Mudanças no comando do Ministério das Relações Exteriores nem sempre significam rupturas nas estratégias de condução da pasta. Uma das marcas registradas da política externa do Brasil é a integração entre os países da América do Sul, o que permanece como prioridade. A aproximação entre os países sul-americanos ocorre em razão de uma mudança no padrão histórico de isolamento, o qual foi herdado da colonização portuguesa e espanhola. A superação de rivalidades bilaterais, como entre Argentina e Brasil e Colômbia e Venezuela, foi fundamental para a união dos doze países da região. Atualmente, essa união está institucionalizada na União Sul-Americana de Nações (UNASUL), que formalizou o relacionamento entre os Estados. O objetivo é superar problemas comuns e viabilizar projetos de desenvolvimento em benefício de todo o continente sul-americano.
O poeta e diplomata, João Cabral de Melo Neto, escreveu um poema – “ Tecendo a manhã”-, que pode ser interpretado como uma metáfora para representar essa necessidade de união. A exemplo dos versos de Cabral,”um galo sozinho não tece uma manhã, ele precisará sempre de outros galos”’, a integração da América do Sul precisa de esforço conjunto.
No processo de integração, foi superado o padrão histórico de rivalidades, que vinha desde a colonização, herdado das disputas territoriais entre Portugal e Espanha. Além da rivalidade herdada, a oposição entre os países da região resultou da fragmentação territorial durante as independências das colônias espanholas. O vice-reino do Prata jamais recuperou suas antigas fronteiras, ao contrário da colônia portuguesa, que manteve íntegro seu território. A fragmentação das antigas fronteiras motivou a busca de Buenos Aires por recuperar seu poder na região. A disputa pela hegemonia no Cone Sul exacerbou o antagonismo portenho com a Corte no Rio de Janeiro.
A tendência histórica de oposição e disputa foi sendo transformada ao longo do século XX por meio da formação de blocos econômicos e políticos, que favoreceu a execução de projetos comuns. A exemplo da aproximação entre Brasil e Argentina, fundamental na mudança do antigo paradigma de animosidade no relacionamento exterior dos países. A mudança teve início na década de 1970, com a assinatura do Acordo Tripartite Itaipu-Corpus, que resolveu as divergências quanto ao aproveitamento do rio Paraná para a construção da hidrelétrica de Itaipu. Continuou durante a década de 1980, com a aproximação entre os presidentes José Sarney e Raul Afonsin, como uma das consequências positivas da redemocratização. Nesse momento, estava criada a oportunidade que fez surgir o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). Atualmente, apesar de ser muito criticado e considerado uma ficção e não uma verdadeira União Aduaneira, o novo chanceler, Aloysio Nunes Ferreira, declarou que o MERCOSUL deve mudar para que seja um bloco econômico viável e não pode ser extinto.
Outros entraves à integração, além dos mencionados, permaneciam e precisavam ser superados. Um deles era a necessária contraposição dos países do continente à subordinação externa, que impedia uma atuação conjunta e, principalmente, a construção de infraestrutura comum. Para corrigir essa falha de interligação entre os países, no ano de 2000, foi lançada a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Física da América do Sul (IIRSA). A iniciativa manteve-se e foi incorporada a projetos mais amplos de integração, o que culminou com a assinatura do Tratado Constitutivo da Unasul, em 2008.
As recentes mudanças no Itamaraty não afetam a importância atribuída ao processo integracionista sul-americano. A integração regional é a circunstância do Brasil que não pode ser negligenciada. Como já explicou o ex-chanceler Celso Amorim, ao usar a frase de Ortega e Gasset, “eu sou eu e minha circunstância, e, se perco a ela, perco a mim”, para referir-se à prioridade conferida pela diplomacia brasileira às relações com os países da América do Sul.
Ana Paula Poncinelli G. Rodrigues, é mestre em Teoria Literária e Gestora Governamenta