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Por G1
Foram dois meses de negociações, 166 minutos de conversa em ligações internacionais e 50 mensagens de e-mails trocadas para que eu finalmente me encontrasse com a colombiana Virginia Vallejo no subúrbio de Miami onde vive. Não que precisasse convencê-la da importância da conversa, ela sabia que seu livro Amando Pablo, Odiando Escobar (Globo Livros, 400 págs., R$ 44,90) – que baseou um filme que será estrelado por Javier Bardem e Penélope Cruz com estreia prevista para o ano que vem – chega às livrarias brasileiras este mês. Nosso encontro seria uma oportunidade de promover a obra. As conversas foram necessárias para atender às exigências de uma das mais famosas apresentadoras de TV colombiana que viveu, nos anos 80, uma tórrida e longa paixão com o traficante Pablo Escobar. Virginia precisava terminar a revisão de seu livro, fazer um tratamento dentário, uma cirurgia nos olhos, escolher a fotógrafa, a locação e comprar roupas para a foto da página anterior. Pediu, ainda, para eu escrever um e-mail garantindo que não havia interesses obscuros por trás desta entrevista.
Aos 67 anos, a jornalista mora em um apartamento de 90 m2 em Aventura, dentro de um condomínio para moradores com mais de 55 anos. Caminha devagar por causa de um acidente de carro que machucou sua coluna, e que ela jura ter sido um atentado contra sua vida, e também porque perdeu parte da visão. Mudou-se para os Estados Unidos em 2006, com a ajuda do departamento antidrogas do governo americano, depois de denunciar a ligação de políticos colombianos com crimes praticados por narcotraficantes. Chegou à Flórida com duas moedas no bolso e as malas Gucci e Louis Vuitton que ainda a acompanham, sob o status de asilada política.
Nesse apartamento com vista para o mar, guarda os vestidos e as joias dos tempos áureos, assim como as capas de revista das quais foi protagonista. Sobre sua penteadeira, mantém três espelhos de mesa e uma caixa com pincéis de maquiagem. No quarto, duas balanças ao lado da cama revelam que a vaidade não diminuiu com os anos. Assim que entrei em sua casa, me mostrou dois canarinhos, seus maiores afetos, que vivem em uma gaiola com a portinhola aberta. Nos porta-retratos da sala, “um fã da Colômbia e seu filho, só nos conhecemos pela internet”; outra foto com a mãe, “não nos falávamos quando ela morreu”, além de retratos seus feitos por renomados fotógrafos colombianos. Foi nesse cenário que me contou sua vida ao longo de sete horas e, ao fim, confessou: “Sou um pouco histérica. Mas muito honesta”.
MARIE CLAIRE Por que vive hoje nos Estados Unidos e não na Colômbia?
VIRGINIA VALLEJO Para ficar viva. Em 2006, um amigo jornalista me aconselhou a contar tudo que sabia sobre Pablo Escobar. Decidi escrever o livro. Entre 1983 e 1987, presenciei muitas vezes Escobar confabular com Santofímio Botero [político colombiano que era aliado dele] sobre o assassinato de Luis Carlos Galán [candidato à Presidência da Colômbia morto pelo traficante em 1989]. Quando lancei o livro, o governo estava investigando Santofímio e me chamou para testemunhar. Comecei a receber ameaças. Foi o irmão de Galán quem me levou à embaixada americana. Os Estados Unidos salvaram minha vida ao dar asilo político.
MC Como conheceu Escobar?
VV Estava saindo com Aníbal Turbay [empresário colombiano], que era divorciado. Era o homem mais sexy do mundo. Não era o mais rico ou poderoso, mas muito sexy. E cheirava muita cocaína. Foi com ele que fui a Nápoles, a fazenda de Pablo, pela primeira vez. Levamos os filhos dele, que estudavam na Suíça e estavam de férias na Colômbia, para conhecer o zoológico. Disse que Pablo queria ser político e fazer caridade. Fomos de avião, com mais alguns casais, e assim começa a história [risos].
MC Você se encantou por Escobar logo que o conheceu?
VV Nessa visita, ele salvou minha vida. [Virginia quase se afogou durante um banho de rio. Quando balançou os braços pedindo socorro, os amigos acharam que estava brincando. Só Pablo percebeu que estava em apuros e foi resgatá-la.] Depois, ele salvou o meu traseiro [risos]. Nessa época, eu tinha um programa que era transmitido todos os dias às 6 da tarde. O negócio ia terrivelmente mal. Estávamos devendo dinheiro até a cabeça. Decidi ligar para Pablo – que eu sabia que queria ser político –, perguntando se tinha interesse em comprar horário publicitário no programa. Ele deu uma quantia enorme de dinheiro e pediu, em troca, uma nota de cinco minutos sobre o trabalho social que fazia em um aterro sanitário nos arredores de Medellín. Topei. Quando vi como ele ajudava aquelas pessoas, dando moradia, decidi dedicar todo o programa a ele. Saí muito tocada. Nesse mesmo dia, me convidou para jantar e perguntou se estava casada. Respondi que ainda não tinha me divorciado do meu marido, com quem fui casada dos 19 aos 21 anos, que se negava, havia mais de um ano, a assinar os papéis. Pablo disse: “Ligue para seu advogado na quarta-feira”. Na quinta, meu ex-marido apareceu branco e trêmulo para dar o divórcio [risos]. Logo no começo, percebi que Pablo era único e seu destino mudaria os rumos da humanidade.
MC E quando percebeu que estava apaixonada?
VV Nesse jantar, percebi que deixaríamos de ser amigos para nos tornarmos amantes. Depois, ele mandou mil orquídeas para minha casa. Também enviou um avião para me levar a Nápoles. Respondi que não iria, e ele disse que o avião ficaria me esperando dias, semanas, anos e todo o século, “porque me esperaria para sempre”. Quando finalmente topei, lembrei de uma frase da [escritora francesa] Françoise Sagan: “É melhor chorar em uma Mercedes do que em um ônibus”. E pensei: “É melhor chorar em um Learjet do que em uma Mercedes”. Quando nos tornamos amantes, me disse: “Você pode me pedir o que quiser”. Respondi: “Não quero nada”. Isso, sim, é uma cena de amor de verdade.
MC Mas ele te deu muito dinheiro…
VV Quando queria me ver, ligava e mandava me buscar de avião. Gastou um bom dinheiro em combustível comigo. Além disso, queria ser político e o ensinei a falar. Por isso me dava tantos presentes. Dizia que me pagava pelo trabalho e não porque era sua amante. Mas ele não aprendeu. Tinha uma voz esganiçada e um sotaque paisa [da região de Medellín] que jamais perdeu.
MC Sempre soube que ele era casado?
VV Sim. Nunca quis que se separasse de Tata para ficar comigo. O que me interessava era o espírito de aventura.
MC Você a conheceu?
VV Só vi Tata – uma gorda, “hipopótama” – uma vez. Nessas séries e novelas que fizeram nos últimos anos, ela aparece como uma santa, uma camponesa, uma pobre coitada. Eu, a amante linda e rica, virei a vilã. Mas ela era cúmplice, escutava as torturas que ele praticava pelo telefone.
MC E você não foi cúmplice dos crimes que ele cometeu?
VV Nunca. Primeiro porque ele não me contava seus planos, nunca me disse “vou matar alguém”. Queria que eu o adorasse e sabia, ainda que você não acredite, que eu tinha regras morais muito fortes.
MC Você já usou drogas?
VV Experimentei cocaína com Aníbal, mas não gostei. O coração bate muito rápido e dá diarreia. Mas no momento da minha morte quero experimentar um LSD porque li sobre a experiência em As Portas da Percepção, de Aldous Huxley, e fiquei fascinada. Cheguei a pedir um comprimido para Pablo, que só fumava maconha e não cheirava, e ele se surpreendeu. Me chamava de “alma limpa” e perguntou: “Você quer que eu vire importador de drogas?” [risos].
MC Pablo foi violento com você alguma vez?
VV Ele me estuprou. Fez porque acreditava que eu iria viver na Europa com Gilberto Rodríguez [chefe do cartel de Cali e inimigo de Escobar]. Pensei por um momento em viver com Gilberto, tenho que ser honesta. Não quero descrever essa cena em detalhes porque está muito bem contada no livro. Mas ele me asfixiou com um travesseiro enquanto me estuprava. Queria me matar e não teve coragem. Eu chorava e ele também. Ele gemia como uma fera, um leão. Quando terminou, comecei a me arrumar para ir embora. Ao me ver linda, sentou-se em um colchão no chão, olhando para baixo. Ele não pediu desculpas, mas a linguagem corporal disse tudo. Eu estava com raiva e disse que ele gostava de ficar com meninas inocentes – tinha uma predileção por virgens – porque elas não fazem comparações com grandes amantes. Ele tinha o pênis pequeno e fazia amor como um menino do campo, não era bom de cama. E sabia que meu ex, Aníbal, tinha fama de ser o melhor amante do mundo, um mito em dois continentes [risos].
MC Como terminou a relação entre vocês?
VV Primeiro, ele começou a fumar muita maconha. Quando o encontrava, estava sempre chapado. Daí começou a ter planos megalomaníacos. Queria usar Cuba para colocar cocaína nos EUA. Coisas que eu o desencorajei a fazer, claro. Chegou ao ponto de me pedir ajuda para sequestrar meus ex-namorados milionários. Mas o auge foi quando me descreveu um plano parecido com o 11 de setembro. Estava em contato com os terroristas separatistas espanhóis do ETA para aprender a usar dinamite e implodir o Pentágono. Para mim, a diferença entre um assassino e um terrorista é a dinamite. O assassino mata o inimigo, o amante da mulher. O terrorista mata todos: homens, mulheres, crianças. Aí me dei conta de que tinha de deixá-lo. Ele também queria começar uma guerra com Gilberto Rodríguez e dizia que era por minha culpa. Havia as questões do negócio, claro. Mas fui a culpada por eles se odiarem tão ferozmente e começarem uma guerra entre cartéis que acabou com a vida dos dois. Fiquei muito mal com o término da nossa relação, em 1987.
MC Mal como?
VV Sem ele, me sentia desprotegida. Fiquei sem dinheiro, carreira, família, ao ponto de passar 11 dias sem comer. Até que vendi um quadro e consegui uma bolsa de estudos na Alemanha. Minha vida é uma sucessão de milagres. Quando estou a ponto de morrer, acontece um.