Desde o dia 9 fevereiro, cerca de 5 mil caminhoneiros estão parados em atoleiros da BR-163, entre Cuiabá e o porto de Miritituba, em Itaituba (PA). A fila de caminhões se concentra entre os municípios de Trairão e Novo Progresso, trecho de 178 km onde não há pavimentação. As fortes chuvas que caem na região desde o começo de fevereiro transformaram a estrada em uma grossa lama de barro, um campo movediço para veículos com peso médio acima de 1.000 kg e mais que o dobro de massa de grãos em carga.
O presidente do Movimento dos Transportadores de Grãos (MTG) e da União do Transporte Rodoviário de Carga (UTRC), Gilson Baitaca, calcula um prejuízo diário de R$ 10 milhões, o que já soma aproximadamente R$ 100 milhões pelo tempo que os caminhoneiros estão travados na rodovia sem condições de retorno e de seguir em frente.
O cálculo é o seguinte: cerca de 5 mil veículos chegam diariamente ao porto de Miritituba ou de Santarém no período de pico de colheita em Mato Grosso; regularmente entre os meados de fevereiro e março. O faturamento é de R$ 1 mil/dia de cada trajeto concluído.
“É um prejuízo que só aumenta a cada dia que o motorista fica parado na estrada. Como a previsão de que o tráfego se regularize é somente para o próximo fim de semana, esse valor pode subir mais ainda. Sem contar a situação dos motoristas que estão parados na estrada, sem comida, sem banheiro para as necessidades”, conta.
Segundo ele, o maior prejuízo recai sobre os caminhoneiros autônomos, que terão que bancar o conserto de caminhões e já contavam com o ganho no transporte para cobrir dívidas que se arrastam desde o ano passado.
“Você conversa com motoristas, por telefone, e não sabe o que fazer, porque eles só ficam chorando. Eles contavam com o ganho de transporte agora no pico de demanda de transporte e estão há dias parados na estrada. E nem quando conseguirem voltar a rodar terão condições de cobrir o prejuízo. Alguém já me disse que não sabe se volta pra pista ou entra no mato por causa do desespero”.
Os motoristas contratados por transportadoras não custeiam os danos com veículos, que são cobertos pelas empresas, e têm um salário piso em carteira de trabalho assinada.
Conforme a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), quase 8 milhões de toneladas de grãos deveriam passar pelo arco norte de rodovias para saída do país pelos portos do Pará. Mais de 90% desse volume representam grãos colhidos em Mato Grosso. Gilson Baitaca diz que mais de 40% são de soja e outros 50% de milho.
Com o travamento de tráfego na BR-163, essa estimativa deve ser reduzida em mais ou menos 2 milhões de toneladas. A alternativa de exportação é a rota do arco sul, onde o frete está sendo pressionado pela grande demanda e baixo número de disponibilidade de transporte.
Histórico
A BR-163 começou a ser aberta, entre Santa Catarina e Santarém, no Pará, na década de 1970 como alternativa para o escoamento da produção agropecuária, principalmente soja e milho, que à época sobrecarregava o arco sul no transporte. É uma rodovia com mais de 3,4 mil km que deveriam servir de padrão para o restante das estradas no país, mas a falta de planejamento, aliada ao jogo político, ainda impede a conclusão de pavimentação e 178 km de estrada que, sem qualquer tipo de estrutura, causam prejuízos na casa dos milhões até hoje. Majoritariamente para Mato Grosso, o maior produtor brasileiro.
Indústrias têm quebra de 400 mil dólares ao dia
O travamento de caminhões na rodovia gera efeitos em cadeia na negociação de exportação agropecuária. Cálculos da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abio
ve) e da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (An
ec) indicam que para cada dia em que os portos ficam impedidos de embarcar mercadorias, o prejuízo para as empresas é de 400 mil dólares, com custos de elevação e demurrage (sobre estadia).
Segundo as associações, há também prejuízos com o descumprimento de contratos, riscos financeiros com produtores e armazéns e riscos para a imagem do Brasil.
“O trecho de 178 km é conhecido dos caminhoneiros pela situação crítica que atravessa todos
os anos em época de chuva, e fotos constantemente publicadas na imprensa denunciam o caos: atoleiros, veículos tombados, filas intermináveis de veículos. São mais graves ainda os custos sociais para os caminhoneiros”, aponta a Abiove.
A Abiove e a Anec destacam que as chuvas reduziram a capacidade de tráfego da rodovia de 800 para 100 caminhões/dia. E desde o dia 14 de fevereiro, já não chegam caminhões aos terminais fluviais de Miritituba (PA).
Entidades cobram medidas emergenciais
Associações de transporte e de indústrias cobram medidas emergenciais do governo federal para sanar a situação precária da BR-163, que liga Cuiabá a Santarém. A Abiove afirma que o aumento de patrulhamento de recuperação de pista deve ser uma medida executada imediatamente, para acelerar a trafegabilidade na rodovia.
“As empresas construtoras devem adotar gestão do tráfego de caminhões para evitar que estes parem em fila dupla na rodovia e para assegurar capacidade de manutenção da pista. Isso permitirá o represamento dos caminhões e prevenirá que estes trafeguem em trechos ainda sem base firme”, diz nota da Abiove.
A entidade aponta trechos críticos que devem ter manutenção constante ao longo da rodovia, dentre eles os de Jamanxim, 3 Bueiros, Serra do Caracol (citado como região de piores condições atualmente) e o aclive de Moraes Almeida.
A Aprosoja, o MTG e a UTRC também criticam a demora do governo em concluir a pavimentação da rodovia. Os trabalhos deveriam ser concluídos em 2013, no entanto, a execução sofreu várias paralisações nos últimos anos por falta de estrutura das empresas vencedoras de licitação em concluir o projeto e por envolvimento de outras em investigações policiais, como a Lava Jato.
“A pavimentação deveria ter sido concluída em 2013. Mas a empresa responsável pelo serviço é pequena e ainda não conseguiu concluir os serviços. Se perguntam para ela quando serão retomados os serviços, jogam a responsabilidade para o Dnit (Departamento Nacional de Trânsito) e o Dnit, por sua vez, empurra a responsabilidade para a empresa”, comenta o coordenador de logística da Aprosoja, Antônio Galvan.
Rodovia é segunda rota mais importante, diz Sinfra
A Secretaria Estadual de Infraestrutura (Sinfra) diz que a BR-163 é a segunda rota mais importante para o escoamento da produção agropecuária no Brasil. A rodovia reduz em aproximadamente 1.000 km a distância entre Mato Grosso aos portos de Miritituba e Santarém, no Pará, se comparada com a extensão da saída para o Sudeste.
Na atualidade, o trecho da divisa entre Mato Grosso e Pará até o porto de Miritituba é de 668 km, só 86% da pavimentação está concluída. Já de Miritituba a Santarém, o trecho é de 335 km, e ainda restam 86 km para asfaltar (75% concluído).
Apesar de não finalizada, a rota está em uso para o escoamento da safra de grãos. Caminhões com origem nos municípios agrícolas do norte de Mato Grosso levavam em média sete dias para chegar aos portos do Sudeste, enquanto que para Miritituba são apenas três dias. O potencial de escoamento total é de 35 milhões de toneladas por esta rota.
Em nota divulgada no começo desta semana, o governo cobra intervenção do Dnit, vinculado ao Ministério dos Transportes e responsável pela fiscalização de trabalhos em rodovias, na manutenção da rodovia e conclusão de pavimentação.
“O governo se solidariza com o Pará e com os empresários que acumulam prejuízos devido às péssimas condições da rodovia, em plena crise econômica nacional. De imediato, o governo do Estado tem cobrado a trafegabilidade da rodovia, e, posteriormente, a pavimentação da BR-163 no Pará para melhorar o escoamento da safra. A situação afeta não somente os estados e empresários, mas todo o país.”
Tráfego será normalizado até dia 3, se a chuva deixar
O Dnit estima que a liberação do tráfego na BR-163 seja realizada até esta sexta-feira (3), dependendo das condições climáticas no Pará. Em nota divulgada na terça-feira (28), o Dnit informou ter conseguido viabilizar uma parte do tráfego no sentido de Mato Grosso, onde o tráfego estava prejudicado desde o dia 10 de fevereiro.
Segundo o órgão, está sendo feita a recuperação de pontos isolados em um segmento de aproximadamente 37 km localizado entre as comunidades de Santa Luzia e Bela Vista do Caracol, no trecho paraense da rodovia. Trechos no sentido sul, em direção a Mato Grosso, começaram a ser liberados na madrugada da última terça-feira.
“As equipes do DNIT estão trabalhando em duas frentes, simultaneamente: nas proximidades da comunidade Jamanxim e próximo à Vila Santa Luzia”, informa o Dnit, acrescentando que as forças de segurança estão atuando para garantir a chegada das equipes e material de reparo da via.
Na segunda-feira (27), o governo do Pará afirmou ter colocado uma força-tarefa para tentar reduzir os problemas de tráfego na BR-163. Apesar de a jurisdição da rodovia ser federal, o Estado comunicou ter mobilizado servidores civis e militares entre Trairão e Novo Progresso.
Nos números do governo paraense, a fila passa de 50 km e envolve 2 mil caminhões, no lado da rodovia dentro do Pará. No município de Trairão, a prefeitura declarou estado de emergência em pelo menos cinco localidades: Jamanxim, Vila Planalto, Santa Luzia, Três Bueiros e Aruri.
Representantes do Dnit, do Exército e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) estão em trabalho de obstrução e aplainamento da pista desde o começo da semana.
Caminhoneiros estão comendo por solidariedade
Os quase 5 mil caminhoneiros que estão parados na BR-163 começaram a receber alimentação e produtos de higiene nesta quarta-feira (1º). O Ministério da Integração Nacional, por intermédio da Defesa Civil Nacional, enviou cestas básicas para Itaituba, de onde serão encaminhados para o local.
O governo do Pará ordenou o atendimento às populações das cinco localidades do município de Trairão que estão isoladas pela interdição da rodovia. Esse número chegou a oito, conforme o prefeito de Itaituba, Valmir Climaco.
“Os motoristas estão sem condições de sair do local, estão comendo por solidariedade de pessoas que moram nas redondezas que estão matando bois para dar de comer a esse pessoal. Também têm as pessoas que fazem comida e vão vender a um preço caríssimo para os motoristas; chegam de moto ou a pé mesmo”, conta.
A força-tarefa do Pará foi criada com as secretarias estaduais de Transporte, Segurança, Saúde, e Educação, além da Casa Civil, Bombeiros, Defesa Civil, PM e Grupamento Aéreo de Segurança Pública, para agilizar procedimentos emergenciais como o monitoramento de danos, riscos e impactos.
O coordenador da Defesa Civil estadual orientou a Defesa Civil municipal de Trairão a montar uma cozinha para atender aos caminhoneiros com alimentação e hidratação e solicitou ao Exército os carros-pipa para distribuir água potável.
Estudantes sem aula
Ainda segundo o prefeito Valmir Climaco, há mais de 15 dias escolas estão sem funcionamento e há condições precárias de acesso às comunidades devido a condições da pista. “Estamos trabalhando para ter acesso a esses lugares que estão passando por dificuldades. As escolas já não funcionam há mais de 15 dias porque não a condições de se chegar ao local”.
Conflito entre caminhoneiros
Gilson Baitaca diz que a tensão da situação também gerou conflitos entre caminhoneiros parados na estrada.
Rodovia foi aberta para integrar o país
A BR-163 é parte do Plano de Integração Nacional (PIN) do governo militar e pertencia ao movimento desencadeado na década de 1970 sob o lema “Integrar para não Entregar!”. À época o governo criou pressão para ocupação da região amazônica e, para dar conta do literal abrir caminho, foi criado o 9ª Batalhão de Engenharia e Construção (9ºBEC) em Cuiabá com o objetivo de implantar a BR-163, ligando a capital mato-grossense a Santarém.
Em 1971 teve início o trabalho de abertura da estrada. Foram cinco anos de muito trabalho, desafios e também perigos, pois se tratava da ocupação de uma região até então não ocupada pelo Estado. Durante o processo de construção, muitas cidades foram fundadas às margens da rodovia, caso de Lucas do Rio Verde, Sinop, Peixoto de Azevedo, entre outras.
A inauguração do primeiro trecho da BR-163 ocorreu em 1976, ano em que os homens do 9º BEC encontram os do 8º BEC na região sul do Pará. Em 2015, a rodovia completou 40 anos. Com extensão de 3.467 km, segue inconclusa até hoje.
A rodovia atravessou quatro décadas com status de calamidade pública, conforme o próprio Dnit, que admitiu que a extensão Cuiabá-Santarém é um caso de “calamidades rodoviárias do país”.
Com investimento de R$ 5,5 bilhões, a concessionária Rota do Oeste já duplicou 54,9 km de pista da BR dentro do território de Mato Grosso. Houve intervenções a partir do perímetro urbano de Rondonópolis em direção à divisa com Mato Grosso do Sul, onde foram duplicados 32,4 km. De Rondonópolis até o terminal Intermodal de trens, foram duplicados mais 22,5 km.