Política

Saúde mental dos servidores públicos é a mais prejudicada

Problemas ligados à saúde mental são o principal motivo de afastamento de servidores estaduais em Mato Grosso, com domínio no topo de lista das doenças mais diagnosticadas pela perícia médica. Existem variados graus de afecção psicológica em decorrência de ambiente de convivência, de episódios depressivos a transtorno obsessivo-compulsivo. São 9.869 casos num universo de 10.487 (94,1%) diagnósticos.

Os dados estão disponíveis na Secretaria de Gestão (Seges) e representam compilação de um período de cinco anos (2010-2014). Os episódios de depressão – apresentação única de sintomas da doença com duração de até duas semanas – são as ocorrências mais comuns, com disparada quantidade de casos em relação a outros diagnósticos. Entre 2010 e 2014, 4.519 servidores foram afastados por causa desse tipo da depressão.

O transporto depressivo recorrente, tipo mais persistente da doença, aparece logo em seguida, com afecção de 1.474. Entre 2010 e 2013, as ocorrências se mantiveram entre 504 e 300, apresentando queda para 154 casos em 2014. Um conjunto de transtornos de ansiedade, não especificado pela CGE, é o terceiro motivo mais justificado para afastamento dos servidores. Esses transtornos somaram 1.586 diagnósticos no período.

Na parte de baixo da lista, dentre as afecções mais recorrentes o transtorno obsessivo-compulsivo aparece em décimo lugar com 75 diagnósticos entre 2010 e 2014. Um tipo de psicose não orgânica sem identificação está logo acima, na nona posição, e foi o motivo para afastamento de 105 servidores no período.

Os sintomas de psicose em decorrência do uso de substâncias químicas (de antidepressivos de vendagem restrita a cocaína) é o oitavo motivo de licença médica. Conforme o CGE, 257 pessoas apresentaram problemas de comportamento e precisaram de acompanhamento médico entre 2010 e 2014.

Em novo levantamento divulgado semana passada, com dados de 2014 e junho de 2016, pela Controladoria Geral do Estado, que realizou auditoria na regularidade de liberação médica, as afecções mentais também aparecem como os problemas mais comuns de saúde de servidores públicos.

A CGE identificou que 41% de todos os afastamentos médicos estão relacionados a 15 tipos de enfermidades, das quais 46% delas são relacionadas a transtornos, ansiedade e depressão. 

“O trabalho objetivou traçar um retrato das licenças médicas para que o Estado possa ter um diagnóstico das principais patologias e adotar medidas com vistas a melhorar a qualidade de vida dos servidores. Para tanto, a CGE efetuou análises por amostragem de processos de concessão de licença médica do período de janeiro de 2014 a abril de 2016”, disse o controlador-geral do Estado, Ciro Rodolpho Gonçalves.

 O levantamento da Seges aponta uma lista de 44 doenças, de pessoas que além de transtornos psicológicos apresentam problemas decorrentes de transtornos alimentares, psicológicos como efeito de danos físicos e cerebrais e transtorno somaforme (alteração de parte do corpo).

Ainda conforme a Seges e CGE, servidores da área de educação têm o índice mais alto de licença médica. O motivo seria pelo fato de a Seduc (Secretaria de Educação) ter o maior quadro de servidores – cerca de 40 mil. Entre 2010 e 2014, eles representaram mais da metade das licenças aprovadas pela perícia, com 5.382 diagnósticos. Em seguida aparece a Polícia Militar, que teve 1.492 pedidos de licença aprovados – se estendido para todos os servidores de segurança pública lotados na Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh) e de Segurança Pública (Sesp), Polícia Judiciária Civil (PJC), o número sobe para 3.027. Profissionais da saúde vêm em terceiro lugar com 936 licenças médicas.

Sucateamento e baixo efetivo são apontados como agravantes à saúde

Entidades representativas de servidores públicos afirmam que o número de licenças médicas é um reflexo direto da estrutura irregular de trabalho.  O presidente do Sindicato dos Servidores da Saúde e Meio Ambiente (Sisma), Oscarlino Alves, denuncia que unidades de saúde estão sucateadas em Mato Grosso por falta de infraestrutura e número reduzido de profissionais.

“Há hospitais em Mato Grosso em que chove dentro sala de internação, é preciso ficar de sombrinha. Em outro, sequer há cadeira apropriada para sentar. Podemos pegar como exemplo a Central de Saúde, em Cuiabá, onde não ocorre reforma há muito tempo. As condições de trabalho são precárias e os profissionais de saúde passam de 12 a 24 horas nesses lugares, um ambiente estressante. Como não ser afetado por isso?”, pondera.

Ele reclama ainda redução seguida do número de profissionais. Em 2010, existiam 5.029 cargos ocupados no SUS em Cuiabá, de contratação pelo governo estadual; em 2015, a quantidade caiu para 4.288 (-14%).  Já os cargos vagos passaram de 4.930, em 2010, para 5.671 em 2015 (15%). Conforme o sindicato, na lei de carreira, de 2011, há previsão de 9.959 cargos para a saúde em Mato Grosso.

“O número de servidores que se aposenta por ano está acima de 100 desde 2010. De 2016, não temos ainda o número de aposentadorias, mas a estimativa é que ultrapasse 200 processos. São pessoas, de 45 ou 50 anos que cumpriram seu tempo de carreira e têm o direito de se aposentar. Mas não estão sendo substituídas. Há 15 anos não se realiza concurso público em Mato Grosso. Agora, se você pegar o número de licenças médicas, tivemos 70 afastamentos em 2015. Esse número é irrisório”.

Situação semelhante é apontada pelo Sindicato dos Servidores Penitenciários de Mato Grosso (Sindspen). Segundo o presidente João Batista Pereira de Souza, o baixo número de agentes penitenciários leva ao prolongamento da jornada de trabalho. O regime de trabalho dos agentes está hoje em 24 horas trabalhadas e 72 de folgas (24/72), no entanto, João Batista diz ser comum ocorrer interrupção das horas de folgas para cobrir plantão em que somente um profissional está escalado para o turno.

“No interior de Mato Grosso é comum que um ou dois agentes estejam responsáveis pelo policiamento de 100 presos. E quando um saiu de folga, sobra apenas o outro para fazer o plantão. Mas o agente de folga interrompe as horas de folga para ajudar o colega de trabalho, porque é impossível um agente tomar conta de 100 presos”, explica.

Programa de saúde preventiva é mais recomendável

A Controladoria Geral do Estado (CGE) diz que a implantação de programas de saúde preventiva é o modelo mais recomendável para sanar problemas agudos de doença de servidores públicos. Os programas servem de orientação para enfrentamento de situações de conflito e adoção de postura corporal em situações rotineiras para evitar distorções e agravamento de problemas fisiológicos.

“A adoção de programas de saúde preventiva sai mais barato para o Estado se comparada com a licença médica. O afastamento em si não traz ônus para o Estado, mas em alguns setores – saúde, educação e segurança, por exemplo – é preciso fazer a substituição do servidor de licença, então aumentam as despesas do Estado com pagamento do servidor afastado e do temporário”, explica o controlador Ciro Rodolpho Gonçalves.

No entanto, o Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público de Mato Grosso (Sintep-MT), representante do grupo de servidores com maior número de licença, diz que nenhum tipo de orientação médica é oferecida pela Seduc.

“Concordo com a CGE sobre o número de licenças. É assombroso o número de servidores que pedem licença médica; isso significa que a situação não está boa para a saúde do servidor, nem o ambiente de trabalho. A auditoria deve mostrar a situação real de condições de trabalho dos servidores da educação que é precária. Além da alta carga horária, a falta de folgas adequadas para recuperação”, diz o presidente do Sintep-MT, Henrique Nascimento.

A CGE diz que fez recomendações à Seges para implantação de programas para melhorar a condição de trabalho e reduzir o número de licenças. Dentre elas, a integração entre a perícia médica e as unidades descentralizadas de saúde, segurança do trabalho e qualidade de vida, e desenvolver ações mitigadoras dos afastamentos por motivo de saúde, com base nas moléstias mais frequentes e no perfil do servidor que mais se afasta.

Auditoria quer reduzir impacto em folha de pagamento

A Controladoria Geral do Estado informou que relatório desenvolvido sobre as licenças médicas reduzir o impacto dos gastos com pessoal sob o enfoque da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Segundo a Secretaria de Fazenda (Sefaz), hoje a folha de pagamento está perto de 50% do orçamento do governo, já com estouro da margem legal.

“Os afastamentos médicos têm custo para o Estado na medida em que é necessário contratar temporariamente um profissional ou realocar outro servidor para executar as atribuições do licenciado”, diz a secretária-adjunta de Auditoria da CGE, Kristianne Marques Dias.

Segundo ela, um tipo de licença solicitado pelos servidores públicos que chamou atenção no levantamento é aquele voltado ao acompanhamento de familiares. Os auditores destacam que esta licença somente pode ser concedida sem prejuízo de remuneração até dois anos. A partir de 365 dias, deve ser descontada a remuneração em 1/3. Ainda quanto às ausências para acompanhamento de pessoa da família, a CGE ressalta a necessidade de uma avaliação social antes e durante o afastamento do servidor.

Também foi destacado pela CGE o número de licenças com prazo máximo de três dias, que não obriga a aprovação da perícia médica para ajustamento profissional. Foi recomendado às secretarias “controle mais cuidadoso” quanto à ausência dos servidores, pois a legislação estabelece um intervalo de 120 dias, contado da primeira concessão, para licenças de até três dias para tratamento da saúde. 

Questionada sobre o impacto na folha de pagamento da contratação de servidores temporários para cobrir os licenciados, a CGE disse que não houve foco da auditoria em fiscalizar esse recorte. No relatório da Seges, é apresentado um total de R$ 32,4 milhões de despesas de órgãos públicos com absenteísmo de servidores, entre 2010 e 2014.

Reinaldo Fernandes

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