Cidades

Reforma fragiliza normas de direitos trabalhistas, diz juiz

A proposta de reforma trabalhista em trâmite no Congresso Nacional é o assunto que tem ocupado as conversas de brasileiros, lógico, pela mudança que ela pode no cenário de relações trabalhistas do país caso seja aprovada. Há previsão de parcelamento no gozo de férias, redução do intervalo para o almoço, de mulheres trabalhando durante a gravidez, dependendo na classificação de insalubridade, além da novidade na legislação do home-office, modelo de trabalho em a jornada é cumprida outro ponto, geralmente de casa, pelos funcionários.

Essas mudanças se ancoram em outra novidade na proposta de reforma trabalhista, considerada a de maior impacto. As decisões tomadas em acordos e convenções trabalhistas terão prevalência ao que estiver determinado em lei. Em miúdos, isso significa que sindicatos laborais terão maior espectro de atuação para negociar com representantes patronais.  Em entrevista ao Circuito Mato Grosso, o juiz do Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT-MT) e professor da Escola de Magistratura de Mato Grosso, André Araújo Molina pontua algumas mudanças centrais que podem estar a caminho.

Circuito Mato Grosso: Quantos itens a reforma trabalhista pode alterar?

André Molina: A reforma trabalhista foi proposta pelo Poder Executivo, no segundo semestre de 2016, a princípio com a intenção de alterar em torno de dez artigos da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), mas durante o celeríssimo trâmite Legislativo, sem a possibilidade de amadurecimento da proposta e o debate amplo e democrático, recebeu dezenas de emendas e o texto aprovado na Câmara dos Deputados altera em torno de 100 artigos, retirando alguns direitos (como o tempo de deslocamento ou horas itinerárias, entre outros).

CMT: É possível apontar uma mudança central?

AM: O ponto principal é que a reforma deu uma grande ênfase à negociação coletiva, permitindo, em um segundo momento, por meio da negociação direta entre sindicatos e empresas, que as normas coletivas retirem outros direitos dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que a proposta impede que o Poder Judiciário Trabalhista analise e in valide essas cláusulas maléficas, principalmente relacionadas à jornada de trabalho e sua flexibilização.

CMT: Um exemplo, por favor.

AM: O novo artigo 442-B da proposta legitima o que se conhece como "pejotização", que é a contratação de trabalhadores, ainda que com exclusividade e com trabalho de forma contínua, afastando-o da qualidade de empregado e todos os demais direitos dela decorrentes, a começar pela anotação da CTPS (Carteira de Trabalho e Previdência Social), bastando para tanto que as partes celebrem um contrato formal escrito.

CMT: A ênfase em negociações trabalhistas entre sindicato e patrões é benéfica?

AM: Em meu ponto de vista, até como professor, tenho defendido em publicações acadêmicas que é necessário que adaptemos à legislação aos novos tempos, para uma sociedade complexa e multifacetada em que vivemos, dando maior ênfase à negociação coletiva, visto que ninguém melhor que as próprias partes para decidirem a respeito dos rumos de suas próprias vidas, notadamente no ambiente de trabalho, acenando para a maioridade cívica e a emancipação, como de resto ocorre na Europa. Mas o grande problema é que para que essa nova realidade seja admitida, é preciso antes que se realize uma profunda reforma trabalhista, nos moldes da orientação da convenção nº 87 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), para que os sindicatos brasileiros tenham efetivamente liberdade, pluralidade e legitimidade para negociar.

CMT: Qual é a situação atual dos sindicatos no Brasil?

AM: Os sindicatos são exclusivos (unicidade), o trabalhador não tem liberdade de escolha em qual sindicato filiar, mas mesmo que ele opte por não se filiar, ainda assim ele fica obrigado a sustentar o sindicato (contribuição sindical obrigatória) e as normas coletivas ajustadas por este sindicato alcançam todos os integrantes da categoria, ainda que não sindicalizados e, logicamente, não participantes dos debates e da negociação da norma coletiva. No modelo europeu, a sindicalização e a contribuição são livres, havendo liberdade e pluralidade sindical, de modo que apenas os sindicalizados – porque participantes do procedimento democrático de criação dos contratos coletivas e das normas – são alcançados pelas negociações intermediadas pelo sindicato. Ocorre que, propositadamente, estamos alterando o modelo brasileiro, para uma maior valorização à negociação coletiva, porém sem reformar o sistema para dar efetiva liberdade e legitimidade sindical. Teremos, na prática, muitos sindicatos sem nenhuma representatividade, com um número baixíssimo de associados, negociando e renunciando direitos de toda a categoria.

CMT: Isso significa que a legislação fica fragilizada por prerrogativa de maior validade de acordo e convenção trabalhistas entre sindicatos e empregadores ante a lei? 

AM: Sem dúvida. Ao se dar maior força à negociação coletiva, sem antes ajustar e reestruturar o modelo sindical brasileiro, somado ao fato de que a posição atual do STF (Supremo Tribunal Federal) é que os trabalhadores que fizerem greve podem ter o ponto cortado, haverá uma negociação formal em condições de igualdade. Mas na prática e na maioria dos casos teremos o poder econômico submetendo inclusive os sindicatos, chegando ao ponto de poder-se reduzir diversos direitos, conforme expressamente admitido no projeto de reforma. Mais ainda: o juiz do trabalho, nesses casos, ficará impedido de analisar o conteúdo da negociação e de declarar a nulidade de eventual cláusula coletiva maléfica.

CMT: Passando para pontos mais específicos da reforma, a nova proposta de férias parceladas pode levar à perda de gozo de descanso, em caso de férias acumuladas?

AM: Não. Em relação ao tema das férias, a proposta mantém os tradicionais 30 dias, mas apenas avança para permitir o parcelamento do gozo em três períodos, sendo um deles de pelo menos 14 dias, no interesse do trabalhador. Nesse ponto, considero positiva a reforma.

CMT: A proposta altera o nível salarial?

AM: Não houve alteração em relação ao piso salarial. Continuamos tendo de respeitar o salário mínimo nacional, os salários locais e o piso normativo das respectivas categorias, proporcionalmente ao tempo trabalhado. A novidade é que, com as novas modalidades de trabalho intermitente e a tempo parcial, o valor do salário será proporcional aos respectivos pisos, podendo ser efetivamente inferior ao salário mínimo, naturalmente quando o trabalhador efetivar-se em período de tempo menor que e regra geral de 44 horas semanais. Mudança que também vemos como salutar, até seguindo o modelo europeu e norte-americano, em que muitos trabalhadores precisam conciliar as atividades profissionais com os afazeres cotidianos, filhos etc.

CMT: As normas de recebimento direitos em caso de demissão são alteradas na proposta. Como pode ficar?

AM: Essa parte da proposta tem sido elogiada. Visa corrigir uma distorção prática de que o empregado quer sair, bem como o empregador não faz questão do seu trabalho, mas ambos não podem hoje deliberar a respeito, falta previsão legislativa. Com a proposta do distrato, havendo mútuo acordo, o empregado receberá suas verbas rescisórias, sendo que a multa do FGTS é reduzida para 20%, poderá ele acessar 80% dos recolhimentos do FGTS do período de trabalho, mas sem direito ao seguro-desemprego, já que foi dele também a intenção de deixar o emprego (não é uma hipótese de desemprego involuntário).

CMT: Uma das polêmicas mais comentadas é a possibilidade de trabalho durante a gravidez, mesmo em locais insalubres. Deverá existir uma medição do risco. É recomendável?

AM:  Não sou médico e especialista em saúde do trabalhador, mas se houver possibilidade técnica de que uma gestante trabalhe em ambiente insalubre, mas sem nenhum risco à saúde própria e do nascituro, a legislação permitirá, mediante estudo e laudo médico. O receio é que haja uma flexibilidade e liberação de trabalho em condições de risco para a gestação.

CMT: O home office é uma proposta necessária no Brasil?

AM: O trabalho na própria casa ou home-office já é uma modalidade permitida pela legislação, mas que agora apenas ganha alguns novos contornos, para explicar, por exemplo, a respeito da ergonomia do ambiente, quem é o responsável pelo mobiliário etc. O ajuste legislativo, para cobrir essas novas modalidades de trabalho, é bem-vindo. Ressalvo que esses trabalhadores em domicílio, que embora hoje possam ser controlados on-line e em tempo real quanto ao seu tempo à disposição, a sua produtividade, ser chamado pelo chefe pelos aplicativos de imagem e voz etc., pela proposta da reforma, em seu prejuízo, serão retirados da possibilidade de controle de jornada e recebimento de horas-extras.

CMT: Existe estimativa de quanto esse tipo de relação de emprego representa atualmente?

AM: Não há estatísticas oficiais, mas em algumas categorias chegam até a representar uma maioria dos trabalhadores de determinada profissão, embora na generalidade dos casos e das profissões, o trabalho na sede da empesa ainda continue sendo a regra.

Reinaldo Fernandes

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