Em 2012, a Assembleia Legislativa aprovou uma emenda à Constituição Estadual que estabelecia dez anos de estágio probatório para a indicação de candidato ao conselho do Tribunal de Contas do Estado (TCE). O texto também determinava que coubesse ao Legislativo a indicação sucessiva de apadrinhados até cobrir a fração prevista na Constitucional Federal, de 4/7.
Na semana passada, a Assembleia derrubou, em primeira votação, a emenda 61 para abrir espaço a um componente do conselho sugerido por deputados. A vaga a ser ocupada está sem titular desde 2014, ano em que o ex-deputado Humberto Bosaipo renunciou ao cargo após a implicação de seu nome em crimes de corrupção durante mandato na Assembleia Legislativa.
Dois anos antes, em 2014, O Supremo Tribunal Federal (STF) já havia suspendido efeitos da emenda 61 ao deferir uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) aberta pela Audicon (Associação dos Ministros e Conselheiros Substitutos dos Tribunais de Conta). Desde então, a definição de quem ocupará a vaga está travada.
O debate sobre a indicação voltou a ganhar espaço neste ano pelo anúncio de aposentadoria do presidente do TCE, Antônio Joaquim, até dezembro – conforme estimativa dele mesmo. A decisão voltou a gerar especulação sobre quem coloca quem nas cadeiras.
“Não há o que discutir sobre a minha. Ela está obrigatoriamente destinada para indicação de auditor do Ministério Público de Contas ou de conselheiro substituto. Está previsto na Constituição [Federal]”, afirma Antônio Joaquim.
A questão de ilegalidade afeta todo o histórico do Tribunal de Contas de Mato Grosso e a disputa sobre a indicação agora em holofote novamente é uma dança de ilegalidade que ocorre há anos em Mato Grosso. Conforme o advogado e ex-membro do tribunal Benedito Alves Ferraz, é cabível a destituição completa do pleno do TCE por falta de cumprimento de prerrogativas constitucionais presentes nos textos de 1967, 1988 e reforçadas pela Constituição Estadual de 1989.
“Quando o Ministério Público foi instituído Brasil, foi disciplinado pelo governo federal. A forma que deve ser composto o pleno aparece pela primeira vez na Constituição de 67, depois reproduzida nas de 88 e 89 (estadual), e é clara: o pleno dos tribunais de contas deve ser composto por indicação do Poder Legislativo, que tem direito de indicar quatro membros a seu bel-prazer, e o Executivo pode indicar três. O problema é que isso nunca foi cumprido em Mato Grosso. Só agora parece que o Antônio Joaquim quer seguir a norma”, explica.
O artigo 73 de 1988 estabelece regras para a composição do Tribunal de Contas da União (TCU) que por efeito de semelhança de atribuições são estendidas para os tribunais estaduais de contas. Pela norma, sete conselheiros compõem os TCEs. Quatro devem ser indicados pela Assembleia Legislativa, um por voto de membros em exercício, outro é indicado pelo Executivo (governador), e mais dois são escolhidos pelo governador dentre os provenientes das carreiras técnicas de auditor e procurador do Ministério Público de Contas, cuja disputa é realizada por meio de lista tríplice.
“Qualquer burla desse sentido da Constituição Federal é uma fraude. Uma ação direta de inconstitucionalidade pode anular todas as atividades do tribunal porque foram julgadas por um universo de membros inconstitucionalmente nomeados. Existe uma farta legislação, existe uma farta série decisões do tribunal (STF) anulando todas essas decisões [conselho ilegal]. Nenhuma lei fora do âmbito federal tem poder para modificar uma vírgula da Constituição”.
Presidente diz que garantirá indicação de lista tríplice
Neste mês de fevereiro, Antônio Joaquim afirmou que poderá entrar com recurso no STF para garantir que a cadeira que será desocupada por ele seja destinada a um profissional de carreira. O conselheiro afirma que a regra para indicação de membro desta categoria profissional foi criada em 2009, para atender às necessidades do tribunal de componentes mais técnicos da área jurídica.
“Se eu não entrar, a Atricon (Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil) poderá entrar para garantir a vaga. Antes de 2009, não existe o cargo de carreira no Brasil, por isso as indicações foram feitas de maneira mais política pelo governo ou pela Assembleia”.
Além de Antônio Joaquim, são membros do TCE-MT: Valter Albano, José Carlos Novelli (ex-deputado), Sérgio Ricardo (ex-deputado e afastado), Waldir Júlio Teis (indicação da Assembleia), Domingos Neto (ex-deputado) e Luiz Carlos Pereira (conselheiro interino). Humberto Bosaipo renunciou em 2014 e a cadeira continua sem titular.
“Para corrigir essa anomalia, as duas primeiras vagas que estão quase existentes terão que ser, necessariamente, indicações do governo estadual. Um auditor e um membro do Ministério Público, aí o tribunal fica composto regularmente”.
A lista tríplice do TCE, para substituto de Antônio Joaquim, deverá ser composta pelos conselheiros substitutos Luiz Henrique Lima, Isaías Lopes e Luiz Carlos Pereira. O TCE-MT também poderá indicar membros do Ministério Público de Contas do Estado (MPC-MT).
Analista defende concurso público para composição do TCE
O analista de política João Edisom defende a criação de regras para absorção de membros estritamente técnicos ao Tribunal de Contas. Segundo ele, a função dos tribunais na estrutura do Poder Público exige formação especializada, sem compromisso político.
“O TCE hoje tem hoje uma estrutura puramente política. As pessoas indicadas servem para amenizar julgamentos futuros de seus padrinhos. Isso não pode acontecer. Não sou dos radicais que defendem a extinção dos tribunais, mas eles devem ser restruturados por meio de concurso público”, comenta.
Ele diz ainda que a seleção por concurso público deve estabelecer prazo máximo de cinco anos para a ocupação do cargo no Tribunal de Contas. Após esse período, uma nova rodada de troca de membros deve ser realizada para evitar vínculos de conselheiros com agentes políticos. João Edisom lembra o modelo instituições existente em Estados norte-americanos.
“É claro que existe a questão da burocracia do Estado brasileiro, mas ela não existe só no Brasil. Por outro lado, o modelo atual de indicação do TCE existe em outras esferas, e nós vemos os próprios membros dessas instituições votando seus salários. Isso não pode existir. Não faz sentido, ainda mais com cargo vitalício. Quem não quer esse emprego?”.
PEC deve voltar a votação depois do carnaval
O Projeto de Emenda à Constituição (PEC) 001/2015 aprovada por 18 votos na Assembleia Legislativa passará por uma Comissão de Constituição, Justiça e Redação para voltar à votação do pleno. Se aprovada, a proposta derruba a emenda constitucional 61/2012 que estendeu o estágio probatório para conselheiro de contas de cinco para dez anos.
“A emenda 61 foi aprovada pela legislatura passada, mas foi suspensa pelo STF por causa da inconstitucionalidade. E além de inconstitucional, é imoral. Uma indicação para cargo público não pode ter um estágio probatório de dez anos. Isso vai contra os princípios constitucionais”, diz o deputado José Domingos Fraga (PSD), um dos principais articuladores da PEC 001/2015.
Ela estima que o novo texto, protocolado na Assembleia há quase dois anos, entre em segunda votação do pleno até o começo de março, logo após a volta de recesso de carnaval. Questionado sobre o tempo para transformação da proposta em pauta, Fraga afirma que faltou vontade política da Mesa Diretora, comandada pelo deputado Guilherme Maluf (PSDB), outro pretendente à vaga do TCE, para apresentação do texto. A PEC entrou em votação no dia 8 fevereiro, uma semana após a nova Mesa Diretora da Casa, liderada por Eduardo Botelho (PSB) tomar posse.
“Faltou um pouco de vontade política para a Mesa anterior apresentar a proposta. Depende dela para qualquer projeto se transformar em pauta [de votação do pleno]”, diz Fraga.
A PEC de 2015 ainda invalida a suspensão de indicação determinada pelo STF por causa de perda de objeto. O mecanismo viabiliza a ocupação da cadeira renunciada por Humberto Bosaipo.
Por determinação do ministro Ricardo Lewandowski, então presidente do STF, a indicação ao cargo de conselheiro do TCE-MT foi suspensa, assim como a nomeação ou posse, em dezembro de 2014, dois anos depois de a Audicon ingressar com uma ação de inconstitucionalidade.
A associação contestava os artigos 1º e 2º da emenda constitucional 61/2011, que tratam respectivamente da imposição do prazo de dez anos de função no próprio TCE-MT, como requisito, e da possibilidade de a Assembleia Legislativa proceder a indicações de conselheiros sucessivamente até que seja garantida a proporcionalidade constitucional entre os indicados pelo governador e pela Assembleia.