Opinião

JACUTINGA E A LUA DE SÃO JORGE

Jacutinga, em Brasília, em meio aos livros, novos amigos e professores, foi de vento em popa. O curso de Indigenismo propiciou debates, com a apresença de Cláudio Romero, Olímpio Serra e outros. Um dos resultados foi a criação da Associação de Indigenistas, presidida por José Porfírio Carvalho, primeiro e único presidente. Ainda que impedida pelo militarismo de pôr em prática seus princípios, visou “contribuir na defesa e desenvolvimento das comunidades indígenas, bem como na difusão e defesa dos problemas e interesses comuns aos indigenistas”.

Em novembro de 1979, Jacutinga voou rumo a Cuiabá para cumprir a segunda etapa do curso: estágio em área indígena. Chegou cedo à Funai e encontrou Fritz à espera da porta se abrir. Naquele dia, os dois não sabiam o quão se tornariam amigos. No Toyota azul, Jacutinga e Cristovão Nambiquara, do grupo Manairisu, seguiram para o Vale do Guaporé conduzidos pelo indigenista Sílbene de Almeida. Ele era um mineiro de Mutum, que antes de chegar à aldeia perambulou na noite do Leblon, no Rio, a representar um personagem fictício, de sua criação, que falava uma língua também inventada.

Cristovão, que não falava português, sofria de bócio. Considerado o melhor cantador da aldeia, recusou-se a fazer cirurgia, pois os índios atribuíam seu dom ao tamanho de seu pescoço. Pela BR 364, sem asfalto, via Diamantino, foram os três, na  voz de Sílbene que cantarolava Caetano Veloso em meio às conversas. A condição da estrada tornava a viagem longa, com dois pernoites: um no Posto Indígena Umutina, dirigido por Antonio João de Jesus. Os índios, ao conhecerem Jacutinga, profetizaram que não ficaria por muito tempo entre o povo Nambiquara em virtude da malária; o segundo foi no cerrado, a céu aberto, sob a lua de São Jorge.

A viagem desenhou-se na mente de Jacutinga, especialmente com Cristovão que à noite chamava por Sílbene para contar suas visões  sobrenaturais. O Manairisu não saiu mais do pé do Jacutinga, que passou a repetir em português tudo que a ave falava, situação que passou a ser desconcertante.

Anna Maria Ribeiro Costa

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Anna é doutora em História, etnógrafa e filatelista e semanalmente escreve a coluna Terra Brasilis no Circuito Mato Grosso.

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