Das 161 escolas municipais da capital mato-grossense que atendem em torno de 58 mil crianças, 96 necessitam de reparos emergenciais em sua estrutura. Destas, 36 estão em situação de urgência e 17 estão em estado gravíssimo, com a estrutura condenada.
Os problemas nas unidades escolares variam desde a estrutura com trincas e rachaduras em pisos, paredes e muros a cobertura e forros danificados com o teto cedendo, fiações expostas, infiltrações, banheiros sem portas, cozinhas mal conservadas, portas sem fechaduras e maçanetas, ventiladores pendurados, ferragens expostas.
Apesar de a vistoria da atual gestão da nova gestão da Secretaria Municipal de Educação (SME) ter identificado o desalinhamento estrutural em janeiro deste ano, a má condição dessas unidades educacionais se deve à falta de reformas, tendo sobrevivido aos eventuais problemas com remendos e gambiarras realizadas no decorrer dos 20 anos, desde que foram inauguradas, o que revela tanto a má gestão do município quanto a má gestão escolar.
Escola Eliza Luíza Esteves, uma das mais prejudicadas
O Circuito Mato Grosso visitou a Escola Municipal de Educação Básica (Emeb) Elza Luíza Esteves, no bairro Canjica, que faz parte das unidades em situação emergencial. Se não fosse pela movimentação de funcionários, crianças e professores em salas de aula e o barulho dos profissionais trabalhando na reforma do banheiro da escola, o cenário precário daria a impressão que o local estava abandonado.
Ao todo a escola tem 11 salas de aula, das quais quatro foram interditadas por conta da estrutura condenada. Com capacidade para atender 400 alunos do 4º ao 9º, entre 9 e 17 anos de idade, incluindo portadores de necessidades especiais, a unidade começou o ano letivo com apenas 280 crianças matriculadas, e uma das razões da redução da demanda se deve à fragilidade da escola.
Edson Luiz Ismael é professor de Geografia na unidade e entre idas e vindas, relatou propostas de reformas que a escola teve entre 2012 e 2014 que não foram realizadas e avalia. “Desde que cheguei, a escola tem essas deficiências patrimoniais”, confirma o professor que já chegou a realizar atividades com os alunos para chamar a atenção quanto à vulnerabilidade da instituição. “Uma vez eu pedi para que os meus alunos fizessem barquinhos de papel e colocamos em uma sala que estava inundada. Eu ia fazer um artigo, mas fui repreendido pelo ato”.
No entanto, a situação que Edson Luiz conta ainda permite que ele realize a manifestação, uma vez que há salas interditadas e se encontram alagadas – fator que contribui para a proliferação do mosquito causador da dengue, chikungunya, zica e da febre amarela urbana – por conta do teto e forro danificado, fato encontrado, inclusive, dentro de uma sala com alunos estudando ao lado de um balde que aparava goteiras da chuva.
“Teve uma vez em que eu estava dando aula e uma parte do teto caiu. O risco foi grande pelas crianças que estavam estudando. Ia ser complicado se atingisse uma delas”, relembrou.
Para o início do ano letivo, que começou na segunda-feira (6), equipes foram encaminhadas para fazer reparos e as reformas emergenciais. Durante esses dias, os alunos estudam em meio a barulho intenso de furadeiras, as batidas de marteletes, utilizam banheiros químicos, uma vez que o banheiro da escola foi condenado e se encontra em reforma, têm recreio reduzido e dentro da sala de aula, pra não correrem risco de se machucar em ferragens expostas e com o material das obras.
A quadra de esportes, que seria uma alternativa para o recreio e utilizada numa das aulas que é parte da grade escolar, está inutilizável. O motivo seria a falta de um alambrado de segurança por conta de a quadra ficar numa parte inferior de aproximadamente dois metros de altura do nível superior.
Por meio do improviso, o professor diz que consegue a atenção e concentração dos alunos e o pouco que os estudantes guardam faz a diferença. “É melhor a gente se esforçar 100% para que ao menos 50% eles consigam levar para casa”. Edson Luiz fala com orgulho de alunos que apesar de conviver com as dificuldades estruturais se superam ao conseguirem entrar no Instituto Federal de Mato Grosso e ainda dar bons resultados na avaliação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
Além dos danos nas áreas cobertas da escola, há também a área onde fica a quadra descoberta da escola, que está sendo tomada por matagal e poças d’água de chuvas, o que também contribui para a criação de mosquitos. No entanto, também há vestígios de depredação como os vidros quebrados por invasores que pulam o muro da escola.
Três salas improvisadas de gesso são construídas para os alunos, até que eles possam retornar à estrutura reformada.
“A situação da Elza Luíza estava dez vezes pior de quando fizemos a vistoria,” reconheceu a secretária municipal de Educação, Mabel Strobel, ao esboçar as medidas adotadas para a restauração das unidades escolares municipais.
Medidas adotadas pela Secretaria de Educação
A Emeb Elza Luíza Esteves é apenas a ponta do iceberg das escolas e creches municipais de Cuiabá em situação de emergência e a Secretaria Municipal de Educação dá seguimento nas ações que estavam paralisadas e tem adotado medidas, como a liberação de verba emergencial e o programa Faz Tudo, criado pela Prefeitura do Município para realizar reparos e reformas para resolver eventuais problemas estruturais.
Tendo em vista a precariedade dessas unidades escolares, há cerca de R$ 57.737.279,95 em processo de licitação para a reforma geral das 96 unidades de educação. Mabel Strobel admite a falta de verba em caixa para essas medidas, no entanto frisa que tratativas precisam ser articuladas junto à bancada federal para conseguir esse recurso e atender toda essa demanda.
“Fora a possibilidade de trazer verba da União, nós estamos trabalhando com a verba emergencial para as escolas, que é a fonte do próprio município”, afirma a gestora que lamenta a baixa arrecadação do município no primeiro trimestre do ano e dificulta os repasses à educação, que recebe 29% de toda da arrecadação de Cuiabá.
Atualmente, já existe em fase de licitação no valor de R$ 20.769.355,59 para a substituição das coberturas de creches e escolas, que incluem os forros e as instalações elétricas. E, ainda, para reformas e conclusão de obras, há também mais de R$ 23 milhões distribuídos em serviços que incluem acessibilidade, continuidade de obras, conclusão de quadra de esporte coberta e aquisição de aparelhagem da rede escolar, além de R$ 315 mil para aquisição de caixas d’água.
Para garantir o ano letivo das escolas e creches, as medidas adotadas pela secretaria, além de dar continuidade aos processos de licitação que foram abertos na gestão anterior, foi realizar a liberação da verba emergencial. “Nós temos R$ 600 mil para serem usados durante todo este ano, sendo dividido esse valor igualmente para educação infantil e fundamental”, explica Mabel salientando que o valor limite a ser liberado para uma unidade é de R$ 8 mil.
Especificamente quanto à demanda de matrículas da Escola Elza Luíza Esteves, Strobel explicou que o motivo de a escola estar com pouca turma, 12 no total, seria por conta de que a gestão passada propôs a retirada do 9º ano da instituição, o que não agradou a comunidade que tem pais com mais de um filho e optam por eles estudarem em uma mesma escola. “Estivemos com a comunidade e para poder atendê-los fizemos uma contraproposta, para que, no caso de haver pelo menos 20 alunos, a gente vai manter o 9º ano na Elza Luíza, isso se conseguir fechar a turma”, relatou a secretária.
“Enfim, agora estamos trabalhando nessa força-tarefa, para fazer com que realmente as coisas tenham bom resultado. Para que estas creches e escolas voltem a ter um padrão, inclusive, questões como acessibilidade”, diz Mabel ao frisar a falta de rampas e banheiros com estrutura para atender portadores de necessidades especiais. A secretária lembra que a precariedade atinge não só a instituição que o Circuito Mato Grosso visitou, mas outras 95 unidades, um legado caótico que perdurou por pelo menos cinco gestões.
Faltam unidades escolares e vagas
Com o início do ano letivo, neste dia 6 de fevereiro, a secretária Mabel Strobel afirmou que neste ano mais de 5 mil crianças de até 5 anos ficarão sem vagas em creches e Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs) do município. Isso porque, dos 8.887 inscritos no sistema de distribuição de vagas da prefeitura, o Executivo só conseguiu atender 3,7 mil crianças.
Strobel afirmou que não há muito que se fazer no momento. “Nós estamos atendendo caso a caso. Agora já sabemos que nós não vamos conseguir atender. Infelizmente. Nós só vamos atender 50% dessa demanda (34 mil crianças no município), apenas em 2025”, afirmou ao Circuito Mato Grosso.
Segundo a secretária, as crianças que conseguiram uma vaga foram aquelas que moram mais próximo das unidades municipais. “Atendendo caso a caso, e fazendo na prática o georreferenciamento para mostrar para a mãe que ali, tem crianças que moram mais próximo, e ela não conseguiu porque ela mora mais distante. Além disso, em algumas regiões novas creches precisam ser construídas”, declarou.
Strobel também disse que no decorrer do ano a secretaria tem a expectativa de colocar em funcionamento novos CMEI, criando assim mais de 800 novas vagas.
Haitianos não conseguem matricular filhos
Um casal vindo do Haiti não conseguiu matricular um de seus filhos no Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) localizado no bairro Real Parque, em Cuiabá. Paul Jeantihomme, 43, e Saphine Jean, 33, suspeitavam de que a vaga para seu filho de 2 anos só não foi dada por serem estrangeiros. Morando em Cuiabá há cinco anos, o casal haitiano teve o menino Chrichley Jean Jeantihomme em solo brasileiro.
“Me falaram que não tinha vaga, mas uma família brasileira conseguiu matricular o filho deles. Nenhum haitiano está conseguindo colocar seus filhos nas creches”, disse Paul ao Circuito Mato Grosso. De acordo com Saphine, que trabalha como diarista, eles chegaram a fazer o pedido de matrícula na unidade escolar pela internet, assim como determinou a Secretaria Municipal de Educação (SME).
Para a diarista, tal ação se deve ao fato de serem estrangeiros. “Ano passado, cinco haitianos fizeram a inscrição, mas nenhum conseguiu matrícula. Este ano também não. Não há nenhum haitiano nessas creches. Nós também precisamos. Eu penso que isso é racismo, pois não há nenhum haitiano matriculado”, afirmou Saphine.
No entanto, a assessoria da Secretaria Municipal de Educação afirmou que não houve qualquer tipo de discriminação contra a família haitiana. Conforme a assessoria, o filho do casal não foi selecionado pelo sistema de pré-matrícula, já que todos que se inscreverem, brasileiros ou não, passaram pelo mesmo critério de avaliação.
“Surgiu esse comentário de que famílias haitianas teriam sido discriminadas em favor de brasileiros. Esses haitianos fizeram a pré-matrícula via web, mas não foram contemplados, pelo critério da proximidade com a unidade”, explicou.
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“Não houve qualquer discriminação ou distinção. Eles participaram do processo. Não é por serem estrangeiros que terão o direito de passar na frente. Todos são obrigados a passar pelo processo seletivo”, disse.
Segundo a secretária, na capital ainda não há uma política pública de acolhimento a famílias estrangeiras.
“A secretaria fez um processo seletivo para contratar profissionais e, dentre os selecionados, está uma professora que irá elaborar essa política de acolhimento. Primeiro, haverá um mapeamento, para identificar onde estão esses estrangeiros e saber qual unidade irá precisar de mais vagas”, explicou.
Disputa por vagas
Não só famílias haitianas ficaram sem vagas para seus filhos na rede municipal de ensino da capital.
Desde segunda-feira (6), centenas de pais estão lotando a recepção da Secretaria de Educação em busca de uma vaga.
As pré-matrículas ocorreram entre os dias 23 e 26 de janeiro, pela internet, no entanto, até esta terça-feira (7), muitos pais reclamam que não conseguiram matricular seus filhos.
As aulas na rede municipal de educação começaram nesta segunda-feira (6).
De acordo com a secretaria, foram ofertadas 3.712 vagas para crianças de até 5 anos em 51 creches, 15 CMEI e um Centro Emergencial de Educação Infantil (CEEI) de Cuiabá.