Cidades

60% das mulheres estão presas por tráfico em Mato Grosso

Fotos: Andréa Lobo/CMT/Reprodução

A maioria das mulheres que se encontram presas em presídios de Mato Grosso foram recrutadas pelo tráfico de drogas. Segundo a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh), 60% da população carcerária feminina no Estado estão reclusas devido ao comércio ilegal de entorpecentes. O dado aponta como a prática se tornou a principal forma de inserção feminina no crime. Levantamentos da Sejudh e da Poder Judiciário revelam, por outro lado, que essas mulheres envolvidas com o tráfico de drogas são pobres, em sua maioria, têm menos de 30 anos, têm filhos e pouco ou nenhum grau de estudo. Por não haver a opção de registro de raça ou cor, todas as detentas são tidas como mulheres brancas.   

Mulheres “caem por amor” ou são recrutadas

Usadas na condição de ‘mula’ – pessoa que transporta drogas dentro do corpo – ou ‘aviãozinho’ – a que transporta a droga para um comprador, recebe e entrega o dinheiro para o dono do entorpecente –, mulheres realizam o tráfico de drogas por motivos emocionais, que vão desde o amor pelo companheiro ou filho a coação e ameaças de violência e até mesmo de morte. Outras são recrutadas pelo ‘dinheiro fácil’ ou para serem aceitas pela sociedade.

Mesmo tendo praticado o ato ilícito, o juiz Geraldo Fernandes Fidélis, do Núcleo de Execuções Penais de Cuiabá, considera essas mulheres, em sua maioria, vítimas do tráfico, o que não as exime da responsabilidade de terem sido coniventes com o crime.

“Elas traficam por amor ao marido, filho ou irmão que estão na prisão, sendo ameaçadas por estes mesmos familiares que colocam em risco a vida de seus filhos ou a delas próprias. Lógico que há exceção daquelas que se deixam ser usadas como ‘mulas’. Mas grande parte dessas mulheres é coagida a praticar o crime de tráfico”, pontua o magistrado.

Oriundo da região de Cáceres (225 km a oeste de Cuiabá), principal rota do tráfico de drogas no Estado por fazer fronteira com a Bolívia, Fidélis aponta que a maior atuação da mulher se dá principalmente com o microtraficante, utilizam o próprio corpo como ‘bolsa’ para transportar o entorpecente. “Nos grandes tráficos, realizados entre a fronteira, elas não participam. Elas geralmente ingerem a droga em cápsulas, se submetendo ao risco de ter uma overdose”, explicou.

Em flagrantes realizados durante a revista quando a mulher vai fazer uma visita a algum parente preso, o juiz defende o uso de equipamentos para examiná-las em caso de suspeita de entrada de ilícitos. Em Cuiabá, quando se há essa suspeita de entrada de entorpecente ou aparelho celular introduzido no corpo, a mulher é encaminhada para um exame de raios-X. “Tem que ser investigado, verificado por que foi feito esse crime [de tráfico], se foi um tráfico privilegiado ou pequeno tráfico. Se tiver cometido, tem que ser recolhida”, afirma.

No Estado, tramitam 1.583 processos de mulheres que respondem pelo crime de tráfico de drogas. Já na capital, dos 185 processos, das quais 117 estão condenadas e 68 estão detidas provisoriamente, na Penitenciária Ana Maria do Couto May, 91 processos correspondem ao crime por tráfico de drogas.

Para o magistrado, este crime é questão social, por se tratar muitas vezes de mulheres desamparadas, sem família, sem ter o que dar de comer ao filho, sem estudo e sem profissão, para a qual a saída é a geração de empregos, investir em educação, cidadania e integração.

“Temos que avançar na questão da humanização. Grande parte das pessoas que vão para o tráfico de drogas o faz por se ver desamparada. Então, essas mães vão presas e os filhos vão crescer na rua, alimentando o crime. Vira um círculo vicioso. Há que se investir em projetos de ressocialização e cursos profissionalizantes para que se evite tanto a entrada quanto a volta ao no mundo do crime”, ressalta Fidélis.

Ex-traficante relembra experiência e diz que não vale a pena

Com 39 anos, a recepcionista Pamela Faria (nome fictício usado para preservar a imagem da reeducanda) cumpre o regime semiaberto há um ano e quatro meses pelo crime de tráfico de drogas, pelo qual ficou presa em regime fechado por oito anos.

O crime surgiu para Pamela na sua cidade natal, Cáceres, quando tinha acabado de perder o marido em acidente. Sem profissão e sem emprego, com apenas a 5ª série do ensino fundamental e um casal de filhos pequenos para cuidar, logo se viu transportando pequenas quantidades de drogas da cidade boliviana de San Matias para Cáceres.

Todo o período durou cerca de cinco meses até ser pega com outro traficante na fronteira transportando 9 kg de maconha escondidos em um carro. “Fiquei presa um ano e seis meses em Cáceres até ser transferida aqui para Cuiabá. Perdi muito com isso, perdi minha liberdade, perdi a juventude dos meus filhos”, lembra.

Presa, Pamela orientou a mãe para que mudasse da cidade para livrar os filhos da criminalidade. “Os três foram para Tangará da Serra. Falei para eles irem porque não tem emprego em Cáceres e ainda corria o risco de meus filhos entrarem no mundo do crime também”, explicou

O tempo que passou na prisão foi de reflexão para Pamela. “Lá eu vi de tudo, foi um momento muito ruim da minha vida, mas que serviu para eu aprender. Os dias são sempre iguais, o que torna diferente são as pessoas, que são de todos os tipos, nem todos têm o coração bom. Já vi tanto detentas como agentes fazerem maus-tratos lá dentro. Não é vida pra ninguém, não vale a pena. É um mundo que destrói a família”, recordou.

Nesses oito anos, Pamela lembra que aproveitou todas as oportunidades. “Aproveitei o tempo para terminar os meus estudos para fazer cursos. Hoje eu tenho várias habilidades. Sou salgadeira profissional, cabeleireira e faço artesanato também”, frisa.

Mesmo com visitas a cada três meses, a ex-traficante conta que a família foi fundamental para poder superar tudo o que passou. “A minha família sempre deu força. Mesmo com avisos, a gente acha que nada vai acontecer. É muito bom ter eles dando essa força. Meus filhos hoje estão com 19 e 22 anos, concluíram os estudos e um vai fazer Biologia. Tenho uma neta também”, conta.

Monitorada por uma tornozeleira eletrônica, Pamela mora com o marido, operador de concessionária de água, em uma casa alugada em Várzea Grande. Seis vezes na semana vem a Cuiabá para o seu trabalho, nos tempos livres visita os tios e primos que moram por perto.

“Pretendo seguir com meu trabalho. Aprendi a dar valor as pequenas coisas, que às vezes pode até ser pouco, mas é uma coisa abençoada. Em breve a minha dívida com a Justiça também estará quitada”, lembrou.

Projetos de resgate da cidadania geram oportunidades

Ao contrário do aumento de mais de 500% da população carcerária feminina nacional, segundo o levantamento do Departamento Penitenciário Nacional, a Sejudh aponta que em Mato Grosso a quantidade de mulheres presas diminuiu ao longo de cinco anos, no entanto o percentual de mulheres envolvidas com o tráfico de drogas se manteve na média dos 60%.

Sete unidades prisionais são utilizadas exclusivamente pelas detentas, não havendo prisões mistas (que abrigam homens e mulheres), no Estado. O número de mulheres presas (558), ínfimo em relação à população carcerária masculina (11.210), reflete situações de vulnerabilidade social.

No geral a capacidade dos presídios femininos não sofre com a superlotação e com isso quase não geram problemas. “Na maioria das vezes estamos dentro do limite da capacidade dos presídios. Quando lota, é cerca de dois ou três detentas a mais. Quase não temos problemas, nenhum evento crítico foi registrado até o momento”, afirma o secretário-adjunto de Administração Penitenciária, Emanuel Flores, que está há três meses na pasta.

Sem investimentos próprios, a Sejudh realiza projetos através de parcerias com a Secretaria de Estado de Assistência Social (Setas) e outras autarquias, com intuito de gerar uma nova oportunidade para resgatar a cidadania de mulheres presas para o retorno à vida fora da cadeia.

Dentre as ações de ressocialização existem projetos de profissionalização e integração como dança do ventre, curso de teatro, oficina de costura, artesanato, curso de maquiagem e o trabalho remunerado. “Há algumas secretarias do Estado em que as detentas realizam o trabalho remunerado de seis horas semanais”, explica.

O trabalho paga um salário mínimo, por meio de um contrato de prestação de serviços, que é dividido em três partes. “Um terço desse valor vai para uma espécie de poupança que ela poderá retirar quando cumprir a pena. Quanto aos outros dois terços, ela decide se fica com o valor ou se libera uma parte para a família”, explica.

Emanuel demonstra preocupação com o grande percentual de mulheres presas por conta do crime de tráfico de drogas.

“Oportunizar trabalho, ensino formal e profissionalizante faz com que essas mulheres não entrem e não reincidam no crime. Tivemos uma experiência de ex-traficante que prestou serviços aqui na Sejudh, que tinha entrado no crime para ser aceita pela sociedade, para ter bens que ela via com outras pessoas. Ela dizia que pensava em retornar ao mundo do crime, mas que a forma com que foi acolhida e oportunidade de trabalho fizeram com que ela repensasse porque ela sentia que estava sendo vista com outros olhos pela família”, relatou.

Valquiria Castil

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