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Por G1
Às 14 horas desta terça-feira (23), operários e maquinário a serviço da Prefeitura de São Paulo davam início aos trabalhos de demolição de imóveis na região da Cracolândia, na Luz, no Centro da cidade. A ação, que faz parte do projeto de João Doria para acabar com o consumo e a venda de drogas no local, surpreendeu moradores e deixou três pessoas feridas.
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De acordo com a gestão Doria, a demolição foi realizada com base em um decreto, publicado no Diário Oficial de sábado (20), que determinou que as áreas são de interesse da Prefeitura. A administração municipal não detalhou, no entanto, nenhuma decisão da Justiça que autorizava a demolição, nem um possível acordo com os donos.
No texto, a Prefeitura diz apenas que "ficam declarados de utilidade pública, para serem desapropriados judicialmente ou adquiridos mediante acordo, os imóveis particulares no distrito de Santa Cecília, Prefeitura Regional da Sé, necessários à implantação de equipamento público contido nas áreas que perfazem 14.115,00m²".
Especialistas ouvidos pelo G1 contestam a legitimidade das demolições pretendidas por Doria. Para eles, fazer ruir um número ainda não definido de imóveis sem autorização judicial ou sem a posse dos bens é uma arbitrariedade, e passível de punição.
O que a Prefeitura diz
Em entrevista concedida no começo da semana, Doria alegou que "diante de certas circunstâncias, o estado pode ocupar áreas e utilizá-las quase que em uma desapropriação imediata, emergencial. Depois discute-se no plano negocial ou judicial o ressarcimento aos proprietários. Isso permite uma ação mais rápida e efetiva".
Segundo o secretário de Negócios Jurídicos da Prefeitura, Anderson Pomini, após a decretação de utilidade pública foi feita uma requisição administrativa "em razão do iminente perigo público". No caso da Cracolândia, o perigo seriam as atividades criminosas que lá aconteciam e poderiam retornar. "É a fundamentação legal", justificou.
A requisição administrativa está prevista no artigo 5º da Constituição Federal, inciso XXV, e determina que, no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano.
Em relação às demolições, Pomini disse nesta quarta-feira (24) que elas vão acontecer "somente após o trabalho da assistência social e da habitação com a retirada do pessoal e o isolamento integral da área”. Nesta terça-feira, no entanto, a primeira demolição já foi feita e três pessoas que estavam um imóvel vizinho ficaram feridas.
Contestações
De acordo com o professor Luiz Fernando Prudente do Amaral, do Instituto de Direto Público de São Paulo, o instrumento porém não se aplica ao caso da Cracolândia: "É de um autoritarismo absurdo. Perigo iminente é um incêndio, por exemplo. Requisição é algo excepcional e não deve ser aplicada sem um fato concreto e delimitado. O tráfico de drogas não me parece uma justificativa".
O professor Alberto Luis Rollo, da Universidade Mackenzie, endossa o questionamento: "A Constituição prevê desapropriação por interesse público, isso é verdade. Agora a desapropriação não significa a Prefeitura tomar na mão grande uma propriedade alheia". Rollo lembra que, para demolir, não basta a "propriedade": a Prefeitura tem que pedir a posse dos imóveis. "Você precisa ter uma autorização judicial”, completa o especialista.
O advogado Paulo Nicholas, do Marinela Advogados, tenta entender o respaldo jurídico da ação. "O que é possível é ele já ter administrativamente desapropriado os imóveis e ter tentado intimar os proprietários de todas as formas possíveis e eles não deram retorno". Ele ressalta, porém, a questão da indenização, que Doria disse que vai ficar para depois: "É necessário ter depositado em juízo os valores dos imóveis, que seriam pagos caso os proprietários fossem localizados".
Prudente do Amaral afirma ainda que as demolições podem ser irregulares mesmo em imóveis abandonados. "Pode fazer isso, desde que prove que o imóvel está devidamente abandonado, inclusive com o não recolhimento de impostos, e desde que o imóvel não esteja na posse de absolutamente ninguém, nem mesmo de pessoas que o tenham invadido", afirmou. A ocupação, mesmo que irregular, poderia viabilizar uma defesa de posse por parte dos moradores na Justiça.