Opinião

Jacutinga: outro lugar qualquer, Guaporé, Guaporé

Em um quilômetro da BR 364, rumo ao Nambiquara, conhecido como Povo das Cinzas, Jacutinga, Sílbene e Cristóvão seguiram viagem pelo Reino dos Parecis, nome dado pelo bandeirante Antonio Pires de Campos no século XVII. Próximo à aldeia Rio Verde, os índios vendiam artefatos, dentre eles a bola de mangaba do jogo zikonahiti. Adiante, outra parada na aldeia Capitão Marco, nome de um Paresi que contava orgulhoso que sua patente fora dada pelo Marechal Rondon. Ele costumava vestir short e jaqueta do Exército Brasileiro, a exibir um revólver no coldre, preso ao cinto. Anos depois, Jacutinga soube que essa arma era oca, sem tambor.

Rumo ao Guaporé, chegaram na aldeia Manairisu, quase deserta. A maior parte dos índios estava em expedição de pesca, no rio Guaporé, território do grupo Aikatesu, não demarcado. Jacutinga e Juscelino Melo, junto com os índios, há quase uma década, lutam para o reconhecimento dessa área como território tradicional, com cosmovisão singular: cavernas sagradas, praias de desova de tracajás e botos a colorir de cor de rosa as águas do rio. Jacutinga, na rede de seus aposentos, dormiu com o canto dos índios e a melodia das flautas. De onde vinham a cantoria e o som dos instrumentos se a aldeia estava praticamente deserta?

Naqueles dias, a presença de Rinaldo, agrimensor da Funai, movimentou a aldeia: novo estudo para rever a demarcação de terras, num esforço para corrigir o ato do governo militar que havia despedaçado o território de ocupação milenar. Do Manairisu ao Wasusu foi levado Jacutinga, que por lá ficou, a dormir com os índios sobre as cinzas da fogueira. Único não índio da aldeia, sem falar uma palavra em língua indígena. Os índios? Nada falavam em português. Sabe-se lá como se deu a comunicação entre eles, mas foram dias de amizade, ainda que o lugar estivesse infestado de borrachudos canibais, deixando qualquer um invocado.

E pelos passos dos índios nosso pássaro conheceu as cavernas sagradas, morada dos espíritos após a morte, com inscrições nas paredes rochosas, códices de um tempo remoto…

 

Anna Maria Ribeiro Costa

About Author

Anna é doutora em História, etnógrafa e filatelista e semanalmente escreve a coluna Terra Brasilis no Circuito Mato Grosso.

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