Início de ano é uma loucura para quem é classe média. É muita conta pra pagar ao mesmo tempo: férias de casa, décimo terceiro de funcionário, IPVA, IPTU, matrícula e material escolar. E hoje, nesse Estado fictício, nada que é estatal funciona, ou seja, fica todo mundo fodido e mal pago. Todo ano é um perrengue, mas este ano vindo de um ano especialmente ruim, parece que foi mais difícil. Rebola pra cá, rebola pra lá, ainda faltavam R$ 3.600 para pagar a escola das crianças.
– Já sei. Vamos ao banco olhar quanto tem na conta do dinheiro que meu pai deixou pra mim.
Nessa conta, aliás, faz tempo que não mexo. Uma vez saí pra comprar umas passagens pra gente ir para o Rio, ao chegar dentro da Voe Mais, cadê o cartão? Sumira. Outra vez, ia pagar uns passeios em Nobres. Sumiu de novo. Na última vez, perdi o cartão entre a minha casa e a loja onde ia comprar um videogame para as crianças.
– Decerto é porque você vai precisar, seu João – comentou Rose, minha secretária, certa vez.
Ao chegarmos ao banco, como Flor está de 9 meses, fomos os primeiros a ser atendidos.
– Eu queria saber quanto eu tenho nesta poupança.
– Três mil seiscentos e trinta e oito reais.
– Transfere pra esta conta, por favor.
Na hora não me contive e chorei. Flor, sempre ela, olha no fundo dos meus olhos e diz:
– É como quando você morava longe. Ele não aparecia na hora que você mais precisava? Então. É a mesma coisa. Ele só tá morando longe. Só tá morando longe.
Dou um abraço longo na maior mulher que tive em toda a minha vida. Nesse momento, Francisco mexeu na barriga. Parecia se juntar a nós nesse abraço.