Cidades

75% das vítimas de armas de fogo são negras em Mato Grosso

A diferença que separa negros e brancos em relação às oportunidades que cada um goza ao longo da vida ainda é grande no Brasil. De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a taxa líquida de escolarização entre mulheres brancas é de 23,81%, mais do que o dobro verificado entre as negras do sexo feminino, que é de apenas 9,91%. Mas não é só a educação que segrega essa parcela da população. Entre as vítimas de armas de fogo, os afrodescendentes representam mais de 75% das mortes só em Mato Grosso.

Os dados são do Mapa da Violência, estudo coordenado pelo sociólogo argentino e Mestre em Planejamento Educacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Julio Jacobo Waiselfisz, publicada na segunda semana de novembro. 

De acordo com o estudo, que utiliza dados de 2012, as mortes por armas de fogo vitimaram 173 pessoas de cor branca em Mato Grosso. Já os indivíduos negros somam quase o triplo desse número: 516 homens e mulheres afrodescendentes sucumbiram no Estado no referido ano frente a esse tipo de violência.

Entre os adolescentes, a situação é ainda mais dramática. Os jovens de 16 e 17 anos foram vítimas em 65 ocasiões. Destas, apenas 11 vitimaram os jovens de cor branca, ou seja, 54 negros nessa faixa etária perderam a vida segundo o levantamento – em torno de 400% a mais – só em Mato Grosso. Para este estudo específico, o Mapa utilizou dados de 2013.

Homicídio de Mulheres

As negras de Mato Grosso também não têm muito o que comemorar, segundo o Mapa da Violência. Em 2013, base de dados utilizada pelo estudo, 61 afrodescendentes do sexo feminino perderam a vida, ao passo que 28 mulheres brancas foram mortas naquele mesmo ano. 

Em 2003, 1.747 pessoas brancas do sexo feminino perderam a vida, número que caiu para 1.576 em 2013 – uma diminuição de 9,8% no período. As mulheres negras, entretanto, perceberam um aumento expressivo de homicídios. Enquanto 2003 vitimou 1.864 delas, dez anos depois, a taxa havia aumentado 54,2%, somando 2.875 vítimas no Brasil. 

Movimento parecido pode ser observado a partir da Lei 11.340/2006, conhecida como “Lei Maria da Penha”, que cria mecanismos para combater a violência doméstica na esfera jurídica. Desde o ano de sua promulgação, o homicídio de mulheres brancas caiu 2,1%. Já entre as afrodescendentes, a taxa subiu 35% até 2013.

Na região Centro-Oeste, os números de Mato Grosso equiparam-se com os de Brasília e são superiores a Mato Grosso do Sul. Mas Goiás preocupa, somando 191 homicídios de mulheres negras em 2013.

CMPIR só depende de assinatura de Mauro Mendes

A Lei nº 6.003/2015 pode representar um avanço na luta da população afrodescendente cuiabana pela sua dignidade, o direito ao trabalho, saúde e educação. 

Composto por representantes de várias secretarias municipais – como as pastas da educação, saúde, regularização fundiária, trabalho e desenvolvimento econômico, cultura e outras -, além de representantes da sociedade civil, o Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (CMPIR) teve sua criação aprovada pela Câmara de Cuiabá e, no momento, espera apenas pela assinatura do prefeito da capital, Mauro Mendes (PSB), para instituir uma política pública que possa fazer a diferença para os afrodescendentes.

Em conversa com o Circuito Mato Grosso, a Secretária de Formação e Cultura do Grupo de União e Consciência Negra do Estado de Mato Grosso (GRUCON-MT), Lucilene Rosa Magalhães, explicou que umas principais bandeiras da associação, que possui 32 anos de tradição na luta pela emancipação dos afrodescendentes no Estado, é justamente a criação do Conselho.

“O Brasil é 56,6% negro mas não vemos essa proporção nos postos gerenciais de empresas, nas lideranças de uma forma geral, e nas universidades federais. Temos expectativa de que o prefeito Mauro Mendes assine a criação do CMPIR até o dia 23 de novembro. É uma luta que travamos há mais de 3 anos”, disse.

O Grucon, apesar de ter a proposta de dar visibilidade à cultura e lutar pelos direitos dos afrodescendentes, foi o precursor do Cuiabá Vest, um projeto que nasceu dentro do grupo, e que depois virou política pública na capital mato-grossense. 

Segundo Lucilene, o afrodescendente precisa de valorização de sua cultura e autoestima, uma vez que desde a escola é ensinado a se resignar por conta de uma condição inferior apenas pela cor do tom da sua pele. Essa realidade só é possível, segundo ela, por meio da educação, do ensinamento nas escolas da História da África, seus costumes, o direito à terra por meio dos quilombos, e outras ações.

“Temos discutido as questões dos quilombolas. Não basta apenas fazer a regularização fundiária, por si só um grande desafio, mas garantir condições mínimas de dignidade a essas pessoas, como energia elétrica, água potável, assistência em saúde e educação e demais ações”.

SUPIR quer criar comitê estadual de comunidades tradicionais

Uma pequena sala, aos fundos da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos de Mato Grosso (SEJUDH-MT), guarda as esperanças dos afrodescendentes e de comunidades tradicionais na luta pela garantia de seus direitos no Estado.

A Superintendência de Promoção da Igualdade Racial de Mato Grosso (SUPIR-MT) foi criada em 2012, mas só começou a funcionar de maneira efetiva no ano seguinte. Segundo o próprio superintendente, Antônio Santana da Silva, a criação da SUPIR se deu em razão da pressão dos movimentos negros estaduais que, segundo ele, “forçou” o Estado a criar políticas públicas que atendam essa população, que não se restringe só a afrodescendentes, como sublinha Antônio: comunidades tradicionais também fazem parte da linha de atuação da repartição.

“Apesar de o movimento negro ter sido crucial para a criação da SUPIR, atendemos também os povos indígenas, populações ribeirinhas e atualmente tentamos localizar grupos de ciganos que habitam Mato Grosso”, explica ele.

De acordo com o superintendente, Mato Grosso hoje conta com 69 quilombos – áreas denominadas para habitação dos quilombolas, os descendentes dos africanos traficados para o Brasil como escravos -, e que a principal pauta hoje é a criação do Comitê Estadual de Povos e Comunidades Tradicionais, que já possui parecer favorável da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos (AGER) e que, no momento, aguarda parecer da SEJUDH para publicação.

“Iremos criar esse comitê, que terá 30 representantes, metade do poder público e a outra metade da sociedade civil. Após sua instituição, desenvolveremos um projeto piloto com a participação de algumas secretarias de Estado”, disse.

O projeto piloto ao qual Antônio se refere é a verificação das necessidades dos quilombos, que serão atendidas pelos técnicos do poder público de Mato Grosso.

“Teremos técnicos da Empaer, das secretarias de saúde, educação, assistência social e outras para verificar as demandas dos quilombolas. É um projeto piloto, mas nossa intenção é levá-lo a outras comunidades”.

Você conhece Tereza de Benguela?

Representações de personagens que contribuíram na luta pelas injustiças e desigualdades sempre devem ser reverenciados. Nesse sentido, vale a pena conhecer um pouco da história de Tereza de Benguela, uma importante liderança quilombola mato-grossense, de expressão nacional, que viveu no século XVIII. 

Mulher de José Piolho, que chefiava o Quilombo do Piolho ou Quariterê, nos arredores de Vila Bela da Santíssima Trindade (525 km de Cuiabá), viu-se na difícil tarefa de assumir o comando da comunidade após a morte de seu marido. Porém, as adversidades não esmoreceram Benguela, que se tornou uma líder implacável dos afrodescendentes frente aos capitães do mato que estavam em seus calcanhares, organizando a política e as finanças do quilombo por meio de trocas com os brancos, além de resgatar pessoas de vilas próximas.

Como dominavam a metalurgia, os instrumentos de ferro que eram utilizados contra a comunidade negra transformavam-se em ferramentas de trabalho.

O Quilombo do Quariterê, segundo informações do GRUCON, além de parlamento e de um conselheiro para a rainha, plantava algodão e possuía teares onde fabricava tecidos que eram comercializados fora do quilombo.

Conta-se que ela liderou um levante de negros e índios, instalando-se próximo a Cuiabá. Durante décadas ela esteve à frente da comunidade, até sua morte, no ano de 1770. Hoje a líder do movimento negro é nome de Lei Federal: 12.987/2014, que institui o dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, em 25 de julho. 

Veja a reportagem na intégra na edição 563.

Diego Fredericci

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