Política

Crise econômica reacende discussão sobre PPPs

A crise econômica brasileira trouxe novamente para o centro dos debates discussões sobre a capacidade do Estado de financiar e executar obras. A grande e crescente demanda para educação, saúde e segurança pública e baixa eficiência nos trabalhos demonstram que o Poder Público não tem dado conta de cumprir seu papel de prestador de serviços, conforme previsto pela Constituição Federal brasileira. As leis de Organização Social (OS), de 1998, e de parcerias público-privadas (PPP), de 2004, foram criadas para transferência da gestão de serviços para o terceiro setor e para a iniciativa privada como auxílio administrativo – a primeira não tem fins lucrativos, a segunda, sim. Mas a má gestão do Estado em acompanhar os serviços das contratadas não demorou a mostrar que a válvula de escape pode facilmente degringolar, aumentando a resistência política daqueles que não veem com bons olhos o afastamento do Estado da administração de áreas essenciais. O Circuito Mato Grosso conversou com especialistas nos assuntos para tirar dúvida sobre privatização, OS e PPP, e com defensores e opositores das leis para mostrar os prós e os contras.

Privatização, PPP e OSS

As privatizações no Brasil tiveram início no governo de Fernando Collor de Melo, no início da década de 1990, com ganho de força de políticas neoliberais, que pregam a intervenção mínima do Estado na economia. O processo iniciado por Collor recebeu o nome de Plano de Desestatização, retirando do domínio do Estado, num período de dois anos, 18 empresas estatais, usinas e siderúrgicas.

Itamar Franco, que o sucedeu após o impeachment, deu continuidade ao plano e privatizou a Embraer, empresa de fabricação de aviões, e outras siderúrgicas.  Fernando Henrique Cardoso (FHC), que ficou no mandato por dois anos, repassou para a iniciativa privada os serviços de telecomunicação, bancos estaduais e a Vale do Rio Doce.

As mudanças foram realizadas com base na Lei 8.031 de 1990, que regularizou o Programa Nacional de Desestatização (PND) do governo Collor. A lei foi formulada para redimensionar a interferência do Estado na economia. Getúlio Vargas, na década de 1930, havia dado início a ações de colocar nas mãos governo federal o maior número de instituições possíveis.

“O governo transfere serviços de grande vulto para a iniciativa privada para administrar os serviços. A prestação de serviços passa a ser da iniciativa privada, sem previsão de ‘devolução’ da área para o Poder Público”, afirma o professor de direito administrativo Antônio Veloso Pereira Júnior, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Em seu texto, a Lei 8.031 previa a transferência de serviços à iniciativa privada de “atividades indevidamente exploradas pelo setor público”, para reduzir a dívida pública e permitir que a administração pública concentre suas atividades em áreas que a presença do Estado fosse fundamental.

Em 1997, a lei foi alterada por uma nova normativa, nº 9.491, mantendo os princípios gerais.

A Lei 11.079 de 2004, das parcerias público-privadas, surgiu com um modelo intermediário, com transferência de serviços públicos para empresas privadas, com direito de concessão entre 5 e 35 anos.

“Esse tipo de contrato, em que as empresas recebem a área para trabalhar por um período máximo de 35 anos e com acompanhamento do Estado como fiscalizador do serviço, é diferente da privatização. No contrato devem estar previstos itens como o que a contratada deve fazer, o quanto investir e o modo com que o Estado vai fiscalizar os serviços, e, se houver descumprimento, o Estado pode intervir”, explica Antônio Veloso.

As concessões de exploração de serviços em rodovias são exemplos do tipo de contratos de PPP. A lei prevê que os contratos podem ser realizados por patrocínio (contrapartida do Estado mais a tarifa cobrança por empresas de serviços) ou com retenção dos custos exclusivamente pela administração pública.

O PT, em treze anos de governo do país – Luiz Inácio Lula da Silva em 2003-2010 e Dilma Rousseff em 2011-2016 –, aprovou a concessão de serviços para 11 rodovias federais, seis aeroportos, ferrovias, portos e hidrelétricas.

As duas são diferentes da Lei de Organizações Sociais. A normativa 9.637 foi criada em 1998 como caminho para o Estado aliviar e aperfeiçoar a prestação de serviços públicos. Entidades sem fins lucrativos são contratadas por meio de critérios de capacidade e eficiência em gerir serviços de áreas específicas.

“São entidades sem fins lucrativos que recebem a administração de serviços do Estado para cumprimento de estimativas. É como você entregar a administração de sua casa para uma governanta. Você diz: toma esse dinheiro para fazer mercado, pagar contas etc. A fiscalização precisa ser feita, senão a coisa não dá certo”, diz Veloso.

Em Mato Grosso, hospitais públicos começaram a ser transferidos para OSS (Organização Social de Saúde), em 2000, como tentativa de otimizar os serviços; hoje somente três unidades são administradas por esse tipo de entidade. A falta de fiscalização pelo Estado é apontada como o principal problema.

Engenheiro diz que parcerias viabilizam serviços públicos

O governo Pedro Taques lançou em 2016 um projeto de transferência da administração de 76 escolas estaduais para empresas privadas, por meio de PPPs, como argumentação de melhorar a gestão das unidades e liberar professores ocupados em funções que extrapolam as atividades de sala de aula para ocupação exclusiva com a formação estudantil.

Para o engenheiro Edson Luiz Ribeiro da Silva, o estabelecimento de contratos do tipo é a saída para a administração pública conseguir gerir serviços em áreas importantes como saúde, educação e segurança pública.

“Nós temos hoje situações crônicas de alta demanda de serviços da população e orçamento restrito dos governos para administrar. Não tem capacidade de executar o que precisa ser feito. A transferência de serviços para a iniciativa privada é uma garantia de desenvolvimento do país em algumas décadas”, comenta.

Eventos recentes ocorridos no país, como a crise dos presídios no começo do ano, que colocou brasileiros em alerta e pânico por infiltração do crime organizado no Brasil somado ao momento crise econômica, são apontados como amostras da ineficiente atuação do Poder Público.

Para o engenheiro, as parcerias público-privadas aliviam os cofres públicos com o encargo de investimento pelas empresas contratadas, por um período médio de 30 anos. “O maior beneficiário dos serviços será a população, porque os investimentos serão realizados em áreas públicas hoje com grande deficiência e nas quais, claramente, o Estado não consegue resolver os problemas”.

Questionado sobre o choque entre a transferência de áreas vitais para a iniciativa privada, o engenheiro Edson Luiz Ribeiro da Silva diz que a normativa está encaixada em parâmetros da Constituição Federal, que garante acesso gratuito desses serviços a todos os brasileiros.

“A lei precisa amadurecer no Brasil. Uma normativa semelhante é usada no Reino Unido e nos Estados Unidos há mais de décadas. O que falta no Brasil é uma discussão ampla sobre o assunto para mostrar que ocorrerá restrição dos serviços. É uma mudança que se inicia e leva mais de um ano para ser esclarecida”.

Governo tem propostas para quatro setores

O MT Par, empresa estatal vinculada à Secretaria Estadual de Planejamento (Seplan), analisa a implantação de parcerias público-privadas para cinco áreas em Mato Grosso que envolvem anuência de municípios e o governo federal. São projetos de serviços para aeroportos, escolas, rodovias e serviços de saneamento básico.

A proposta mais avançada projeta a construção de sete unidades de Ganha Tempo (Cuiabá, Rondonópolis, Sinop, Cáceres, Barra do Garças e Lucas do Rio Verde). Conforme a presidente da estatal, Maria Stella Conselvan, as propostas estão em fase de encerramento de contratos e até maio o governo deverá liberar o início das obras. São cinco áreas cedidas por municípios e duas do Estado.

Também há estudos para realização de estudo sobre a construção de rede de saneamento básico em 96 cidades com população abaixo de 35 mil habitantes. O projeto, avaliado em R$ 8,8 milhões, foi apresentado pela Aegea, administradora da Nascentes do Xingu, que engloba 27 municípios de Mato Grosso.

“Se o estudo for aprovado, não haverá custo nenhum para o Estado e nem para os municípios, é uma avaliação que poderá ser feita por conta e risco total da empresa. Os 96 municípios que poderão ser avaliados têm população abaixo de 35 mil, mas ainda estamos negociando o estudo, porque o saneamento é municipalizado e dependemos da anuência deles”, afirma Maria Stella.

O MT Par avalia a montagem de infovia, plano digital que envolverá informações sobre estradas em Mato Grosso cruzando todos os 141 municípios. O mapa reuniria informações com dados, som e imagem de estradas. Trechos de seis rodovias estaduais também estão na lista de avaliação de transferência para a iniciativa privada.

Ainda na área de transporte, o Estado cogita a remodelagem de quatro aeroportos regionais e o Marechal Rondon, em Várzea Grande – estudo realizado com o auxílio ao governo federal.

Na área da saúde, existem propostas para remodelagem de quatro hospitais regionais e o hospital central de Cuiabá, cujas obras estão paradas há mais de 15 anos. “Não sabemos ainda o que e como será feito, mas queremos otimizar o atendimento. Há proposta de seguir um modelo europeu que tem estruturas para atendimentos especializados, mas não engessa as demais áreas”, disse Maria Stella.

PPP de escola não inclui plano pedagógico, diz MT Par

Outro projeto é a transferência de 76 escolas a empresas privadas para realização de serviços administrativos. A proposta foi apresentada no ano passado pelo governador Pedro Taques, mas foi questionada por estudantes, professores e sindicatos trabalhistas, que provocaram a suspensão da proposta.

“Recebemos a liberação de R$ 180 milhões do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Social) para a construção de 16 escolas no modelo que foi apresentado pelo governo. Será um empreendimento de conta em risco do governo, que vai inaugurar uma escola modelo no bairro Pedra 90 no dia 29”, explica Maria Stella Conselvan.

Segundo ela, cada escola terá custo médio entre R$ 9 e R$ 11 milhões.

Questionada sobre a polêmica com representantes da educação que alegam “privatização” de escolas por meio de novos modelos, Maria Stella afirma que os assuntos pedagógicos não entraram nos estudos sobre a montagem da escola modelo.

“É opinião que respeito, mas o plano pedagógico não entra no projeto Pró-Escola que está em andamento. O que temos é uma arquitetura maravilhosa, com modernização das salas de aulas, com, por exemplo, lousas digitais. O máximo a que se pode chegar é a instalação de cantina para oferecer serviço saudável”.

O presidente do Sintep, Henrique Nascimento, afirma que a proposta de atividade-meio apresentada pelo governo pode conduzir à área de atividade-fim, que alteraria o plano pedagógico. O MT Par negou essa possibilidade.

Sindicatos dizem que governo tem orçamento mal aplicado

Representantes de sindicatos de servidores de saúde, educação e sistema penitenciário de Mato Grosso alegam que o mau uso do dinheiro, a falta de especialistas e projetos e o sucateamento dos serviços públicos são as principais deficiências da administração pública. Eles veem a proposta de transferência de áreas públicas vitais para empresas privadas por meio de parcerias como perniciosa.

O presidente do Sisma (Sindicato dos Servidores da Saúde e Meio Ambiente), Oscarlino Alves, afirma que a falta de concurso público afeta o atendimento da rede SUS em Mato Grosso. O déficit de profissionais estaria acima de 60%. Orçamento para a saúde também dificultaria a execução de serviços.

“No plano de carreira nós temos o número de 9.959 para funcionamento adequado da saúde em Mato Grosso; hoje, o número de profissionais contratados está pouco acima de 4 mil; o último concurso é de 2002. Neste ano, o orçamento deveria ser de R$ 2,2 bilhões, mas foi aprovado em R$ 1,685 bilhão, ou seja, o déficit atual é de R$ 617 milhões”.

Segundo ele, o governo estadual faz má distribuição dos recursos públicos, como, por exemplo, o volume do duodécimo, que no ano passado ficou próximo de R$ 300 milhões. “Sobrou dinheiro da Assembleia Legislativa, tanto que os deputados compraram ambulâncias para distribuir para os municípios. Isso não é papel da Assembleia”.

O professor Henrique Nascimento  afirma que a “prioridade” dada pelos governos estaduais pelo desenvolvimento do agronegócio desequilibra a arrecadação orçamentária, consequentemente diminuindo o tamanho do orçamento público.

“Só com renúncia fiscal o governo estadual deixou de arrecadar R$ 2,4 bilhões nos últimos anos. Isso significa que orçamento da educação poderia ser dobrado se esse dinheiro entrasse no caixa público”.

Já o presidente do Sindspen (Sindicato dos Servidores Penitenciários de Mato Grosso), João Pereira Batista de Souza, afirma que a falta de projetos e profissionais especializados em análise e montagem de projetos sobre o sistema penitenciário complica o precário serviço do setor: “O governo federal deu diretrizes e parâmetros para serviços no setor de presídios em Mato Grosso, o que falta em Mato Grosso são especialistas para debater a situação atual e apontar onde devem ser feitos investimentos. Hoje mesmo, o governo federal liberou R$ 53 milhões para a segurança em Mato Grosso e R$ 32 milhões disso têm que ser aplicados até o fim do ano”.

Reinaldo Fernandes

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