

Pesquisa divulgada em 2016 pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta que para 65% dos brasileiros a corrupção é o maior problema do país. A percepção da situação teve influência de operações como a Lava Jato, pois passou do terceiro para o primeiro lugar na percepção dos brasileiros em apenas um ano.

A corrupção superou problemas como as drogas e a violência que aparecem, respectivamente, em segundo e terceiro lugar, citados por 61% e 57%, respectivamente. A lentidão/impunidade também cresceu no ranking e passou do 6º para o 4º lugar de 2014 para 2015. A saúde veio em 5º. O Ibope Inteligência, a pedido da CNI, entrevistou 2.002 pessoas, em 143 municípios, entre os dias 4 e 7 de dezembro de 2015. 

Reinaldo Fernandes

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