Fim e início de ano não são os mesmos sem as já tradicionais oferendas a Yemanjá na praia. Os pulinhos, as palmas e lírios brancos bem como os barquinhos se tornaram parte da cultura brasileira sem que seus ofertantes soubessem do real motivo que deu origem a esse costume.
Conta-nos um tradicional mito africano que da união de Obatalá (céu) e Odudua (terra) nasceram Aganju (terra firme) e Iemanjá (as águas). Cansada de viver afetivamente solitária decidiu Iemanjá desposar seu irmão Aganju dando origem a seu primeiro filho Orungã. Orungã desenvolveu um amor incestuoso pela mãe; seus fartos seios, sua sensualidade sutil e delicada bem como o amor que continuamente dispendia a seu filho fizeram com que ele, no auge da loucura, criasse coragem para cometer uma loucura. Aproveitando-se da ausência do pai, certo dia raptou a mãe e a violou. Iemanjá, aflita e desesperada, desprendeu-se dos braços do filho e fugiu, no entanto, Orungã não desistiu e se pôs a correr atrás dela. Iemanjá caiu desfalecida e nesse momento seu corpo cresceu desmesuradamente como se ele transformasse em vales, montanhas, matas. De seus seios enormes nasceram dois rios que mais adiante se juntaram transformando-se em uma lagoa que, de tanto encherem-se, mais à frente, deram origem ao mar. O ventre de Iemanjá se rompeu e dele nasceram os Orixás que vieram um a um ao mundo trazendo seus adjetivos e axé.
O mar, a maior junção de água do planeta, representa para os africanos a própria Iemanjá e os filhos que dela saíram e é por isso que suas homenagens são feitas frente a ele já que o mesmo representa seu maior poder que é a geração da vida. A própria água, sua morada mítica, é fundamental para a existência da vida, seja ela qual for, e suas características naturais definem a própria personalidade das mulheres tidas como filhas da Mãe do mar: mulheres delicadas, trabalhadoras e de muita força. Mulheres fortes o suficiente para enfrentarem o tranco da vida. A vida de todos é difícil, mas para as filhas de Iemanjá é mais, afinal de contas elas amam demais e por isso sofrem por si e também pelos que amam. Levam o mundo nas costas. Para elas é muito difícil não tomar as dores dos que as rodeiam. Possuem corações gigantescos, elas desejam que a vida de seus amados seja boa e, para que eles tenham felicidade, elas se sacrificam. O ato insano de seu filho poderia lhe conceder o pior dos arquétipos entre o Reino dos Orixás. No entanto, Iemanjá, com a maior das forças que o universo feminino pode ter e manifestar, usou de sua dor para trazer vida à terra. Vida que ela, em primeiro momento, criou com Aganju se unindo a ele.
É um mito, como disse no início, mas um mito profundo que mostra a capacidade da mulher de fazer novas todas as coisas; a mulher de ontem, de hoje e, esperemos, de amanhã enfrenta seus dilemas com a força de um leão, com a certeza de uma heroína, e com a delicadeza de uma mãe. Ao se deparar com as famosas oferendas da praia se lembre de que aquela é apenas uma forma de lembrar a cada homem a força criadora da mulher, sua capacidade de mudança e evolução e, principalmente, seu poder de geração, afinal de contas o que seria do homem sem a mulher? Sequer a vida existiria.
Odoyá.