Cidades

60% das crianças em risco social em Mato Grosso

Fotos: Ahmad Jarrah

As crianças e adolescentes costumam ficar à margem das decisões políticas que influenciam suas vidas. Como tradição, adultos acabam formulando e tomando a frente de questões que poderiam contar com a participação dos menores de 18 anos – idade na qual os cidadãos já respondem pelos próprios atos. A falta de representatividade dessa parcela significativa da população pode ajudar a explicar um dado preocupante em Mato Grosso: o fato de 60% das pessoas de 0 a 17 anos  se encontrarem em vulnerabilidade social.

A informação, cedida ao Circuito Mato Grosso pela presidente do Conselho Estadual da Criança e do Adolescente (Cedca-MT), Annelyse Cândido, aponta que o combate à violação dos direitos da criança ainda precisa percorrer um longo caminho, cujo objetivo é a promoção integral dos direitos das pessoas que possuem menos de 18 anos. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que, em todo o Estado, há 1.048.000 pessoas nessa faixa etária. Dessas, 548 mil vivem à margem de serviços públicos satisfatórios.

A presidente do Cedca-MT explica que o artigo 222 da Constituição disciplina que é “atribuição da família, da sociedade e do Estado a garantia da proteção integral da criança e do adolescente”. Segundo Annelyse, entretanto, problemas como falta de recursos e a própria instabilidade política que o país vive – sobretudo com a extinção do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, promovida pelo governo interino de Michel Temer (PMDB) – ameaçam essa proteção.

“Iniciamos o orçamento de 2016 com apenas R$ 86 mil disponíveis. Num universo de mais de 548 mil crianças e adolescentes em vulnerabilidade biopsicossocial, é muito pouco. Posteriormente conseguimos uma suplementação, mas a extinção do Ministério também é uma realidade preocupante”, diz ela.

Entre os fatores que mais carecem atenção das autoridades, Annelyse explica que o combate à exploração sexual de crianças e adolescentes é uma das prioridades do grupo. Ela afirma que, apenas nas rodovias que cortam Mato Grosso, existem cem pontos onde menores de 18 anos usam corpos ainda em desenvolvimento em troca de dinheiro. A presidente do Cedca-MT afirma que para chegar nesse estágio é preciso entender que elas já foram alvo de “toda uma cadeia de exploração”.

Álcool e outras drogas

A utilização de substâncias  entorpecentes como álcool e outras drogas, também representam um risco à promoção integral de direitos das crianças e adolescentes. Segundo Annelyse, “80% das questões que afetam  crianças e adolescentes que estão em vulnerabilidade possuem relação com álcool e outras drogas”. Ela, porém, aponta um caminho possível para a solução desses problemas.

“Temos que avançar no que chamamos de ‘adultocentrismo’. As crianças e adolescentes devem ser protagonistas, elas precisam participar dessa construção”.

Denúncias de violação somam 59%

As denúncias recebidas pela Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, do extinto Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, revelam outro dado preocupante: 59% dos registros realizados pelo “disk 100” – serviço de atendimento telefônico gratuito, 24 horas por dia, oferecido até então pela pasta que deixou de existir no governo interino de Michel Temer (PMDB) – são de ocorrências relacionadas a crianças e adolescentes que se encontram em situação de vulnerabilidade.

Os dados fazem parte do estudo “Balanço anual da ouvidoria nacional de direitos humanos” e foi elaborado em 2015. Ao todo, foram registradas no ano passado 80.437 denúncias contra crianças e adolescentes, 12% menos do que o averiguado em 2014, que somou 91.582 ligações ao “disk 100”. Em segundo lugar estão as violações contra pessoas idosas (24%), seguida pelas transgressões contra portadores de deficiências (7%). Queixas envolvendo o público LGBT, discriminação étnico/racial ou contra mulheres somaram 3%.

No ranking de unidades federativas, estabelecido pela relação entre a quantidade de denúncias divididas por grupos a cada 100 mil habitantes, Mato Grosso figura apenas na 18ª colocação em 2015, registrando ao todo 2.631 ocorrências no “disk 100”. A região Centro-Oeste, no entanto, ocupa as primeiras colocações entre os Estados brasileiros: o Distrito Federal (DF) é o campeão, com 3.494 atendimentos no telefone da ouvidoria e Mato Grosso do Sul figura em segundo lugar, que somou no ano passado 2.631 ligações.

De acordo com o estudo, 38,04% das denúncias contra crianças e adolescentes dizem respeito à negligência – quando há ausência ou ineficiência nos cuidados – seguidos pela violência psicológica (23,9%), violência física (22%) e, por último, violência sexual (11%).

Negra e menina

O estudo do Ministério extinto pelo governo interino de Michel Temer ainda revela outro dado que ajuda a compreender as violações contra crianças e adolescentes, aos direitos humanos e sua consequente contribuição para a desigualdade social. O relatório do registro de denúncias promovidos pelo “disk 100” aponta  que 54% das vítimas são meninas. Em relação à faixa etária, 40% são de garotos e garotas entre 04 e 11 anos e 34% deles são pardos ou negros.

Outra informação do estudo que merece ser destacada é o baixo nível de resposta dos órgãos de controle imbuídos na proteção das crianças e demais violações aos direitos humanos. Em 2015, foram encaminhadas ao Ministério Público 93.289 denúncias de casos envolvendo ataques aos direitos da criança, mas só 5.021 foram respondidas (2,8%). O Conselho Tutelar, com 68.353 ocorrências transferidas e resposta a apenas 2,55%, figura em segundo. As Delegacias de Polícia e Secretarias de Segurança Pública atenderam 0,59% desses episódios.

No geral, a resposta dos órgãos que deveriam apoiar o combate à violação dos direitos da criança, denunciadas pelo “disk 100”, ainda é muito baixo, totalizando apenas 5,9% num universo de 179.598 registros.

379 crianças se acidentaram trabalhando nos últimos cinco  anos

De acordo com a servidora pública da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MT), e integrante do Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (Fepeti-MT), Dúbia Beatriz Oliveira Campos, a exploração laboral de menores de idade é um problema cultural. Segundo ela, só em Mato Grosso, 379 crianças sofreram acidentes de trabalho nos últimos cinco anos, incluindo casos que levaram ao óbito.

“A criança tem direito a escola e lazer, e não deveria se dedicar à exploração das relações de trabalho. Nos últimos cinco anos, 379 crianças se acidentaram trabalhando, algumas delas, infelizmente, vieram a óbito”, disse Dúbia.

A representante do FEPETI cita também que o trabalho na agricultura, sobretudo em culturas de subsistência, que dependem da ajuda dos filhos e de toda família, também é muito difundido nos costumes dos brasileiros, e é igualmente referenciado como trabalho doméstico.

O art. 2º da Lei 8.069/1990, também conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), define como “criança” as pessoas com até 12 anos de idade incompletos e “adolescente” aqueles com idade entre 12 e 18 anos. A violação dos direitos dos cidadãos que se encontram  nessa faixa etária pode ocorrer de diversas maneiras, uma das mais importantes, no entanto, verifica-se nas relações de trabalho e, no mundo, em torno de 150 milhões delas são utilizadas com mão de obra.

Fepeti lança aplicativo de denúncia

O Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação ao Trabalho Infantil (Fepeti-MT) lança no próximo dia 20 de junho o “SOS Infância”, aplicativo para dispositivos móveis desenvolvido pelo grupo com o objetivo de auxiliar na erradicação à exploração de crianças e adolescentes.  

O aplicativo é resultado da parceria firmada entre a Secretaria de Estado de Trabalho e Assistência Social (Setas-Mt) e Núcleo de Ações Voluntárias (NAV) e irá possibilitar que denúncias por exploração sexual, trabalho infantil, entre outras irregularidades, sejam denunciadas por qualquer pessoa e em qualquer lugar de Mato Grosso.

De acordo com o secretário da Setas, Valdiney de Arruda, a intenção é de que o Estado tenha uma ferramenta de peso para auxiliar na garantia dos direitos desse público específico e que são garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Eca).

“O SOS Infância será um dos grandes canais que nós teremos para o auxílio do bem-estar das nossas crianças. Só relativo ao trabalho infantil, segundo o IBGE, hoje temos cerca de 70 mil crianças em situação irregular e, com esse aplicativo, esses casos ficarão mais visíveis aos olhos dos órgãos fiscalizadores. Mas temos outras ações sendo realizadas o ano inteiro”, comentou o secretário.

O lançamento do aplicativo será no dia 20 de junho, às 09h, no auditório Clóves Vettorato, no Palácio Paiaguás, em Cuiabá.

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Diego Fredericci

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