De acordo com dados do Corpo de Bombeiros de Mato Grosso, 45% do total de atendimentos de incêndio feito na Grande Cuiabá e seu entorno ocorrem em edificações. Foram contabilizados 437 casos de incêndio de janeiro a março de 2016, desses, 196 em residências ou prédios.
Segundo o major Reveles, a maioria desses incêndios ocorre em casas e por falta de cuidados básicos da população. “Os incêndios em residências, boa parte deles, acontecem por falta de atenção e cuidado da pessoa. As pessoas ainda deixam velas acessas na cozinha, próximo de panos, e isso acaba gerando o incêndio e se espalhando pela casa toda. Muitas vezes há problemas com a fiação elétrica. Um esquecimento de eletrodoméstico ligado por muito tempo, como o ferro de passar roupa, pode acarretar um acidente”, conta.
Os casos de incêndios não são o que mais ocupam o 1º Comando Regional (CR) do Corpo de Bombeiros, responsável por Cuiabá e municípios vizinhos. Se não contarmos os serviços técnicos, como vistorias e análises de obras e projetos, que ocupam 1034 dos serviços, a captura de animais ainda é o que mais envolve o 1º CR com 181 casos no primeiro trimestre.
Já os 2º e 3º CRs de Rondonópolis e Sinop, respectivamente, são unificados ao Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e, assim, a maior demanda desses locais é para atendimento pré-hospitalar. No CR Rondonópolis foram 1829 atendimento, e em Sinop 1249.
A engenheira civil e assessora técnica do Sindicato das Indústrias da Construção do Estado de Mato Grosso (Sinduscon), Sheila Marcon, explica que, no caso de uma residência, o teto da casa deve ser construído com materiais que devem suportar até 15 minutos com altas temperaturas – no mínimo, para que as pessoas que estejam na casa tenham tempo de sair dela em caso de acidentes. “Sem eu pesquisar, eu sei que quase 100% dessas construções são irregulares. Não tem como você vender uma edificação ou deixar que alguém more se não houver liberação dos bombeiros”, diz a engenheira.
As residências entregues por construtoras do Estado são fiscalizadas pelo Corpo de Bombeiros, e obras acima de 750 m² devem conter projetos específicos contra incêndio. Já as obras com medidas menores – um estabelecimento comercial, por exemplo – o proprietário pode entrar em contato com o Corpo de Bombeiros ou com a própria loja que vende produtos como extintor de incêndio, para que façam uma pequena análise.
A especialista ainda diz que cuidados simples como atenção à fiação são fundamentais, e alerta que em algumas edificações se torna necessário o aumento da capacidade elétrica. “Hoje para você fazer uma reforma em um apartamento, é necessário comunicar o sindico, e é ainda necessário um profissional habilitado, justamente para se precaver acidentes”.
Poucos investem na prevenção
O engenheiro eletricista, especialista em segurança contra incêndio, Marcos Kanh, veio a Cuiabá (MT) para falar sobre os riscos de incêndios pela Alsec – Sistemas de Segurança. Ele explica que infelizmente não há preocupação com segurança contra incêndio no Brasil.
“Apesar do grande número de ocorrências e das elevadas perdas humanas e patrimoniais, ainda consideramos que o incêndio só acontece com os outros e, assim, investe-se pouco em prevenção e quase nada na manutenção das medidas de segurança contra incêndio mais básicas”, pontua.
O especialista destaca quatro pontos como sendo os principais problemas encontrados na maioria das edificações no País. “A primeira são os problemas nas instalações elétricas. A segunda, a falta de uma adequada compartimentação contra incêndio, ou seja, a falta de uma correta proteção das divisões de áreas de um edifício para que o fogo e principalmente a fumaça, não se alastrem de um ambiente para outro (horizontalmente) e de um andar para outro (verticalmente)”.
Ele cita como terceira a falta de sistemas de detecção automática e alarme de incêndio efetivamente funcionando, para avisar os ocupantes que devem deixar a edificação na eventualidade de uma emergência. “E por fim, outro grande problema é a falta de manutenção das diversas medidas de segurança contra incêndio”.
A fiscalização em Cuiabá é feita pela Diretoria Contra Incêndio e Pânico do Corpo de Bombeiros e pode ocorrer de três maneiras. Na primeira, os bombeiros verificam se a construção está regularizada com as normas. Na segunda, o proprietário entra com um pedido na diretoria e é feita a análise do projeto, aprovação e execução. A terceira forma de vistoria é por denúncia, e qualquer cidadão pode denunciar.
Lei Municipal
A Lei Nº 5587, de 2012, diz que os edifícios acima de 500m² devem passar por inspeção periódica para verificar riscos aos moradores, não somente por risco de incêndio. De acordo com a lei, o Laudo de Inspeção Predial (LIP) deve ser espedido a cada cinco anos, para edificações com até 20 anos.
O responsável pela contratação do serviço de fiscalização é o empreendimento. Assim, deve-se contratar uma equipe de profissionais multidisciplinar para emissão do laudo, atestando que a edificação está segura. Só assim o laudo é registrado na Prefeitura de Cuiabá.
Contudo, o coordenador da Fiscalização Preventiva e Integrada do Crea, Reynaldo de Magalhães Passos, conta que, em 2015, o Crea realizou um levantamento por amostragem para analisar quantos edifícios contavam com o Laudo de Inspeção Predial, e foi constatado que nenhum edifício cumpria com a lei.
Riscos durantes os eventos
Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea) de Mato Grosso e Corpo de Bombeiros são os responsáveis por fiscalizar eventos na Capital. A equipe verifica os riscos de incêndio que possam ocorrer, mas também equipamento elétricos, arquibancadas, palcos etc.
Para Reynaldo de Magalhães Passos, os projetistas de eventos vêm tomando mais cuidados porque, em 2005, a arquibancada da Feira Industrial e Comercial de Várzea Grande (Feicovag) desabou deixando quatro feridos e várias vítimas.
“Após o acidente da Feicovag, aumentou a preocupação com a qualidade desses equipamentos. A qualidade desses profissionais que assinam esses documentos, se responsabilizando pela montagem e pelo acompanhamento da montagem desses equipamentos, também melhorou”, afirma o coordenador.
Os responsáveis pelos eventos devem apresentar o projeto com antecedência para análise dos bombeiros e Crea. De acordo com Magalhães, os eventos são vistoriados em média duas vezes antes da aprovação. “Algumas situações apresentam não conformidades. Então, tendo os apontamentos dessas não conformidades, o responsável tem prazo para regularizar e solicitar uma nova auditoria”.
O drama do garoto João Miguel
Em dezembro de 2015 a casa de Vanessa Vital amanheceu em chamas. A gestante e mãe de quatro filhos havia saído para procurar vaga na creche para o filho mais novo, João Miguel, dois anos.
As crianças, à época entre dois e 14 anos, quando avistaram o fogo da janela saíram correndo para fora da casa com a ajuda de um vizinho. Porém o pequeno João Miguel não conseguiu escapar. Assim que os bombeiros chegaram, souberam que havia uma criança ainda dentro da residência. O cabo Vinicius foi à procura de João Miguel pelos quartos. Mesmo com a visibilidade quase nula, o cabo encontrou a criança entre os destroços e conseguiu resgatá-lo.
João estava desacordado e com vários ferimentos pelo corpo. Foi encaminhado para o Pronto Socorro de Cuiabá e passou dois meses e meio internado.
“Eu não gosto de lembrar o que aconteceu. Porque sempre que deito à noite, quando eu vou dormir, eu fico lembrando e começo a chorar. E eu não gosto de ficar lembrando disso”, conta a irmã de João Miguel.
Após seis meses do incidente, o tratamento do João Miguel atualmente consiste em medicamentos e fisioterapia. Como teve que passar por uma cirurgia para a retirada dos dedos dos pés, a mãe acredita que ele deve usar uma bota ortopédica. João também tem que usar roupas para queimadura, mas a família não tem condições financeiras para adquiri-las.
A família vive apenas com o salário que o pai deixa em casa, pois Vanessa parou de trabalhar para cuidar dos filhos. Ela pede ajuda. “Com o que me ajudar está bom, porque estamos precisando muito”.